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Correspondência ativa de Euclides da Cunha em 1892

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Rio, 7 de junho de 1892

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Porchat

Já nem sei se te lembras do signatário destas linhas; não sei se devo empregar nesta carta o tratamento familiar de uma velha camaradagem ou o V. Ex.ª obrigado das relações friamente corteses. O meu velho amigo, embebido na contemplação de esperançoso morgado, atirou para um canto obscuro da memória os companheiros de dantes. Eu quero porém estimular-lhe a recordação e venho impertinentemente lançar a aspereza do meu nome nas horas febris que o rodeiam. Farei mal? Farei bem? Não sei. Sei que tendo de tomar uma resolução ousada preciso abeirar-me do critério esclarecido de um companheiro sincero e ― egoisticamente pois ― escrevo-lhe.

Antes porém de abordar a questão fundamental desta carta ― peço-te (após dois minutos de reflexão resolvi adotar o tratamento antigo) que transmitas a toda a família as saudações minhas e de Saninha.

Feito isto, entremos na questão.

Soube aqui que se acha em plena organização a Escola de Engenharia daí. Imediatamente lembrei-me de uma aspiração antiga: abandonar uma farda demasiadamente pesada para os meus ombros e passar a vida numa função mais tranquila, mais fecunda e mais nobilitadora. Oferece-se-me este emprego agora. Lembrei-me que forçosamente haverá nessa Escola a cadeira de Astronomia, ciência à qual me tenho aplicado muitíssimo ultimamente, frequentando assiduamente o Observatório Astronômico. À vista disso procurei logo conversar com o Mesquita, Álvaro de Carvalho e outros paulistas que aqui estão e foram todos acordes em que eu devia preferir um lugar de lente aí a persistir numa carreira incompatível com o meu gênio.

Desejo porém que me digas alguma coisa a respeito. Não dispenso a orientação dos amigos. Se acaso souberes alguma coisa sobre as bases essenciais da referida Escola e etc., peço igualmente que me digas em próxima carta.

Como vês é um tanto egoísta esta carta, espero porém que me desculpes, pelo menos atendendo à atenuante de uma confissão franca. Voltando a outro assunto. Como vai o filhinho? Prossegue sadio e forte? O meu vai indo admiravelmente ― sem o mínimo contratempo nesse perigoso início da vida. Nada te direi acerca da política porque, segundo já te disse, é coisa que atualmente não enche um só minuto da minha vida.

Responda-me com brevidade.

Peço-te que no meu nome e no de Saninha recomende-nos muito a d. Maria Júlia e toda a Exma. família.

Abrace por mim aos bons companheiros daí e lembre-se um pouco mais do am amº
Euclides da Cunha
Campo de S. Cristóvão nº. 11

S. Paulo, 20 de junho de 1892

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Pedro de Alcântara

Recebi tua carta de 18 ― e estimei saber que continuas bem de saúde assim como todos.

Quanto ao que me dizes acerca do Rio Grande, tenho a dizer-te que não podia esperar outra coisa de ti ― realmente o Castilhos não pode deixar de ser profundamente estimado, pelos que são verdadeiramente dignos e ainda têm um pouco de amor por esta pobre terra, esta pobre pátria ― esta misérrima pátria tão digna de melhores dias!… Acerca do que me dizes do general também fico inteirado e igualmente creio que pretendem explorar a calúnia ― Como anda tudo isto! Quanta coisa pequenina vai por aí! Que misérrimos homens! Que infeliz gente essa! Eu já não sinto indignação por tanta baixeza; estou cansado de indignar-me e começo a olhar para tudo isto com olhos de velho, velho de vinte e poucos anos ― que é a pior e a mais triste espécie de velhos. Que o general se console e tenha resignação, que é o último recurso dos fortes; ele há de vencer afinal ― porque embora a sociedade inteira se dissolva, não se extingue a justiça.

Fico igualmente inteirado acerca do que me dizes sobre o lugar na Escola ― e espero nesse sentido respostas tuas já que o Odilon te afirmou não haver dúvida sobre a minha entrada ― espero que isto se dê em breve.

Nós vamos indo bem. Dê um apertado abraço no general Solon e diga-lhe que ele ainda tem por aqui amigos sinceros e reais que repelem, com repugnância os respingos de lama, que meia dúzia de infames sobre ele atiram.

