Contos em verso/Contos cariocas/Nhô-nhô!
Outro dandy não ha como o Brochado;
Na rua do Ouvidor é o rei da moda;
Em toda a parte é sempre mencionado,
Elogiado é sempre em qualquer roda.
O melhor alfaiate o veste, e creio
Que de graça o faria:
E’ o seu melhor annuncio, o melhor meio,
Os melhores engodos
Para attrahir a boa freguezia
Dos muitos moços, cada qual picado
Por negra inveja, que pretendem todos
Imitar a elegancia do Brochado.
Não tem outro o seu faro
Para a gravata descobrir da seda
De padrão mais inedito ou mais raro;
Não ha quem o exceda
Na escolha das bengalas,
Nem na dos alfinetes
Que nas gravatas fulgidas espeta,
Provocando, nas ruas e nas salas,
A’s senhoritas e aos pintalegretes,
Uma surpresa múrmura e discreta.
Quando o Brochado põe um chapéo novo,
E vae mostral-o ao povo,
Parando á porta da confeitaria
Onde, das tres ás cinco, todo o dia
Ha seis annos é visto si não chove,
Produz o facto sensação; promove
Um movimento de attenção tamanho,
Que attrae de curiosos um rebanho
E de basbaques um corrilho ajunta!
E muito rapazola embasbacado
A quanto topa faz esta pergunta:
— Já visto o chapéu novo do Brochado? —
E tudo quanto elle usa
As mesmas parvas attenções desperta:
O sapato, que abusa
Do bico estreito e o polegar aperta;
O collarinho reluzente, o punho,
As chatelaines, os anneis, e aquelle
Insolente monoculo, que um cunho
Lhe dá de quem suppõe que o mundo é delle.
Accresce que o Brochado
E’um bonito rapaz, que dos quarenta
A passo agigantado
Para a casa caminha, embora minta,
Pois a todos sustenta
Não chegar á dos trinta;
Moreno, alto, aprumado,
O olhar avelludado,
Negro e farto bigode
Que um nickel de tostão esconder póde;
Bellos dentes e labios nacarados
Que (dizem, não affirmo) são pintados.
Mas é um mysterio a vida planetaria
Desse elegante, que se não emprega
Sinão naquella exhibição diaria
Que em seu redor tantos patáos congrega
Na rua do Ouvidor e em toda a parte
Onde haja riso e pandega que farte,
E as duras penas de trabalho afogue.
Elle não é nenhum capitalista,
E não consta que herdasse nem que jogue,
Como, pois, explicar que assim resista
A uma vida tão cara e tão vadia?
E toda a gente ignora
A sua moradia;
Nunca disse a ninguem onde é que mora,
Nem ninguem nunca o visitou!
No emtanto,
Leitor amigo, vamos, se quizeres,
Lá do Saco do Alferes
Ao feio bairro, que desprezas tanto,
Procuremos num morro uma casinha
Onde duas mulheres
Cada qual mais mirrada e mais mesquinha,
Noite e dia trabalham, cosinhando,
Engommando, lavando, costurando,
Para pagar o luxo do Brochado.
São irmãs delle. Adoram-no. Contentes,
Não maldizem o fado:
Vivem ambas felizes, sorridentes,
Por verem satisfeito o tal peralta
Por quem se sacrificam e a quem amam!
A ellas, coitadinhas, tudo falta,
Mas nada falte ao seu irmão querido,
Ao seu lindo Nhô-nhô, que assim lhe chamam.
Quinquagenarias ambas, afagadas
Nem sempre são pelo patife; ás vezes,
Quando as pagas demoram os freguezes,
Pelo irmão com injurias maltratadas
Choram, mas tudo, tudo lhe perdoam:
Lagrimas seccam e palavras vôam.
Um idéa sómente as mortifica:
Si ellas morrem, sósinho o Nhô-nhô fica...
Não aguenta o repuxo...
Mas o Brochado diz-lhes, convencido:
— Nem eu trabalho, nem dispenso o luxo;
Si morrerem vocês, eu me suicido! —