Espumas Flutuantes (1913)/O livro e a America
Talhado para as grandezas,
P′ra crescer, crear, subir,
O Novo Mundo nos musculos
Sente a seiva do porvir.
— Estatuario de colossos —
Cansado d′outros esboços
Disse um dia Jehovah:
«Vai, Colombo, abre a cortina
«Da minha eterna officina...
«Tira a America de lá.»
Molhado inda do diluvio,
Qual Tritão descommunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um — traz-lhe as artes da Europa,
Outro — as bagas de Ceylão...
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.
Olhando em torno então brada:
«Tudo marcha!... Ó grande Deus!
«As cataractas — p′ra terra,
«As estrellas — para os céos.
«Lá, do polo sobre as plagas,
«O seu rebanho de vagas
«Vai o mar apascentar...
«Eu quero marchar com os ventos,
«Com os mundos... co′os firmamentos!!!»
E Deus responde — «Marchar!»
«Marchar!... Mas como?... Da Grecia
«Nos doricos Parthenons
«A mil deuses levantando
«Mil marmoreos Pantheons?..
«Marchar co′a espada de Roma
«— Leôa de ruiva coma
«De presa enorme no chão,
«Saciando o odio profundo...
«— Com as garras nas mãos do mundo,
«— Com os dentes no coração?..
«Marchar!.. Mas como a Allemanha
«Na tyrannia feudal,
«Levantando uma montanha
«Em cada uma cathedral?..
«Não!.. Nem templos feitos de ossos,
«Nem gladios a cavar fossos
«São degráos do progredir...
«Lá brada Cesar morrendo:
«No pugilato tremendo
«Quem sempre vence é o porvir!»
Filhos do sec′lo das luzes!
Filhos da Grande Nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Eolo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Egualdade voou!
Por uma fatalidade,
Dessas que descem de além,
O sec′lo que viu Colombo,
Vio Guttenberg tambem.
Quando no tosco estaleiro
Da Allemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou...
O Genovez salta os mares
Busca um ninho entre os palmares
E a patria da imprensa achou.
Por isso na impaciencia
Desta sêde de saber,
Como as aves do deserto —
As almas buscam beber...
Oh! Bemdito o que semêa
Livros... livros á mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro cahindo n′alma
É germen — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar.
Vós, que o templo das ideas
Largo — abris ás multidões,
P′ra o baptismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboc′los nús,
Fazei desse «rei dos ventos
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz!...
Bravo! a quem salva o futuro,
Fecundando a multidão!...
N′um poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goëthe moribundo
Brada «Luz!» o Novo Mundo
N′um brado de Briareu..,
Luz! pois, no valle e na serra...
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe genios no céo!...
Bahia.