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Contos em verso/Contos brasileiros/O novo e o velho

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O NOVO E O VELHO
 
I

Rosa casára-se aos dezeseis annos,
Antes de entrar definitivamente
Neste mundo choroso e sorridente,
Cheio de enganos e de desenganos.
O marido, homem pratico, mettido
Em mil negocios, cada qual mais grave,
Daquelle coração não tinha a chave...
Imprudente marido!
Longe della passava todo o dia,
Não almoçava nem jantava em casa.
E quando á noite, ao triste lar volvia,
Um somno só das nove ás seis dormia.

Certo leão, que não perdia vasa,
Quando no seu caminho
Encontrava mulher inexperiente,
Casada com marido sempre ausente,
Quiz perturbar a paz daquelle ninho;

Rosa, porém, mostrou-se, nobremente,
Esposa fiel aos conjugaes deveres,
Não se deixando seduzir de prompto
Por ignobeis prazeres,
E o seductor á seducção fez ponto.

Elle era um cidadão desoccupado,
Um tal Solano. Tendo, aliás, chegado
Aos trinta e cinco, inda vivia ás sopas
De uma velha abastada, sua tia,
E de nada entendia
A não ser de mulheres e de roupas.

Mas, por desgraça, tinha um primo Rosa,
Da sua idade pouco mais ou menos...
Brincaram juntos quando eram pequenos,
Na estação descuidosa,
Em que tudo são flôres
E o riso é um privilegio.

Ainda estava o primo no collegio,
Mas, desde que podia
Um momento furtar, logo corria
Para casa da prima, a visital-a.

Ambos elles sentados
No canapé da sala,
Dedos entrelaçados,
O olhar saudoso fito
No vago, no infinito,
Suspiravam lembranças
Das suas travessuras innocentes.

Deixar ficar sósinhas as crianças
E das coisas que eu sei mais imprudentes...
Aquellas entrevistas dos priminhos
Acabaram naquillo que — pudéra! —
O leitor maliciosamente espera:
Passaram das palavras aos carinhos,
Dos carinhos aos beijos,
E a tudo mais que apaga os máos desejos.

   A mãi preta de Rosa,
Uma ex-escrava idosa,
Que a amava muito e a desejava honrada,
Ficou deveras escandalizada;
Porém a moça, leviana e tonta,
Fazendo uma pirueta,
Lhe disse: — Ora, mãi preta!
Elle é tão novo que não entra em conta!

Graças a Deus, o primo venturoso
Partiu pouco depois para o Recife.
Nunca mais o patife
Da prima se lembrou. Quando, orgulhoso,
Voltou á terra bacharel formado,
Co’uma pernambucana era casado.

II

Passaram-se vinte annos. O marido
De Rosa, sendo, aliás, tão operoso,
Viu-se um dia á pobreza reduzido,
Por ser ambicioso

E embarcar tudo quanto possuia
Numa especulação muito arriscada,
Que polymillionario o tornaria,
Ao não deixar, como deixou, sem nada.

Obrigado a ausentar-se da cidade,
Para ver se arranjava alguma coisa
Elle deixou a esposa
E foi tratar da vida.

Na verdade,
Constante era o Solano,
Que um feroz desengano
Tivera um dia e que esperou, paciente,
Com insolito affinco,
Imperturbavelmente,
Até os cincoenta e cinco
Occasião azada
Para apanhar a presa cobiçada.

Apanhou-a, afinal, e — quem diria? —
Foi o dinheiro que venceu!

Vivia
Ainda a preta velha, a ama de Rosa,
Que, ao vel-a desta vez cair mais fundo,
Ficou tão furiosa
Que parecia pôr abaixo o mundo.
Rosa, porém, fazendo uma careta,
Lhe disse: — Ora, mãi preta!
Foi uma coisa de bem pouca monta...
Elle é tão velho que não entra em conta!