Contos Populares do Brazil/A princeza roubadeira

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VII


A Princeza roubadeira


(Sergipe)


Havia um pai que tinha tres filhos; um d'elles plantou um pé de laranjeira, outro um pé de limeira, e o terceiro um pé de limoeiro. Lá n'um dia, o filho mais velho foi ao pai e lhe disse: «Meu pai, eu já estou moço feito, quero sahir pelo mundo para ganhar a minha vida.» O pai o aconselhou para não fazer aquillo; mas o moço instou e a final o velho lhe disse: «Pois bem, meu filho, vae, mas tu que queres — a minha benção com pouco dinheiro, ou a minha maldição com muito?» O moço respondeu que queria a maldição com muito dinheiro, e assim o pai fez. 0 moço disse aos irmãos que quando a sua laranjeira começasse a murchar, era elle que estava em trabalhos, e lhe acudissem. Partiu. Chegando adiante, já muito cançado e com muita fome, avistou uma fumacinha ao longe e para lá se encaminhou. Era a casa de uma senhora muito rica. Pediu um agasalho e o que comer; a senhora mandou dar-lhe de jantar. Acabada a janta, o convidou para dar um passeio em sua horta; antes de chegar a ella tinha de passar um riachinho. Ahi a moça, que era a Princeza roubadeira, suspendeu bastante o vestido a ponto de deixar vêr um tanto das pernas. Passeavam na tal horta, que só tinha couves e mais nada. De volta, a princeza perguntou ao hospede: «Então, o que achou mais bonito na minha horta?» Elle respondeu: «Couves.» A moça convidou-o ao depois para o jogo, no qual lhe ganhou todo o dinheiro que levava. Acabado o jogo, mandou-o prender e sustentar de couves. Lá em casa do moço a sua laranjeira começou a murchar. O irmão do meio, vendo isto, foi ao pai e disse: «Meu pai, meu irmão está em trabalhos; eu quero ir atraz d'elle.» O pai custou muito a consentir e a final perguntou: «Tu o que queres — a minha benção com pouco dinheiro, ou a minha maldição com muito dinheiro?» Elle quiz a maldição com muito dinheiro. O pai assim fez. O moço partiu. Depois de andar muito, já cançado e com fome, avistou ao longe uma fumacinha, e caminhou para ella. Appareceu-lhe, n'um palácio, uma linda moça, a quem elle pediu de comer e um agasalho. Ella mandou-o entrar, e servir-lhe de jantar. Depois convidou-o para dar um passeio na horta, e elle acceitou. No passar o riachinho a princeza suspendeu os vestidos, deixando vêr as pernas. De volta, ella perguntou ao hospede: «Então, o que viu de mais bonito em minha horta?» Elle respondeu: «Couves.» Lá comsigo a moça disse: Este é como o outro. Convidou-o para jogar; ganhou-lhe todo o dinheiro, e mandou-o prender e cevar de couves. Lá em casa d'elle a limeira começou a murchar, e o irmão mais moço, vendo isto, foi ao pai e disse-lhe: «Meus irmãos, que foram ganhar a vida, estão em perigo, e eu quero ir ao seu encontro. O pai observou: «Meu filho, eu já estou velho, e sendo tu meu filho unico não te vás tambem embora.» O moço insistiu, e o pai lhe fallou: «Então o que queres — minha maldição com muito dinheiro, ou minha benção com pouco?» O filho respondeu: «A benção com pouco dinheiro.» Partiu. Chegando bem longe, encontrou uma velhinha, que era Nossa Senhora, que lhe disse: «Aonde vae, meu netinho?» Ao que respondeu: «Vou ganhar a minha vida.» A velha lhe deu uma toalha, dizendo: «Quando tiveres fome, pega n'ella e diz: «Põe a mesa, toalha!» e a mesa apparecerá. Deu-lhe mais uma bolsa, dizendo: «Esta bolsa tem o mesmo prestimo.» Deu tambem uma violinha, dizendo: «Quando se acabar a toalha e a bolsa, põe-te a tocar n'ella e não has de ter fome.» O moço seguiu o seu caminho; ao longe avistou uma fumacinha e dirigiu-se para lá. Foi ter a uma casa onde estavam presos os seus dous irmãos. Ahi descançou e jantou. A Princeza roubadeira o convidou para dar um passeio na sua horta; o moço acceitou e foram. Ao passar o riachinho, a linda moça levantou os vestidos e mostrou as pernas quasi todas. O moço botou os olhos com cuidado. De volta, a princeza perguntou-lhe: «Então, o que viste mais bonito em minha horta?» — «Com licença da senhora, foram as suas pernas.» Lá comsigo disse a moça: «Este me serve.» Seguiu-se o jogo em que ella lhe ganhou todo o dinheiro e mandou-o prender. Quando chegou a hora de dar de comer aos presos, indo a negra com a comida para elle, não a quiz, dizendo: «Leve lá a sua senhora, que eu não preciso d'ella.» Pegou na toalha e foi comida muita que appareceu logo. Os presos todos, eram muitos, que andavam mortos de fome, comeram a fartar-se, e guardaram muita comida. A negra, vendo aquillo foi ter com a senhora e lhe disse: «Não sabe, minha senhora? aquelle preso de hontem tem uma toalha que basta elle pegar n'ella para apparecer logo muita comida e da melhor. Só vosmecê é que devia possuir aquella toalha, princeza minha senhora.» A princeza roubadeira disse á negra: «Vae perguntar se elle a quer vender.» A escrava foi, e o preso respondeu: «Diga á sua senhora que para ella não é nada; basta que me deixe dormir uma noite na porta do quarto d'ella da banda de fora.» A escrava levou o recado. A senhora tomou aquillo por um grande desaforo; mas a negra lhe disse que não désse attenção aquillo, que não queria dizer nada, e ella ficaria com a sua toalha. — No dia seguinte, ao levar o almoço, não o quiz, e puxou pela bolsa e foi comida por cima do tempo. A negra, que via aquillo, correu e foi contar á senhora: «Não sabe, princeza minha senhora? o preso está terrivel; puxou agora por uma bolsa que só vosmecê possuindo… É melhor que a toalha.» A ambiciosa mandou offerecer compra pela bolsa. O preso lhe mandou dizer que para ella não era nada; bastava deixal-o dormir no seu quarto da banda de dentro, junto da porta. A roubadeira ficou muito insultada, e pôz-se a rascar: Foi preciso que a escrava lhe dissesse: «Oh! Chonte! minha senhora, que mal faz? Vosmecê dorme em sua cama e aquelle tolo lá no chão.» Fez-se o negocio, e o maganão dormiu dentro do quarto da princeza. No dia seguinte, indo a negra levar o almoço, elle puxou pela viola e pôz-se a tocar, e todos os presos a dançar, e a negra largou os pratos no chão e pôz-se tambem a dançar, e demorou-se muito, a ponto da roubadeira mandar chamar a negra, admirada d'aquella demora. A preta lhe respondeu: «Minha senhora, aquelle preso está com o diabo. Tem agora uma violinha que só vosmecê possuindo…» A princeza mandou logo offerecer dinheiro por ella; o preso não quiz, dizendo: «Esta… só se ella casar commigo!…» A negra foi dar o recado. A moça arrufou-se; mas a final consentiu, e casou-se. Depois d'isto todos os presos foram soltos. Houve muita festa; eu lá estive (diz a narradeira) e trouxe uma panellinha de doce, que cahiu alli na ladeira.

Entrou por uma porta,
Sahiu por um canivete;
Manda o rei, meu senhor,
Que me conte sete.