Da França ao Japão/XIV
CAPITULO XIV
Ver Venus era o nosso objectivo quando embarcamo-nos da França para o paiz mais extremo do Oriente.
Por isso, calcule o benevolo leitor que sensações experimentamos á aproximação da epocha fatal da rara entrevista da caprichosa deusa com o galante Sol.
Na vespera, ao anoitecer, todo o horisonte achava se coberto, e a medida que a noite se adiantava, as nuvens tornavão-se mais negras e densas, não nos deixando ver ponto algum do esplendido matiz que orna o firmamento.
Formulavamos mil hypotheses, mais ou menos provaveis, que poderião permittir a presença da bella deusa, e, parece-nos, que nem um só elemento conhecido, foi despresado neste complicado calculo de probabilidades. Comtudo, já achavamo-nos habituados com as mudanças repentinas de tempo; e na estação tempestuosa, era de esperar que qualquer mudança que experimentasse o vento em sua direcção, modificaria o tempo que até as 9 horas da manhã do dia do phenomeno, mostrou-se indifferente aos nossos desejos.
Porém, alguns minutos depois, as nuvens se adelgaçarão e como que obedecendo a gravidade, deixárão-se cahir sobre o horizonte, onde amontoarão-se em negros cumulus.
Então, o sol appareceu festivo, seus raios ainda que quentes produzião-nos doce sensação, e, jámais, este astro nos pareceu tão radiante de doce luz. E na verdade ella atravessava uma atmosphera fresca e humida para chegar até nós, e, nestas condições, alguns inconvenientes previstos poderião ser obviados no momento fatal.
As dez horas e alguns minutos assistimos a entrada triumphal de Venus nas regiões solares, e já havia decorrido mais de um seculo que a formosa deusa não se dignava permittir aos mortaes, de testemunharem suas ardentes visitas ao rei dos astros.
Vimos Venus no seu todo e distinctamente ao entrar nos dominios do seu amante, um effeito de luz nos permittiu vel-a envolvida em fina gaze, tão transparente como a nossa atmosphera. Momentos depois, um pequeno disco perfeitamente negro, começou a deslocar-se em uma certa direcção sobre a face do sol.
Era que Venus interpondo-se entre nós, e o sol não nos permittia olhar sua face brilhante, mas voltava para os indiscretos observadores a outra face, como que querendo deixar nas trevas o terraqueo globo.
Fomos, por varias vezes interrogado, por pessoas aliás de algum traquejo social e mesmo outras, de elevadas posições administrativas sobre «as feições de Venus, sua côr, se a achamos bonita ou feia, etc. etc.» porém, o leitor, um pouco discreto, nos dispensará deste trabalho, e se algum mais curioso estranhar nosso silencio, esperamos reparar essa falta, indicando-lhe dois excellentes livros que satisfarão cabalmente seus desejos, quaesquer que sejão seus gostos: — A Memoria sobre as observações da passagem de Venus de 1874, publicada pela Academia de sciencias de Paris ou a Mythologia illustrada, ambos publicados em francez, lingua muito lida no nosso paiz, por aquelles que lêem.
Essas observações não são sorprehendentes, pois o governo do Japão, deste paiz, que ainda ha poucos annos jazia em perfeito estado de barbaria, não descuidou-se de aproveitar a presença de algumas commissões scientificas no seu paiz, para facilitar a instrucção astronomica dos jovens officiaes de sua marinha de guerra, que, em numero superior a vinte, forão addidos ás commissões francezas, americana e mexicana, os quaes, com interesse, tomarão parte e acompanharão os differentes trabalhos que se fizerão.
Os astronomos existirão em todas as epochas no Japão, e a historia desse paiz os menciona a todo momento. Porém, outra era a missão do astronomo japonez, do que de estudar os astros, e tal era o seu numero e as diversas occupações que exercião, que podemos comparal-os ao que são os bachareis em direito no nosso paiz. Erão engenheiros, ministros de qualquer das pastas, magistrados, etc. Em geral, erão aptos para tudo como são aquelles bachareis para todos os cargos da nossa administração.
A imprensa do Japão é representada por varias folhas, umas publicadas em Yokohama e outras em Yedo.
Em geral, o formato dos jornaes é pequeno, porém são impressos com o maximo cuidado em lingua indigena.
Algumas folhas diarias ou periodicos em linguas estrangeiras são impressas em Yokohama, no que os residentes prestão real serviço ao Governo do Japão, que, assim, inicião medidas de interesse geral para o paiz e fazem respeitar os direitos dos estrangeiros.
O que muito nos admirou no Japão foi o systema de educar as crianças. O castigo corporal está completamente banido ha mais de tres seculos dos costumes japonezes.
Quando um menino commette delicto proprio da idade, os preceptores japonezes procurão estimular-lhe os brios, já obrigando-o a lêr ou a ouvir contos moraes, mais ou menos adequados a occasião, já mandando que os delinquentes condemnem ou recompensem os protogonistas dos contos que acabão de ouvir, e, assim, os habituão a julgar e a corrigirem seos proprios defeitos.
Durante o tempo que estivemos n’esse paiz, não vimos uma só vez maltratar-se as crianças, e é, sem duvida, conservando-lhes os brios e pela influencia toda moral dos paes ou preceptores, que se deve attribuir o respeito e mesmo a dignidade, com que os japonezes, até os da mais baixa esphera social tratão-se reciprocamente.
Uma outra observação, digna de menção, é que um japonez de certa classe não se deixa governar pela colera, e quando acontece que um d’elles, em suas reuniões ou assembléas, emprega linguagem vehemente, os outros, longe de reagirem ou accompanhal-o, respondem com desdem «deixemos este homem que esquece-se do que é para descer até o bruto.»