Dê por mim e Saninha muitos abraços em d. Túlia, d. Josefa e meninos; e você receba saudades nossas e disponha do amº, agradecido
Euclides da Cunha

Rio, 4 de agosto de 1892

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Porchat

Levantei-me ontem; durante oito dias a fio uma nevralgia dolorosíssima inutilizou-me inteiramente ― e isto numa ocasião excepcional, em que eu devia começar o meu tirocínio na Escola. Podes imaginar como me vi contrariado; além de outras faltas, cometi a de não te escrever, conforme o nosso contrato inalienável. Felizmente eis-me no meu posto, começando esta por te pedir inúmeras desculpas pela involuntária falta. Volto da Escola; as minhas aulas são nas segundas, quartas e sextas e dei hoje a minha primeira lição, acerca da qual nada te direi, como parte que sou altamente suspeita.

Acredito que a d. Esmeralda continue a melhorar e para isto tanto eu como a Saninha fazemos os maiores votos.

Na carta anterior falas de ocupações inúmeras que não te deixam folga para a agradabilíssima dos livros novos que aparecem ― a Débâcle e os Simples; lastimas isto, eu, porém, folguei com a notícia: quero que os bons companheiros de mocidade, como você, os quais, espero, serão bons companheiros de velhice, entrem pela vida num combate rude e vigoroso, tal que lhes roube o momento mais breve para a mais breve contemplação da feição cômoda e formosa da existência. Eu também não li ainda o livro de Junqueiro e, como você, tenho-o sobre a mesa; não me queixo porém; à força de lutar hei-de afinal, a pouco e pouco, conquistar algumas horas mais calmas; nessa quadra então lerei alguma coisa; por ora, faço uma crudelíssima para mim ― estudo. Na próxima semana escreverei para o Estado. Peço-te que não repares o laconismo desta; na próxima carta vingar-me-ei amplamente, escrevendo-te então acerca do que vai por aqui…

Recomende-me muito à Exma. família e considera sempre teu verdadeiro amº o
Euclides da Cunha

Rio, 13 de agosto de 1892

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Porchat

Assim como mudaste o dia da tua correspondência, mudo eu o da minha; nada de sextas-feiras! Escrever-te-ei doravante nos sábados, dias mais alegres e próprios às prosas agradáveis com bons companheiros ausentes.

Desejo que esta te encontre mais feliz e mais animado, relativamente à crudelíssima moléstia que oprime a d. Esmeralda, já que verdadeiramente é este o único motivo que têm, você e Exma. família, de mágoas e tristezas.

Notei a toada irônica ao final da tua carta e acho que a mereci; o que queres, porém? É mania, e mania antiga, esta minha de fantasiar-me velho e fingir-me coberto de cãs e apresentar-me como um octogenário, duramente experimentado… será porque, nevropata como sou, tenho muito em poucos anos, ou porque nada tenho vivido e não sei verdadeiramente o que é a vida? A verdade é que me sinto mais velho do que moço, máxime agora, em que dou lições e são os sócios constantes das minhas horas ocupadas uma súcia de velhos pensadores, constantemente a tumultuar em torno do meu espírito, falando-me através de uma majestosa e silenciosa eloquência: Newton, Laplace, Gay-Lussac, Claud[e] Bernard e etc., etc., etc… Já vês meu digno companheiro que tenho razões para me achar afastado, muito distante dos arraiais brilhantes e ruidosos da mocidade, de onde, semanalmente, me chegam as tuas palavras de moço, cheias de esperanças e elevadíssimas.

Ando para te escrever, com vagar, uma longa carta, acerca de assuntos altamente interessantes, tão caipora porém tenho sido que sempre te escrevo às pressas, no último momento quase; creio que realizarei, porém, o meu propósito na próxima carta. Desculpa-me pois o desconchavo em que vai esta escrita; somente agora tenho assentada a vida, como dizem por aí alhures, e somente doravante poderei, corretamente, conversar contigo.

