Fabulas (9ª edição)/16
Os dois Viajantes na Macacolandia
Dois viajantes, transviados no sertão, depois de muito andar alcançam o reino dos macacos. Ai deles! Guardas surgem na fronteira, guardas ferozes que os prendem,
que os amarram e os levam á presença de S. Majestade
Simão III.
El-rei examina-os detidamente, com macacal curiosidade, e em seguida os interroga:
— Que tal acham isto por aqui?
Um dos viajantes, diplomata de profissão, responde sem vacilar:
— Acho que este reino é a oitava maravilha do mundo. Sou viajadissimo, já andei por Séca e Méca, mas, palavra de honra! nunca vi gente mais formosa, côrte mais brilhante, nem rei de mais nobre porte do que Vossa Majestade.
Simão lambeu-se todo de contentamento e disse para os guardas:
— Soltem-no e deem-lhe um palacio para morar e a mais gentil donzela para esposa. E lavrem incontinenti o decreto de sua nomeação para cavaleiro da mui augusta Ordem da Banana de Ouro.
Assim se fez e, enquanto o faziam, El-rei Simão, risonho ainda, dirigiu a palavra ao segundo viajante:
— E você? Que acha do meu reino ?
Este segundo viajante era um homem neurastenico, azedo, amigo da verdade a todo o transe. Tão amigo da verdade que replicou sem demora:
— O que acho? E’ bôa! Acho o que é!...
— E que é que é? interpelou Simão, fechando o sobrecenho.
— Não é nada. Uma macacalha... Macaco p’r’aqui, macaco p’r’ali, macaco no trono, macaco no pau...
— Pau nele! berra furioso o rei, gesticulando como um possesso. Pau de rachar nesse miseravel caluniador...
E o viajante neurastenico, arrastado dali por cem munhecas, entrou numa roda de lenha que o deixou moido por uma semana.
— Tambem concordo, disse Pedrinho. A verdade a gente deve dizer com muitas cautelas e só nas ocasiões proprias. Aquela sova que o Quim da botica tomou outro dia, por que foi? Porque o bobo disse na cara do coronel Teodorico o que toda gente pensa dele pelas costas. O bobo do Quim disse o que pensava e levou um “pé-de-ouvido” que o deixou surdo por tres dias. E’ o que ainda acaba acontecendo para a Emilia. Vai dizendo as verdades mais duras na cara de toda gente e um dia estrepa-se. Lembra-se, vóvó, do que ela disse para D. Quixote, naquela vez em que o heroi montou no Conselheiro por engano e ao perceber isso pôs-se a insultar o nosso burro? E se D. Quixote a espetasse com a lança?
— Emilia sabe o que faz, observou dona Benta. A esperteza chegou ali e parou. Ela sabia muito bem que o cavaleiro da Mancha era incapaz de ofender uma “dama” e porisso abusou...
Emilia rebolou-se toda ao ouvir-se classificada de dama...
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.