Quando se suscitão questões entre as autoridades das cidades ou mesmo em caso de calamidade publica, os principaes habitantes reunem-se em assembléa e representão em termos brandos e humildes ao Governo do Imperador, o qual, segundo nos disserão, jamais despresou taes representações. Ao contrario, um inquerito rigoroso é ordenado, e se ia culpados são immediatamente banidos ou severamente punidos, segundo a gravidade do delicto.
Existe tambem, em algumas cidades, uma instituição municipal que deve curar, como entre nós, dos interesses de seus municipes; parece-nos comtudo, que esta assembléa apenas serve de intermediaria entre os habitantes e o Governo.
Não conhecemos um só viajante ou historiador, que desconheça os nobres sentimentos de patriotismo e de generosidade que animão o povo japonez.
Kœmpfer, que alli viveu muitos annos, não cessa de elevar as nobres qualidades, que tanto distinguem este povo dos outros seus visinhos; e já no tempo da propaganda christā, S. Francisco Xavier orgulhava-se da brandura do tracto de suas ovelhas.
Este illustre varão, diz em uma das suas cartas, que os japonezes excedem em virtude e em probidade a todas as nações conhecidas; é exactamente nossa humilde opinião porque, na verdade, não podemos distinguir nem pela educação nem pelo modo de vida, as differentes classes sociaes deste paiz.
Virtuoso paiz que conta elementos moraes de grande valor e que satisfazem todas as condições, para que a republica democrata não seja acoimada de utopia, por aquelles que receiando de si, não admittem a existencia de uma cidade, sendo exclusivamente dominada pelos elevados principios da liberdade, que nada mais é do que a independencia do cidadão dentro da orbita legal, o que ainda importa o trabalho.
É verdade que, se estudarmos o antigo regimen politico do Japão, veremos o feudalismo da idade média em todas as suas provincias e os imperadores com attribuições muito amplas, disporem tanto da vida e da propriedade dos nobres como dos plebeos.
E esta mudança rapida do antigo para o moderno regimen, este salto mortal da barbaria para a civilisação não seria provocado pela revolução de 1868, donde sahio vencedora a causa dos palriotas?
E esta transformação dos costumes d’este povo não se realisou com os applausos da propria Inglaterra, que com suas imposições vexactorias feitas á China foi a involuntaria iniciadora da liberdade deste povo, dando lugar a que os patriotas receiassem da franqueza do governo de então, que tudo cedia aos estrangeiros?
Hoje, o Japão caminha a largos passos para o mais perfeito dos regimens politicos. Em 1868, os patriotas combaterão os famigerados daïmios que ouvião, sem lembrarem-se da patria, os ultimos gemidos da China independente, entregue as garras da leôa dos mares, que não contente de sugar-lhe a seiva queria envenenar-lhe os filhos com o terrivel opio; amanhã, o povo japonez fará desapparecer os ultimos vestigios do passado regimen e assentará os alicerces de um governo republicano sobre as suas sublimes virtudes de patriotismo e abnegação.
Se fossemos japonezes, seriamos decididos republicanos, porque se o Imperio póde alimentar o vicio, mercadejar com os sentimentos, os mais nobres, de um povo, sem cahir na incoherencia, nem constituir o absurdo, a republica deve ser pura e isenta da desconfiança, sob pena de ser a barregã mais immunda ou a concubina mais incestuosa de seus pais titulares, eleitos, não pelo povo, mas pela intriga, ou pela força; —o mais vil elemento que pode entrar na composição de um systema todo moral.
É pela instrucção que o homem afasta-se do bruto e habitua-se a desprezar a força de seus musculos, que não convence a ente algum, e, quando muito, impelle o miseravel a fazer certo acto momentaneo; pois bem, queriamos vêr no nosso paiz a propaganda da liberdade se fazer com a carta do A B C, e que os republicanos, longe de se prestarem aos caprichos deste ou daquelle partido, constituissem em suas cidades, villas, fazendas, escolas populares, que jámais serião em grande numero para um paiz como o nosso, que conta alguns milhões de habitantes espalhados na vasta área de milhares de milhas quadradas.
No Japão, as escolas são em numero superior a treze mil, e não existe uma só rua em Yedo, Nangasaki e Oosaka, em que se não encontre uma escola publica para crianças de ambos os sexos.
Os alumnos do sexo masculino, que frequentão as escolas publicas, são em numero de 970, 464, e as meninas attingem ao elevado algarismo de 420, 380, o que prefaz o sorprehendente numero de 1, 390, 844 crianças que aprendem a ler, escrever e contar, e recebem uma excellente educação moral.
Já ha dois seculos, existião nas immediações de Miako quatro academias, onde quatro mil jovens recebião uma educação litteraria.
Hoje, conta o Japão mais de dez academias de letras, uma escola especial de engenharia, uma de marinha e duas de medicina.
Os professores são na mór parte americanos, alguns são francezes, porém já muitas cadeiras são regidas por jovens japonezes que forão educados na Europa.
Perto de Yedo, foi estabelecido, ultimamente, um vasto arsenal de construcção e um observatorio astronomico. Estes dois importantes estabelecimentos são dirigidos por habeis profissionaes estrangeiros.
Em 1873, foi organisado um corpo de engenheiros, os quaes são encarregados de dirigirem os trabalhos publicos, as estradas de ferro, as minas do Estado, etc.
Taes são os principaes melhoramentos realisados em menos de oito annos, pelos briosos e intelligentes japonezes, que durante este tempo dirigirão os negocios publicos do Japão.