Recomenda-me muito à Exma. família e bons companheiros daí. Até quarta-feira, sem falta. Recebe um apertadíssimo abraço de quem é teu amº
Euclides da Cunha

Rio, 20 de agosto de 1892

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Porchat

Um grande abraço e muitas recomendações a Exma. família é o que te envia o teu cacete persistente e persistente amigo ― esperando e desejando ao mesmo tempo que os tão sérios motivos de cuidados que você e ela têm, estejam mais diminuídos, de sorte que a carta do companheiro ausente possa ser lida por ti, sem a impressão de uma preocupação dolorosa.

Eu vou por aqui arrastando a vida, acumulando diuturnamente energias que me bastam, para suportar a dura tarefa de uma posição, ou que cheguem para eficazmente agirem sobre a retorta do trabalho honrado, segundo a vetusta chapa. Por isto mesmo que me preocupo ― não vivo; as horas absorvidas na luta de todos os momentos, passam-me breves e esquecidas e, sem exagero, posso dizer-te que só compreendo que existo quando um ou outro quarto de hora feliz, como este por exemplo em que te escrevo, me faz tornar à feição verdadeiramente atraente da vida.

É por isto que não tenho escrito para o Estado e não tenho sido mais demorado nas nossas conversas semanais. Pela tua última carta vejo que estás também como eu ― voltando-se continuamente às exigências e imposições da vida, desta vida maravilhosa, desta vida moderna brilhantíssima, mas pesada; e folgo com isto: ao menos ao receber as tuas cartas estarei sempre certo de que como eu, abre um parêntesis na agitação habitual. Ainda não cheguei à última página da Débâcle; sei que a apreciaste muitíssimo e neste ponto estamos de acordo, embora a tenha lido simetricamente, à noite, após horas de estudo, cansado e com o espírito cheio de fórmulas e tédio, tenho-me convencido que é o melhor livro de Zola: aquele tenente Rochas, ingênuo, heroico e esperançado que naquele tumulto espantoso de Sedan se agita, tão brilhante e tão bravo ― é um tipo verdadeiro, real, todos nós o compreendemos ― mas a verdade é que poucas pessoas saberiam desenhá-lo. Com certeza notaste o extraordinário contraste entre o trabalho calmo e indiferente do velho Camponês ao lado do espantoso fragor de uma batalha ―; poucas páginas tenho lido tão comovedoras como essa em que Zola fecha um capítulo estrugidor e fulgurante, cheio de metralhas e mortes e extraordinários heroísmos, com aquela nota profundamente humana e tranquila Após a leitura completa conversaremos acerca do magnífico livro. Não sei se já leste a Biografia de Benjamin Constant: desejo conhecer a tua opinião sobre esse trabalho de Teixeira Mendes.

Vi, nos Simples a feição franca e ousadamente revolucionária, ultimamente assumida por Guerra Junqueiro; via-a e aplaudia; não há dúvida. Junqueiro […] as duas únicas qualidades necessárias aos inovadores, aos revolucionários: talento e desassombro… Breve enviar-te-ei um livro, o Là-Bas de Huysmans, que é, com o Maupassant o mais avantajado êmulo de Zola.

Peço-te que nos recomendes muito aos bons companheiros daí, muitos dos quais, como por exemplo Prestes nunca mais me escreveram embora eu lhes tenha respondido as cartas.

A Saninha recomenda-se muito a d. Júlia assim como a todos os teus. Espero que me dês boas notícias de d. Esmeralda e desculpando o desconchavo em que vai escrita esta carta, considera sempre amº o
Euclides da Cunha

N.B. ― Na próxima carta conversaremos mais longamente ― acerca de assuntos mais sérios, atuais e mais próximos.

Rio, 26 de agosto de 1892

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Porchat

Saúdo-te e à Exma. família.

Escrevo-te ainda sob a dolorosa impressão que me causou a extinção da mais bem modelada e corretíssima figura de herói dos últimos tempos da nossa pátria; vi, imóvel e rígido pela morte o general Deodoro e estou certo que por muito tempo guardarei a lembrança da sua feição notável e extraordinária, aureolada por uma serenidade olímpica e profundamente comovedora. ante o cadáver do herói senti remorsos de haver um dia conspirado contra o ditador ― e compreendi então, meu digno amigo, o quanto é frágil e insignificante em si essa majestosa justiça da história que explui por aí na boca dos sonhadores como nós, essa justiça incorruptível da história, que assusta a tanta gente, que é a suprema vingadora dos povos, a grande niveladora dos heróis ― mas que no entanto corrompe-se escandalosamente em troca de uma emoção mais ou menos intensa e tem lágrimas como uma mulher, ante a dolorosa mortalha daqueles mesmos que terá mais tarde de fulminar despiedadamente! Afastemo-nos porém das questões tristes.

