Saltar para o conteúdo

Fabulas (9ª edição)/22

Wikisource, a biblioteca livre

O Util e o Belo

Parou um veado á beira do rio, mirando-se no espelho das aguas. E refletiu:

— Bem mal feito de corpo que sou! A cabeça é linda, com estes formosos chifres que todos os animais invejam. Mas as pernas... Muito finas, muito compridas. A natureza foi injusta comigo. Antes me désse menos pernas e mais galharada na cabeça. Que lindo diadema seria! Com que orgulho eu passearia pelos bosques ostentando um enfeite unico em toda a animalidade!...

Neste ponto interrompe-o o latido dos veadeiros, valentes cães de caça que lhe vinham na pista, como relampagos.

O veado dispara, foge á toda e embrenha-se na floresta. E enquanto corria pôde verificar quão sabia fôra a natureza dando-lhe mais pernas do que chifres, porque estes, com toda a sua formosura, só serviam para enroscar-se nos cipós e atrapalhar-lhe a fuga; e aquelas, apesar de toda a feiura, constituiam a sua unica segurança. E mudou de ideia, convencido de que antes mil vezes pernas finas, mas velocissimas, do que formosa, mas inutil galhaça.


— Se os chifres desse veado só serviam para enfeite, então a fabula está certa, disse Emilia. Mas quando um chifre é como o do Quindim, ah, então vale ainda mais do que pernas. Quindim nem sabe correr, porque não precisa fugir. Em vez de fugir na volada, como as lebres e os veadinhos, ele faz muuuu!... e espeta o inimigo.

— E que é, Emilia, que você acha melhor, perguntou Narizinho — o util ou o belo?

— Acho melhor os dois encangados, assim como uma especie de banana inconha. Util e belo ao mesmo tempo. Por que é que uma coisa util deve ser feia? Não ha razão.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.