Enfermou Clóri, Pastores
Enfermou Clóri, Pastores,
picadinha de um desdém,
que até pagam as Deidades
tributos ao bem querer.
Mandou chamar o Barbeiro,
para picar-se outra vez,
que uma picada com outra
se vem a satisfazer.
Não quer Clóri, que lhe aplique
no braço, senão no pé,
que quem é tão soberana,
não dá seu braço a torcer.
Tomou-lhe o pé o Barbeiro,
para n'água lho meter,
e sendo a água tão pouca
lhe custou a tomar pé.
Água fria pediu logo,
parecendo-lhe talvez,
que com a quente pudesse
tanta neve derreter.
Desmaiou Clóri sentida
por o golpe lhe doer,
e à fé que custa o seu golpe
gotas de sangue verter.
Com sal na boca diverte
o desmaio desta vez:
mas boca de tanta graça
nenhum sal há de mister.
Que foi remédio supérfluo,
se deixa bem conhecer,
porque, quem é luz do mundo,
sal da terra deve ser.
Logrou aqui o Barbeiro
semelhanças de Moisés,
não da pedra tirar água
da neve em sangue escorrer.
Vingou Clóri no seu sangue
o agravo, que lhe fez,
que assim faz, que tão bom sangue,
se é de ilustre proceder.