Estou resolvido, embora violentando-me, a não inquirir mais acerca das mágoas que te oprimem e à tua família; quero que as notícias venham daí ― boas e animadoras.

Passo agora uma existência soberanamente monótona, uma vida marcada a relógio, mecânica e automática, como de uma máquina, escilando indefinidamente, sem variantes, de casa para a Escola e da Escola para a casa ― com escalas pela rua do Ouvidor, aonde apanho um golpe de ar da existência comum, o qual porém pouca impressão me faz. Acredito porém que isto durará pouco, não dou para a vida sedentária, tenho alguma coisa de árabe ― já vivo a idelizar uma vida mais movimentada, numa comissão qualquer arriscada, aí por estes sertões desertos e vastos de nossa terra, distraindo-me na convivência simples e feliz dos bugres. Se o meu velho for, agora como intenta, à Europa, irei com ele; eu sinto necessidade de abandonar por algum tempo o meio civilizado da nossa terra: assim ou aspiro os sertões desertos ou as grandes capitais estrangeiras ― hei de seguir para um destes destinos daqui a alguns meses.

Bato daqui palmas estrepitosas à acumulação de trabalhos que tens tido porque sei que os desempenhará galhardamente; o que eu não quero é que o meu estimado irmão de idéias e aspirações, deixe de ser um forte pela carência de obstáculos e reveses. Que eles nos assaltem, assim, em plena mocidade, já que somente assim podemos chegar à velhice cansados, mas vitoriosos!

A Saninha tem passado muito mal com uma sucessão contínua de nevralgias cada qual mais dolorosa e persistente ― manda muitas lembranças a todos os teus.

Depois de amanhã, teremos aqui, no Congresso, uma sessão fúnebre em homenagem ao marechal Deodoro, que para se tornar imortal, parece que precisa do apêndice obrigado dessa verbiagem sentimental do Parlamento. Lá irei, vou observar os homens e as ideias e acerca deles e delas conversaremos na próxima carta.

Recomende-nos muito, a mime a Saninha, a d. Maria Júlia, assim como toda a Exma. família.

Desejo que abraces por mim aos bons companheiros que aí tenho e recebas muitas saudados do amº
Euclides da Cunha

N.B. ― Participo-te que estou morando agora no Campo de S. Cristóvão no 1H, onde tens uma casa às tuas ordens e para onde podes enviar as tuas cartas.

Euclides

Rio, 3 de setembro de 1892

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Porchat

A tua última carta entristeceu-me; em compensação, porém, eu que te conheço, estou plenamente seguro que tens fortaleza bastante para ser um resignado, e quando para isto não te bastasse o teu próprio esforço os que te rodeiam aí, mais próximos, no teu lar, podem emprestar-lhe grandíssima cópia de virtude e alento; estou certo disso; conheço a família brasileira e sei o quanto ela é divinamente resignada e boa e forte ante os mais dolorosos reveses. Não será isto uma atenuante? Já não é uma consolação ― e grande ― o sabermos que as nossas dores vão se refletir, às vezes mais dolorosamente, em outras almas? Sem querer prolongar-me em divagações, não posso deixar de rebater daqui a desesperança que patenteias acerca da moléstia de d. Esmeralda; basta que consideres que ela se acha em plena mocidade, que é um organismo em plena evolução, para acreditares não num milagre, mas no fato naturalíssimo ― o desaparecimento de um mal pelo próprio desenvolvimento da vida. Lastimo não ser médico ― afinal hei de ser sempre um engenheiro medíocre; se eu fosse médico, digo-te sem ostentação, não consideraria caso algum desesperado, para o comum das moléstias, na mocidade; há de aparecer ainda um fisiologista de gênio que descubra um meio de serem eficazmente aproveitadas as energias naturais da vida, sem apelo a esse acervo irracional de drogas e panacéias nas quais muitas vezes existem latentes as causas determinantes da morte.

