Fabulas (9ª edição)/21

A Morte e o Lenhador
Um velhinho, muito velho, vivia de tirar lenha na mata. Os feixes, porém, cada vez lhe pareciam mais pesados. Tropicava com eles, quasi caía, e um dia, caíndo de verdade, perdeu a paciencia e lamentou-se amargamente:
— Antes morrer! De que me vale a vida, se nem com este miseravel feixe posso? Vem, ó Morte, vem aliviar-me do peso desta vida inutil.
Tentou erguer a lenha. Não pôde e, desanimado, invocou pela segunda vez a Magra.
— Por que demoras tanto, Morte? Vem, já pedi, vem aliviar-me do fardo da vida. Andas pelo mundo a colher criancinhas e esqueces de mim que te chamo...
A Morte foi e apareceu — horrenda, escaveirada, com os ossos a chocalharem e a foice na mão.
Ao vê-la de perto o homem estremeceu de pavor, e mais ainda quando a Magra lhe disse, batendo os ossos do queixo:
— Cha-mas-te-me; a-qui es-tou!
O velho tremia, suava... E para sair-se dos apuros só teve esta:
— Chamei-te, sim, mas para me ajudares a botar esta lenha ás costas...
— Não gosto desta fabula, disse a menina, porque aparece uma Morte muito feia. Eu não queria que pintassem a morte assim, com o alfange de cortar grama ao ombro, com a caveira em vez de cara e aquele lençol embrulhando o esqueleto...
— Você tem razão, minha filha. Essa imagem da morte é coisa da Idade Media, o tempo mais tragico e triste da Historia. A Morte não é nada disso. E’ um bem. E’ um remedio. E’ o Grande Remedio. Quando um doente está sofrendo na maior agonia, a Morte vem como o fim da dor.
— Morte de que eu gosto, disse Pedrinho, é aquela dos americanos...
Ninguem entendeu. Ele explicou.
— Lembram-se daquela fita que vimos no cinema, HORAS ROUBADAS? A Morte era Mister Ceifas, um moço muito elegante e delicado, mas de rosto impassivel. Entrou naquele jardim e com um gesto muito amavel convidou o velho entrevado a ir com ele. O velho não quis. Mister Ceifas não se aborreceu. Ficou por ali. De repente, o velho quis morrer e então Mister Ceifas aproximou-se, sempre com aquela gentileza, e extendeu-lhe a mão. E o velho ergueu-se da cadeira de rodas, leve como se fosse um moço, e lá se foi pela mão de Mister Ceifas... Que beleza! Eu gostei tanto que perdi o medo da morte. Se ela é assim, que venha buscar-me. Sairei pela mão de Mister Ceifas tal qual aquele velho — feliz, sorrindo e gosando a beleza das paisagens do outro mundo...

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

