Contos em verso/Contos brasileiros/Escola dos velhos

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ESCOLA DOS VELHOS
 

O Prospero Pimenta
Passava dos cincoenta,
Quando encontrou na vida
A mulher longamente appetecida
Entre sonhos, visagens e chimeras.
Ella contava apenas
Dezoito primaveras,
E era a mais deliciosa das morenas.

Elle encontrou-a, por acaso, um dia
Em que um novo diluvio parecia
Desabar sobre a terra, e attencioso,
Offereceu-lhe o braço e o guarda-chuva,
Que é, quando chove, rufião precioso.
Levou-a para casa. A sua vida
Ella contou-lhe muito commovida:
Tinha sido casada, era viuva.
Já viuva? E’ verdade!
Andava o dia inteiro na cidade,
Procurando um emprego...
Um destino... um conchego...
O Prospero Pimenta era solteiro;

Tinha muito dinheiro
E um palacete mobilado tinha;
Por isso, a viuvinha
Ali ficou de casa e pucarinha.

Elle amou-a devéras;
Não era um homem gasto,
Um coração cansado que repasto
Outr’ora fosse de paixões violentas;
Elle podia ainda
Perpetuar a raça dos Pimentas,
Levar longe o seu nome;
Mas aquella menina ingenua e linda,
Si a imperiosa fome
De um exigente amor satisfazia;
Estranha sansação lhe produzia;
Elle ficava contrafeito quando,
Os seus labios de purpura beijando,
O doce mel do amor nelles sorvia;
E pensava: — Estou velho, e certamente
Só me tolera porque sou, não rico,
Mas solicito, bom, condescendente;
Sinto que a sacrifico,
A consciencia diz-me que a deturpo,
E o logar de outro, menos velho, usurpo. —

Ora, um dia, o Pimenta
Foi avisado de que a sua amante,
De amor faminta e de prazer sedenta,
Tinha um amante que não era elle,
E pilhou-a em flagrante,

Furioso — meu Deus! que dia aquelle! —
Ia fazer escandalo e alvoroço,
Quando caiu em si, vendo que o moço
Com quem ella o enganava,
Nem trinta annos contava
E era um rapaz bonito;
Não lhe faltava nem um requisito
Para ser della amado
— Afinal, tens razão, disse o coitado,
Quem não a tem é o meu amor absurdo,
Que me fez cego e surdo.
Amae-vos, pois, meus filhos,
Amae-vos á vontade!
En não ponho empecilhos
A’vossa f’licidade! —

E fez mais o Pimenta:
Dotou a viuvinha com quarenta
Contos de réis, e o bello moço amado
(Grande pulha!) com ella está casado.

Nasceu-lhes um filhinho,
E o Pimenta foi logo convidado
Para ser o padrinho.