Dom Casmurro/CXXXI
CXXXI
Foi o caso que a minha vida era outra vez doce e plácida, a banca do advogado rendia-me bastante, Capitú estava mais bella, Ezequiel ia crescendo. Começava o anno de 1872.
— Você já reparou que Ezequiel tem nos olhos uma espressão exquisita? perguntou-me Capitú. Só vi duas pessoas assim, um amigo de papae e o defuncto Escobar. Olha, Ezequiel; olha firme, assim, vira para o lado de papae, não precisa revirar os olhos, assim, assim...
Era depois de jantar; estavamos ainda á mesa, Capitú brincava com o filho, ou elle com ella, ou um com outro, porque, em verdade, queriam-se muito, mas é tambem certo que elle me queria ainda mais a mim. Approximei-me de Ezequiel, achei que Capitú tinha razão; eram os olhos de Escobar, mas não me pareceram exquisitos por isso. Afinal não haveria mais que meia dúzia de expressões no mundo, e muitas semelhanças se dariam naturalmente. Ezequiel não entendeu nada, olhou espantado para ella e para mim, e afinal saltou-me ao collo :
— Vamos passear, papae?
— Logo, meu filho.
Capitú, alheia a ambos, fitava agora a outra borda da mesa; mas, dizendo-lhe eu que, na belleza, os olhos de Ezequiel saíam aos da mãe, Capitú sorriu abanando a cabeça com um ar que nunca achei em mulher alguma, provavelmente porque não gostei tanto das outras. As pessoas valem o que vale a affeição da gente, e é dahi que mestre Povo tirou aquelle adagio que quem o feio ama bonito lhe parece. Capitú tinha meia dúzia de gestos unicos na terra. Aquelle entrou-me pela alma dentro. Assim fica explicado que eu corresse á minha esposa e amiga e lhe enchesse a cara de beijos; mas este outro incidente não é radicalmente necessario á comprehensão do capitulo passado e dos futuros; fiquemos nos olhos de Ezequiel.