Tenho aqui um bom livro para você; quero porém que se passe a assustadora onda de amarguras que te assoberba, para enviá-lo, é o Là-Bas de Huysmans, o melhor discípulo de Zola; verás que admirável temperamento o deste escritor que é ainda um nouveau entre os grandes estilistas; o Là-Bas é o livro mais original e brilhante dos últimos tempos, deixa a perder de vistas a própria Débâcle; enfim, avaliarás por ti mesmo.

Pelo que disseste as eleições municipais correram por aí acirradas e valentonas; bates palmas a essa revivescência do espírito público paulista e eu te acompanho ― já é tempo de irmos tendo um bocadinho mais de patriotismo e mais interesse pelas coisas públicas.

Acerca de questões artísticas ou literárias é que vocês andam por aí muitíssimo mal; nada de novo surge. os próprios jornais que aqui me chegam são de uma insipidez aterradora e extraordinária. Sob este aspecto S. Paulo está se tornando verdadeiramente medonho ― e é preciso que vocês, rapazes de talento ― tratem quanto antes de uma reação enérgica e eficaz.

Não assisti à sessão fúnebre da Câmara em homenagem ao Deodoro ― por falta absoluta de tempo; creio porém que pouca coisa perdi, nada de notável houve por lá, a não ser uma ou outra expansão, mais ou menos afogueada, desse sentimentalismo rudimentar que nos caracteriza.

Continuo na missão inglória, na triste e monótona e profundamente insípida missão de pedagogo; já agora levarei essa cruz até o fim do ano: entretanto afirmam que dou às vezes boas lições.

Peço-te que nos recomende muito, a mim e Saninha, a d. Maria Júlia e a toda a família.

Envia-te um apertado abraço o amº
Euclides da Cunha
Campo de S. Cristóvão 1 H

Rio, 23 de setembro de 1892

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Porchat

Envio-te um apertadíssimo abraço e peço-te que me recomendes muito à Exma. família. Começo pedindo-te desculpas escrevendo-te, aós tão demorado silêncio, num cartão, quando devia fazer-te uma carta, e longa: escrevo-te, porém, da Escola, aonde acabo de ler a tua carta e não me quero demorar a respondê-la. Tu não tiveste razão, acreditando que eu, o teu velho amigo, fosse um ingrato, esquecendo-te tão cedo ― o meu próprio egoísmo impediria tal coisa. Hás de recordar que foste o primeiro a violar o nosso contrato, não respondendo a minha última carta, o que atribuí aos trabalhos que aí te assoberbam. Não insisti, apesar disto, porque acreditei que não devia perturbar-te em tal ocasião ― visto como sei que você e toda a digna família, têm atualmente a mais triste e mais nobre preocupação. Ainda há três dias, conversando com o nosso distinto amigo o dr. Sá Freire, falamos muito a teu respeito etc. ― enfim, por mil exemplos eu mostrar-te-ia, se quisesses, que me acusastes um pouco injustamente. Amanhã escrever-te-ei mais detalhadamente acerca de muita coisa nova que há atualmente por aqui. Escreva as cartas para o Campo de S. Cristovão nº 1H, aonde, e seria escusado dizer-te isto, tens uma casa e um criado à disposição. A Saninha vai indo felizmente bem e com certeza ficará melhor lá para fins de outubro. Ela também não se esquece de d. Maria Júlia ― a quem dedica verdadeira estima. ― Como já deves saber o general Solon requereu conselho de guerra para se defender das acusações que lhe fizeram ― e segundo corre por aqui os desterrados negam haverem tais acusações! Amanhã conversarei contigo acerca deste fato, que é um traço bem característico destes tempos.

Adeus ― recomenda-me a todos e receba um abraço do
Euclides

Rio, 25 de outubro de 1892

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Porchat

Saúde. Muitas recomendações em meu nome e no de Saninha a d. Maria Júlia e Exma. família.

