Saltar para o conteúdo

Contos Populares Portuguezes/Raposinha gaiteira

Wikisource, a biblioteca livre
VIII
RAPOSINHA GAITEIRA

Era uma vez uma raposa que tinha por compadres um grou e um lobo. Certo dia lembrou-se o grou de convidar a raposa para que fosse cear com elle umas papas de milho; a raposa foi mas nada pôde comer, pois o grou apresentou-lhe as papas dentro d’uma almotolia e como a raposa não tivesse bico o grou comeu as papas todas. Passados dias, a raposa para se vingar, convidou o grou tambem para comer papas, mas d’esta vez comeu ella tudo, pois tinha deitado as papas n’uma laje e o grou não pôde comer. A raposa tomou tal fartadela que nem podia andar, e como tivesse de fazer uma jornada, pediu ao compadre lobo que a levasse ás costas, pois estava muito doente. O lobo isso lhe fez e a raposa ia dizendo pelo caminho.

— «Raposinha gaiteira,
Farta de papas
Vae á cavaleira.»

O lobo perguntava-lhe: — «Que dizes tu, comadre? — «Ai, minha barriga, ai, a minha barriga. Assim foram caminhando até que o lobo caiu no logro que a raposa lhe pregou e então reparando que estavam perto de um poço disse para a raposa: — «Ah! Tu assim me enganaste! Disseste-me que estavas muito doente e vaes cantando pelo caminho:

— «Raposinha gaiteira,
Farta de papas
Vae á cavaleira.»

Pois bem fica n’este poço para não me tornares a enganar.» E atirou a raposa ao poço. A raposa metteu-se dentro d’um balde que estava na borda do poço para se tirar agua, ora com um, ora com outro; de que se havia de lembrar a raposa? Disse ao compadre: — «Olha, tu fizestes muito bem em me deitar ao poço, porque estão cá coisas muito bonitas; se tu queres ver, mette-te n’esse balde que ahi está em cima; vens ver o que cá está e depois voltas. O lobo caiu novamente no logro; metteu-se no balde, e foi abaixo e ao mesmo tempo que elle ia descendo vinha subindo para cima o balde em que estava a raposa. Esta logo que se viu em cima disse para o lobo: — «Fica para ahi para não seres tão tolo que te fies nas matreirices que as mais raposas tão matreiras como eu te queiram impingir. E foi-se cantando pelo caminho fóra:

— «Raposinha gaiteira,
Farta de papas
Vae á cavaleira.»

(Coimbra.)