Dicionário de Cultura Básica/Ator

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ATOR (agente de ações, astro, intérprete) → Personagem

Do latim actor, substantivo formado do particípio passado actum, do verbo ágere, que significa "agir", fazer. Literalmente, portanto, ator é aquele que age, que faz, que exerce o papel de uma personagem. Enquanto esta é uma figura da imaginação, fruto da fantasia de um autor, o ator é uma pessoa do mundo real, um profissional da arte dramática, televisiva ou cinematográfica, que tem a função de representar e interpretar as ações, as idéias e os sentimentos de uma personagem. Não se confunda, portanto, a figura do ator dramático ou de cinema, que é um ser em carne e ossos, com o ator que contrasta com o "actante" no modelo actancial do semioticista francês A.J.Greimas. Neste caso, o ator é a mesma coisa que personagem.

No início do séc. XIX, a profissão do ator adquire a merecida importância. O ator e diretor russo Constantin Stanislavski notabilizou-se pela proposta de uma nova prática teatral e por seus escritos teóricos sobre a arte dramática. Pretendia compor uma súmula sobre o Teatro, dividida em oito volumes. Conseguiu, porém, publicar apenas o primeiro volume que, na tradução em língua inglesa, recebeu o título de O trabalho do ator sobre si mesmo. O segundo volume, O trabalho do ator sobre a personagem, resultou de uma coletânea de notas e fragmentos. No Brasil, a obra de Stanislavski encontra-se vulgarizada em quatro livros: Minha vida na arte (biografia profissional); Preparação do ator (formalização da técnica de interpretação); A construção da personagem (os aspectos exteriores: o físico, a voz, o gesto); A preparação de um papel (em busca do comportamento interior da personagem). A essência do "método stanislavskiano" reside na capacidade do ator de assimilar o mundo psíquico da personagem: o intérprete deverá sentir sua própria vida no interior da vida da personagem e a vida da personagem como idêntica à sua própria vida. A relação simpatética entre ator e personagem deveria levar a um "estar-no-outro". A tese contrária, sustentada pelo dramaturgo alemão Bertold Brecht, é a concepção técnica que propõe a desmistificação da arte teatral: o ator, considerado um profissional, não deve necessariamente sentir o que representa, mantendo sempre viva, em si próprio e no público, a consciência de que se trata de um "fazer de conta". Basta que, estudando o papel de fora para dentro, consiga representar as idéias e os sentimentos que o autor e o diretor quiseram colocar na personagem. A controvérsia nos parece de pouca relevância, pois se, de um lado, é muito difícil perceber até que ponto há identificação entre ator e personagem, de outro lado, o que realmente interessa é o resultado da atuação dramática. Se a interpretação conseguir convencer o público, levando-o à compreensão da mensagem e à emoção estética, pouco importa se o ator está sentindo realmente ou está fingindo sentir as idéias e as emoções da personagem. Aliás, uma perfeita identificação do ator com o personagem , anulando o sentido de distanciamento entre a vida e a arte, poderia levar a uma interpretação desastrosa. Narra o crítico Décio de Almeida Prado que um famoso ator teatral do século passado, ao interpretar o papel do ciumento Júlio da peça Os seis degraus do crime, quase mata por estrangulamento a bailarina-atriz Estela Sezefreda, que interpretava o papel de Luíza. O jovem ator transpôs para o palco o ciúme doentio que sentia pela atriz, interpretando de uma forma totalmente realística o papel do personagem Júlio.

A função do ator adquire uma importância cada vez maior ao longo da história do teatro. Na Antiguidade greco-romana a profissão de ator não era valorizada por vários motivos: sua fisionomia era oculta pela máscara; um só ator podia desenvolver, na mesma peça, vários papéis, inclusive femininos, pois às mulheres era proibido participar da encenação; os atores geralmente eram escravos ou pertencentes à camada popular, sendo socialmente sem classe, "desclassificados". Mas, no teatro moderno, da Renascença para cá, a figura do ator foi paulatinamente adquirindo muito prestígio, tornando-se de vital importância para a sobrevivência da arte dramática. Abolido o uso da máscara, o jogo fisionômico e a expressão corporal juntaram-se à modulação do discurso para a interpretação da personagem. Surgiram, então, atores ilustres, que se especializaram na representação de determinados papéis, chegando-se a ponto de autores escreverem peças cujas personagens eram forjadas sob medida para a interpretação de certos atores. Entre os mais famosos atores personalistas, lembramos Sarah Bernard, Eleonora Duse, Lawrence Olivier, Procópio Ferreira e Cacilda Becker. Como dizia o grande mestre Stanislavski, "não há pequenos papéis, só há pequenos atores"!