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Fabulas (9ª edição)/10

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O Julgamento da Ovelha


Um cachorro de maus bofes acusou uma pobre ovelhinha de lhe haver furtado um osso.

— Para que furtaria eu esse osso, alegou ela, se sou herbivora e um osso para mim vale tanto como um pedaço de pau?

— Não quero saber de nada. Você furtou o osso e vou já leva-la aos tribunais.

E assim fez.

Queixou-se ao gavião de penacho e pediu-lhe justiça. O gavião reuniu o tribunal para julgar a causa, sorteando para isso doze urubús de papo vazio.

Comparece a ovelha. Fala. Defende-se de forma cabal, com razões muito irmãs das do cordeirinho que o lobo em tempos comeu.

Mas o juri, composto de carnivoros gulosos, não quís saber de nada e deu sentença:

— Ou entrega o osso já e já, ou condenamos você á morte !

A ré tremeu: não havia escapatoria!... Osso não tinha e não podia, portanto, restituir; mas tinha vida e ia entrega-la em pagamento do que não furtara.

Assim aconteceu. O cachorro sangrou-a, espostejou-a, reservou para si um quarto e dividiu o restante com os juizes famintos, a titulo de custas...


Fiar-se na justiça dos poderosos, que tolice! A justiça deles não vacila em tomar do branco e solenemente decretar que é preto

— Esta fabula, disse dona Benta, é muito dolorosa. E’ um verdadeiro retrato da justiça humana; e se eu fosse explicar a lição que existe aqui, levaria um ano. Não vale a pena. Vocês vão viver, vão crescer, vão conhecer os homens — e irão percebendo a profunda e triste verdade desta fabulazinha.

— Que quer dizer “maus bofes”, vóvó?

— Quer dizer de má indole, de maus sentimentos, e foi por ser assim que o cachorro acusou a pobre ovelha.

— E os urubús juizes tambem eram de maus bofes?

— Não. Esses eram apenas maus juizes, dos que julgam de acordo com certos interesses, em vez de julgar de acordo com a justiça.

— Que interesse tinham eles no caso?

— Estavam com fome e queriam comer a ovelha.

Emilia protestou. Achou que nesse ponto a fabula não tinha “propriedade gastronomica”.

— Por que?

— Porque urubú não come carne fresca, só come carne podre...

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.