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Contos em verso/Contos cariocas/As visinhas

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AS VISINHAS
 
I


O Felizardo tinha,
Havia um mez apenas,
Uma formosa e languida visinha,
Flôr da flôr das morenas,
Por quem se apaixonára
Desde o momento em que lhe viu a cara.
A’ janella sósinha,
Nunca a pilhou, mas sempre acompanhada
Por uma quarentona
Rochunchuda e anafada.

Quem seria a matrona
Elle ignorava, mas, na visinhança,
Tendo indagado, soube, sem tardança,
Que das duas visinhas
Uma era a filha e outra a mulher do Prado,
Velhote apatacado,
Que a vender gallos, a vender gallinhas,
E outros bichos domesticos, vivia

Durante todo o dia
Na praça do Mercado.

Felizardo ficou muito contente
Ao saber que a matrona
Da morena era mãe, porque a tal dona
Indubitavelmente
Mostrava ter por elle sympathia;
Quando a cumprimentava, ella sorria
Co’um sorriso de sogra em perspectiva.

A morena adorada
Era mais reservada,
Menos demonstrativa;
Sorria-lhe egualmente,
Mas disfarçadamente
E de um modo indeciso,
Como se fôra um crime o seu sorriso.

II

Um dia Felizardo, que era esperto,
Tendo a geito apanhado um molecote
Da casa das visinhas, deu-lhe um bote
E o effeito foi certo,
Porque não ha moleque
Que por uns cinco ou dez mil réis não peque.
— Como se chama a filha do teu amo?
— Mercêdes. — E a senhora? — Julieta.
— Pois ouve cá: dona Mercêdes amo.

Toma esta nota. Dobro-te a gorgeta
Si acaso te encarregas
De lhe entregar uma cartinha... Entregas?
— Entrego, sim senhor. — Quando trouxeres
A resposta, terás quanto quizeres!

A secreta cartinha
Uma declaração de amor continha,
E terminava assim: «Si me autorisa
A pedil-a a seu pae em casamento,
Tres letras bastam... nada mais precisa...
Sim ou não... minha vida ou meu tormento.»
Veio em breve a resposta
Pela tal mala-posta,
E exultou Felizardo,
Lendo, escripto em bastardo,
O grato monosyllabo ditoso
Com que sonhava um coração ancioso.

No mesmo dia foi o namorado
Ter com o pae da morena
A’praça do Mercado.
Não preparou a scena:
Reflectiu que modesto
Devia o velho ser, por conseguinte,
Dispensava etiquetas. Deu no vinte,
Como o leitor verá, si ler o resto.

III

Em mangas de camisa estava o Prado.
Na barraca sentado,
Entre gallos, gallinhas, gallinholas
Das raças mais communs e das mais caras, —
Frangos, patos, perús, coelhos, araras,
Passarinhos saltando nas gaiolas,
Saguis mimosos, tremulos, sorpresos,
Acorrentados cães, macacos presos,
E no ambiente um cheiro
De entontecer o proprio gallinheiro,
Quando foi procurado
Por Felizardo. — Felizardo Pinho
E’ o meu nome; conhece-me, seu Prado?
— De vista, sim, senhor, que é meu visinho.
— Eu amo ardentemente sua filha,
E não sou para ahi um farroupilha.
Não quero agora expôr-lhe as minhas prendas;
Apenas digo-lhe isto:
Vivo das proprias rendas,
Tenho boa familia e sou bem visto.
Venho, por sua filha autorizado,
Dizer-lhe que domingo irei pedil-a.
Até lá póde ser bem informado,
Afim de que me aceite ou me repilla.
O pae, que estava attonito e pasmado,
Interrogou: — E’ sério? é decidido?

O senhor gosta da Mercêdes? — Gósto,
E tudo, tudo arrosto,
Para ser seu marido!
— Bom; domingo lá estou, e é crença minha
Que ficaremos do melhor accordo;
Mas vá jantar, que sabbado, á tardinha,
Mando p’ra casa o meu perú mais gordo.

No domingo aprazado
O Felizardo, todo encasacado,
Inveja dos catitas mais catitas,
Foi recebido pelo velho Prado
Na sala de visitas.
— Vou chamar a Mercêdes, disse o velho,
Emquanto o namorado, n’um relance
Mirando-se no espelho,
Achava-se um bom typo de romance.

Voltou á sala o Prado,
Trazendo pela mão... a quarentona.
— Aqui tem minha filha! Embatucado,
Felizardo cahiu n’uma poltrona.

O misero protesta:
— Perdão, mas não é esta!
— Eu não tenho outra filha! sobranceiro
Exclama o gallinheiro.
Felizardo, fazendo uma careta,
— Mas a outra?.. — pergunta. — A Julieta?
Essa é minha mulher! — Minha madrasta,

Accrescenta Mercêdes. — Basta! basta
Perdão, minha senhora!
Murmurou Felizardo, e foi se embora,
Correndo pelas ruas.

Não houve nunca mais noticias suas