Ecos da minh'alma/Minha lira

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Á ANGELINA.


Fui, Angelina querida,
D’amisade estremecida
Na bella corda tocar;
Más, por mais que desejasse,
Nunca um som, que me agradasse,
Pude da lyra tirar!

Angelina, a minha lyra,
Triste, mui triste suspira,
Suspira com afflicção;

A pobresinha, —coitada!—
Não sabe repetir nada
Do que diz meu coração.

Não sabe num canto lindo,
—O meu coração ouvindo,—
Dizer seu sentir profundo;
Dizer que muito te quero,
Qu'em adorar-te me esmero,
Que és meu consôlo no mundo;

Que a par de ti sou contente,
E esqueço uma dor pungente—
Ella não sabe dizer;
Que dissipas o desgosto,
Que ás vezes me alaga o rosto,
Que ás vezes me faz gemer;

Que olvido amarga saudade
Nos transportes de amisade
Que tu me dás a fruir;
Saudade, que, não te vendo,
Me entréga a martyrio horrendo
Na dôr que me faz curtir.

Não diz que, só a teu lado,
Doce prazer, não gozado,
Minh’alma gozar alcança;
Não conta que te dedico
Um peito de affectos rico,
Rico de tua lembrança.

Para que me serve a mim,
Esta lyra de marfim
Córdas de ouro possuir,
Si este sentir de meu peito
Ella não sabe com geito,
Com perfeição exprimir?

Porque a pobre lyra minha
Ha de ser assim mesquinha,
Ha de ter tanta rudeza?
Porque, na dourada córda,
Com doçura não transborda
Do meu affecto a grandeza?

Quanto não é dura a sorte,
Que uma amisade tão forte
Me não consente expressar!

Que lyra me dá tão bella,
Depois de arrancar-me d’ella
O mago dom de encantar!

Para que me serve a mim,
Esta lyra de marfim
Córdas de ouro possuir,
Si este sentir de meu peito,
Ella não sabe com geito,
Com perfeição exprimir?

Ah! si a ella a sorte avára
Dér um dia uma voz clara,
Uma voz toda divina,
Então, com terna doçura,
Dirá a doce ternura
Com que te adoro, Angelina.

27 de Dezembro de 1850.