Contos em verso/Contos brasileiros/O marido, a mulher e o outro
O Secundino Arantes
Era um marido commodo: a senhora
Tivera quatro, cinco ou seis amantes,
E o desgraçado, embora
O soubesse, faltando-lhe energia,
Caladinho ficava e não reagia.
Vivia escravisado;
Amava-a, achava-a bella;
Estava acostumado
A’quillo, e não podia
Outra vida viver senão aquella.
Entretanto, n’um dia
Em que um tal Souza, o derradeiro amante,
Nos adulteros braços esquecido,
Se deixou sorprehender pelo marido,
Este, que, até tão malsinado instante,
Tudo embora sabendo, nada vira,
Teve um accesso de ira!
Para que o seu furor deixasse traços
(Assim um pusilanime se vinga!),
Lançou ao chão e fez em mil pedaços
Uma infeliz moringa;
Sahiu de casa, e da mulher infida
Se separou definitivamente.
Só depois de tres mezes, convencida
Ella ficou de que o marido ausente
Nunca mais voltaria. O Souza, o amante,
Que, esperando tambem que elle voltasse,
Não contava com esse desenlace,
Teve, de então por diante,
Que aguentar — pobre Souza! — aquella carga
Que jámais figurou no seu programma.
Não larga um cavalheiro a sua dama.
Quando, por causa delle, o esposo a larga.
Foi cavalheiro o Souza.
Tu farias, leitor, a mesma cousa,
Si estivesses no rol desses peraltas
Mettidos em cavallarias altas,
E um dia fosses, como um sevandija,
Apanhado co’a bocca na botija.
O desditoso Secundino Arantes
Nunca mais teve um’hora de ventura;
Elle, tão ledo, tão alegre d’antes,
Só desejava agora a sepultura;
Si coragem tivesse,
Ou si soubesse
Onde ir buscal-a,
Talvez fizesse
Com que uma bala
Cabo da vida estupida lhe désse!
Viveu assim seis mezes, e á medida
Que os tempos tristemente se passavam,
Mais e mais na sua alma se avivavam
Fundas saudades da mulher querida.
Gastava a pensar nella o dia inteiro,
Durante toda a noite a via em sonhos,
E acordava a soltar gritos medonhos,
Abraçando e beijando o travesseiro!
Um dia, finalmente, subjugado
Por uma idéa impavida, constante,
Resolveu ir passar pelo sobrado
Em que a mulher morava com o amante...
Quatro vezes passou por lá sem vel-a;
Porém, á quinta vez, quando passava,
Viu que à jannella a perfida se achava,
E foi como se vira a sua estrella!
A’ sexta vez elle cumprimentou-a,
E foi correspondido;
A’ setima sorriu-lhe, namorou-a,
Namoraram-se ambos, e o marido
Durante um longo mez passou por ella,
Que o esperava á janella!
Escreveu-lhe, afinal, uma cartinha,
Pintando ao vivo o eterno amor que tinha,
Pedindo uma entrevista
Com o mesmo empenho com que supplicára
A vida um moribundo, um cego a vista.
Morta por isso andava a esposa cara.
Estava o nosso Arantes
A sós com ella, como dois amantes,
Quando o dono da casa, de repente,
Subiu a escada inesperadamente.
— Oh! diabo! é o Souza! Esconde-te depressa!
— Eu esconder-me! Hom’essa! —
Elle abre o guarda-roupa, e elle, tremendo,
Para evitar um incidente horrendo,
Esconde-se.
Entra o Souza, e desconfia:
Ella nervosa está, tem a mão fria,
E o guada-roupa geme...
Suando em bicas, Secundino treme,
Entre calças e saias, suffocado
Por um cheiro de camphora, coitado!...
— Quem está dentro daquelle guarda-roupa?
Pergunta á queima roupa
O Souza, e, vendo que ella não responde,
Abre o movel...
— Senhor, por que se esconde?
Deve ficar aqui bem assentado
Que o marido enganado
E’ o senhor e não eu! Saia p’ra fóra!
Aqui tem a senhora:
Ella é sua e não minha, Deus louvado! —
E, dizendo isto, o Souza foi-se embora.
Final coherente,
Que satisfez
Completamente
A todos tres.