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CONFIDENCIAS
Theresa, por que estás triste?
Por que estás triste, Leonor?
Essa magua em que consiste?
Em que consiste essa dôr?
Suspiras constantemente!
Estás sempre a suspirar!
Tu, que eras tão sorridente!
Tu, que eu nunca vi chorar!
As tuas maguas, Thereza,
Confia ao meu coração.
As causas dessa tristeza,
Leonor, dize-me quaes são.
Repetes o que digo,
E não respondes, bem vês!
Mas eu tambem não consigo
Que uma resposta me dês!
Perguntas por que estou triste,
E estás mais triste do que eu!
Do meu enfado inquiriste,
E o teu é maior que o meu!
Por que por um mal indagas
Que não te é dado sanar
Por que queres ver as chagas
Que tu não pódes curar?
Quem sabe se um linitivo
A’s tuas dôres trarei?
Ao menos um palliativo
A’s tuas maguas darei!
São minhas maguas daquellas
Que palliativos não têm!
E as minhas dôres são ellas
Inconsolaveis tambem!
Não querem talvez levar-te
Ao baile do dia um...
Não! — eu vou a toda a parte;
Não falto a baile nenhum.
— Teu pai não foi convidado
Para esse baile, talvez...
Um convite delicado
Tivemos ha mais de um mez,
— Mas para o baile, faceira,
Toilette nova não tens?
Já lá está na costureira.
Acceita os meus parabens.
— Um vestido te negaram?
Essa é a causa do teu mal?
Pelo contrario: mandaram
Fazel-o ao Palais Royal.
Mas algum outro capricho
Contrariado, não é?
Não acertaste no bicho?
No bicho perdeste a fé?
— Caprichos! pois disso trato?
Tenho palpites de truz:
Ante-hontem ganhei no gato,
Hontem ganhei no avestruz!
Nesse caso, não percebo
Dessa tristeza a razão!
O motivo não concebo
De tão estranha afflicção!
Conta-me a tua tristeza!
Confia-me a tua dôr!
Sou tua amiga, Thereza!
Sou tua amiga, Leonor!
Se eu te disser o que sinto...
Si o que soffro eu te disser...
Julgarás talvez que minto...
Não suspeitarás sequer...
Toda a discrição reclamo.
Guarda segredo.
Pois bem:
Eu amo!
Tambem eu amo.
E sou amada!
Eu tambem!
Eu amo um bonito moço!
Eu amo um bello rapaz!
Amo-o com todo o alvoroço
De que minh’alma é capaz!
Elle é tão intelligente!
Tanto talento elle tem!
E’ de tal modo eloquente!
Sabe exprimir-se tão bem!
E’ o meu amado, ouviste?
E se ha pouco me viste
Contendo as minhas lagrimas ardentes,
Desesperada, lacrimosa e triste,
Foi por ter recebido ainda agora
A noticia de que elle foi nomeado
Juiz municipal ahi p’ra fóra,
E vai partir mais dia menos dia!
Ar que respiro, sol que me allumia,
Meu noivo, meu futuro,
Tambem Vergeis se chama, affirmo e juro!
E se estou triste assim, é que elle deve
Para o destino seu partir em breve,
Pois é juiz municipal na roça!
Leonor, uma de nós vive illudida!
Se uma victima existe, és tu, supponho!
Pois que tão novas, tão ingenuas somos,
Que tanto eu como tu logradas fomos!
Um documento real de quanto digo!
Uma prova de que falei verdade.
(Cada uma dellas tira uma photographia do bolso)
E’o seu retrato!
Eu vejo que illudida
Não fui eu só, nem tu: fomos as duas.
(Lendo.)
«A’ minha noiva Thereza...
São dos mesmos clichés. (Ri-se)
Oh! não te rias!
Seria quando fosse promovido...
Me fez a mim!
Mas não nos agastemos,
Que o coisa ruim não vale taes extremos.
Mandemos-lhe uma duzia de ironias
Em carta que ambas assignar devemos.
E’ a vingança melhor! Valeu?
Porém tenhamos todos os cuidados:
Que o meu seja meu só e o teu só teu.