Contos Populares do Brazil/Uma de Pedro Malas-Artes

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V


Uma das de Pedro Malas-Artes


(Sergipe)


Um dia, Pedro Malas-Artes foi ter com o rei e lhe pediu tres botijas de azeite, promettendo-lhe levar em troca tres mulatas moças e bonitas. O rei aceitou o negocio. Pedro sahiu e foi ter a casa de uma velha alli pela noitinha; pediu-lhe um rancho, e que lhe botasse as botijas no poleiro das gallinhas. A velha concordou com tudo. Alta noite, Pedro Malas-Artes levantou-se, foi de de pontinha de pé ao poleiro, quebrou as botijas, derramou o azeite, lambuzando as gallinhas. De manhã muito cedo Malas-Artes acordou a velha, e pediu-lhe as botijas de azeite. A velha foi buscal-as, e, achando-as quebradas, disse: «Pedro, as gallinhas quebraram as botijas e derramaram o azeite.» — «Não quero saber d'isso, disse Pedro; quero para aqui meu azeite, senão quero tres gallinhas.» A velha ficou com medo, deu-lhe as tres gallinhas. Malas-Artes partiu e foi á noite a casa de outra velha; pediu rancho e que agasalhasse aquellas tres gallinhas entre os perús. A velha, como tola, consentiu. Alta noite, Pedro se levantou, foi ao quintal, matou as tres gallinhas, besuntando de sangue os perus. No dia seguinte, bem cedo, acordou a velha, pedindo as suas gallinhas, porque queria seguir viagem. A velha foi buscal-as e encontrou o destroço; voltou afflicta, contando a Malas-Artes. Elle fez um grande barulho até levar seis perús em troca das gallinhas. Na noite seguinte, foi ter a casa de um homem que tinha um chiqueiro de ovelhas, e pediu-lhe para passar a noite em sua casa e que lhe agasalhasse aquelles perús lá no chiqueiro das ovelhas, porque bicho com bicho se accommodavam bem. O homem assim fez. Tarde da noite, Pedro foi ao logar onde estavam os perús, e matou-os a todos labreando de sangue as ovelhas. Pela manhã levantou-se bem cedo e pediu ao dono da casa os seus perús. O homem indo-os buscar, achou-os mortos, e voltou muito afflicto, dizendo: «Pedro, não sabe? as ovelhas mataram os seus perús.» Ouvindo isto, Malas-Artes fez um grande espalhafato, gritando que o homem tinha morto os perús do rei e recebeu seis ovelhas pelos perús. Largou-se, indo dormir na casa de um homem que tinha um curral de bois. Ahi elle fez as mesmas artimanhas, até pegar seis bois pelas seis ovelhas. Mais adiante, elle encontrou uns vendilhões de ouro e trocou os bois por ouro. Mais adiante encontrou uns homens que iam carregando uma rêde com um defunto. Pedro perguntou quem era, disseram-lhe que era uma moça. Elle pediu para ir enterral-a e elles deram. Logo que os homens se ausentaram, elle tirou a moça da rede, encheu-a de bastante ouro e enfeites, e foi ter com ella nas costas a casa de um homem rico que havia alli perto. Pediu rancho, e disse ás filhas do tal homem que aquella era a filha do rei que estava doente, e elle andava passeando com ella, e pediu que a fossem deitar. Foram levar a moça para uma camarinha indo Malas-Artes com ella, dizendo que só com elle ella se accommodava. Deitou a moça defunta na cama e retirou-se, dizendo ás donas da casa: «Ella custa muito a dormir, ainda chora como se fosse uma criança, quando chorar mettam-lhe a corrêa.» Alta noite, Pedro foi e se escondeu debaixo da cama onde estava a morta e pôz-se a chorar como menino. As moças da casa suppondo ser a filha do rei, deram-lhe muito até ella se calar, que foi quando Pedro se calou. Depois elle escapuliu e foi para seu quarto. De manhã elle pediu a moça, que queria ir-se embora. Foram vêr a filha do rei, e nada de a poderem acordar. Afinal conheceram que estava morta, e vieram dar parte a Malas-Artes. Elle pôz as mãos na cabeça, dizendo: «Estou perdido; vou para a forca; me mataram a filha do rei!…» Os donos da casa ficaram muito afflictos, e começaram a offerecer cousas pela moça, e Pedro sem querer aceitar nada, até que elle mesmo exigiu tres mulatas das mais moças e bonitas. O homem rico as deu, e Pedro disse que dava uma desculpa ao rei sobre a morte de sua filha, e lhe dava de presente as tres mulatas, para o rei não se agastar muito. Malas-Artes largou-se e foi logo para palacio, onde entregou ao rei as tres mulatas com este dito: «Eu não disse a vossa magestade que lhe dava tres mulatas pelas tres botijas de azeite? Abi estão ellas.» O rei ficou muito admirado.

Entrou por uma porta,
Sahiu por outra;
Manda o rei, meu senhor,
Que me conte outra.