Ecos da minh'alma/Tua lira (ao snr. A. F. Colin)
Deu-te o Senhor uma lyra,
Que suspira
Com seraphica doçura;[1]
Deu-te o mimo mais querido,
Mais subido,
Que dar póde á creatura.
Quando os meigos sons desata,
Arrebata,
Extasia os corações,
Que ao céu se vão elevando,
Escutando
Tão dôces modulações;
Dôces como a meiga lua,
De véu nua,
Que, nas noites de Janeiro,
Mostra a face tão formosa,
Tão mimosa,
No puro céu brasileiro;
Como os threnos afinados,
Escapados
Da frauta na solidão,
Por leve aragem trazidos
Aos ouvidos,
Ou antes ao coração.
Qual a onda, que se espraia
Pela praia
Queixumes a murmurar,
Qual saudosa philomela,
Terna e bella,
Endeixas a gorgeiar;
Assim a tua voz sôa,
Quando entôa
Carmes cheios de tristura;
Assim falla a tua lyra,
E suspira,
Com seraphica doçura.
Tu herdaste a voz queixosa,
Maviosa,
Que Bernardim desferia,
Quando lá de sua terra
Sobre a serra,
Fundas saudades carpia;
Quando, de dôr esmagado
E cortado,
Via o misero infeliz
O baixel que se alongava,
E levava
Sua fiel Beatriz
A Beatriz qu'elle amava,
Que adorava
Com esse exaltado amor,
Que, santo e mystico, bate
Só do Vate
No peito cheio de ardor!
Tu herdaste a voz queixosa,
Maviosa,
Que Bernardim desferia,
Quando lá de sua terra
Sobre a serra,
Fundas saudades carpia.
Ah! si minha musa triste
Não ouviste
Louvar-te em cadente lyra,
É que á minha triste musa
Deus recusa
O genio, que á tua inspira.
Bem quizera a sem-ventura
A doçura
De tua lyra imitar,
E dizer-te o enlêvo immenso,
Com que penso
Nos teus versos d’encantar,
Mas em vão a pobresinha
Se amesquinha
’N este impotente querer;
Em vão; que bem que sobejo,
O desejo
Supprir não póde ao saber.
Assim, não sabe a coitada
Dizer nada,
Que possa agradar-te; não
Mal concede-lhe o destino,
Dar-te um hymno
De devota gratidão.
29 de Novembro de 1851.
- ↑ Verso do Snr. Colin.