Dormir! Não ter desejos nem esperanças

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Dormir! Não ter desejos nem esperanças
Flutua branca a única nuvem lenta
E na azul quiescência sonolenta
A deusa do não-ser tece ambas as tranças.

Maligno sopro de árdua quietude
Perene a fronte e os olhos aquecidos,
E uma floresta-sonho de ruídos
Ensombra os olhos mortos de virtude.

Ah, não ser nada conscientemente!
Prazer ou dor? Torpor o traz e alonga,
E a sombra conivente se prolonga
No chão interior, que à vida mente.

Desconheço-me. Embrenha-me, futuro,
Nas veredas sombrias do que sonho.
E no ócio em que diverso me suponho,
Vejo-me errante, demorado e obscuro.

Minha vida fecha-se como um leque.
Meu pensamento seca como um vago
Ribeiro no Verão. Regresso, e trago
Nas mãos flores que a vida prontas seque.

Incompreendida vontade absorta
Em nada querer... Prolixo afastamento
Do escrúpulo e da vida do momento...