Estás cheio de razões para estranhar o meu silêncio, porque, sinceramente, ele não se explica pelo extravio das cartas mas pelo não terem sido escritas. E por quê? Por que razão deixo de me corresponder com o bom e distinto amigo? Seria longa a detalhada explicação da coisa; inúmeras causas convergem para esse mau resultado e entre elas avulta o meu estado, verdadeiramente patológico, atual, de imenso desalento e tristeza profundíssima. Como sabes eu tenho temperamento para me isolar, na minha casa, num egoísmo bárbaro de caracol dentro da casca; por mais que tal coisa se me afigure como a maneira mais eficaz para a verdadeira felicidade não me posso eximir à consideração do que em torno a mim se passa: e o que atualmente se passa na nossa pobre terra, é para entristecer e desalentar aos caracteres mais robustos. Eu não quero confiar à discrição oficial do correio o meu modo de pensar e por isto interrompo uma longuíssima série de amargas considerações que me acodem agora. A verdade é que o estado atual do nosso país se define de um modo tão perigoso, em função da corrupção política, tão perigoso que o desmembramento, por exemplo, o que era dantes considerado um crime e uma coisa horrorosa para os verdadeiros patriotas, o próprio desmembramento que era um mal, é a melhor coisa que pode decorrer da situação atual ― e alteia-se ante o espírito dos que ainda dedicam um pouco de amor a isto, belíssimo quase, como a visão do Fausto!

Não falemos, porém, em política, não enumeremos desastres ― não arquivemos catástrofes.

Tanto eu como a Saninha, estimamos muitíssimo saber das melhorias de d. Esmeralda ― o próprio conselho do médico, indicando a antiga moradia, mais aprazível e sadia, claramente me indicou que o seu restabelecimento é seguro ― o que espero me confirmarás em carta ulterior. Sigo o teu modo de ver acerca dos Vultos e Fatos, livro para mim duplamente simpático ― pelo assunto e pelo autor. Não te mandei ainda o Là-Bas, de Huysmans, porque é o livro de um nevropata, livro que destila nevrose e febre ― e as preocupações atuais que tens não poder-se-ão harmonizar com as emoções que ele desperta; mais tarde pois lê-lo-ás.

Acho-me completamente esquecido dos antigos companheiros daí e a ti, que és o único constante, encarrego pois de em rosto lançar-lhes o espantoso crime, apontando-te eu entre os principais réus ― o Filinto e o Prestes ― dois grandes e extraordinários ingratos! O conselho de guerra do velho Solon segue manhoso e lento ― talvez por isto mesmo que se trata da justificação ampla e desassombrada de um homem honesto.

Desculpa-me a pressa e consequente desordem em que vai esta escrita ― num quarto de hora antes de começar um martírio ― a aula de Física. Abraça-me os companheiros, recomenda-me muito a toda a família e responda, responda imediatamente ao amº
Euclides da Cunha

Rio, 14 de novembro de 1892

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Porchat

Abraço-te e peço-te que me recomendes muito a toda família.

Já deves ter descoberto a causa do meu silêncio, para que eu me demore em amplas explicações… no dia 11, pela madrugada, passou pela desagradável surpresa de nascer, através de uma tortura, o meu esperado filhinho! E é para participar-te o acontecimento que te escrevo hoje. Já o registrei, chama-se Solon: assim satisfaz à Saninha que desejava ele tivesse o nome do avô e a mim, que com certeza não lhe darei o nome de um general, mas o de um filósofo…

Seria agora oportuno um vasto devanear em torno de um berço animado pela agitação inconsciente de uma criança ― lá se me foi porém o bom tempo dessas divagações, hoje em dia contrapostas ao empirismo em que vivo.

Para imaginares o quanto se pode exigir do espírito de um homem considera que, nervoso como sou, e duramente provado estes dias por todas as emoções ― tive que estudar através de todo esse íntimo tumulto ― porque faço parte de três mesas examinadoras (Física, Química e Astronomia).

Muito breve, daqui a pouco mais de um mês estarei em S. Paulo e longamente conversaremos.

Antes disto porém hás de me escrever participando boas notícias de todos os teus. Escusado é dizer-te que acredito tenham continuado as melhoras de d. Esmeralda, isto é, que o seu restabelecimento seja completo. A Saninha envia a ela muitas lembranças assim como a d. Maria Júlia e a toda a família.

Não posso ser mais longo ― e isto me contraria ― porque tenho que seguir para a Escola, onde há hoje exame de Química ― e o tempo urge.

Responda-me com brevidade; recomende-me muito a todos os teus e aceite um abraço do amº

Euclides da Cunha