Fabulas (9ª edição)/25
A Raposa sem Rabo
Certa raposa caiu numa armadilha. Debateu-se, gemeu, chorou e finalmente conseguiu fugir, embora deixando na ratoeira a sua linda cauda. Pobre raposa! Andava agora triste, sorumbatica, sem coragem de aparecer diante das outras, com receio de vaia.
Mas de tanto pensar no seu caso teve a ideia de convocar o povo raposeiro para uma grande reunião.
— Assunto gravissimo! explicou ela. Assunto que interessa a todos os animais.
Reuniram-se as raposas e a derrabada, tomando a palavra, disse:
— Amigas, respondam-me por obsequio: que serventia tem para nós a cauda? Bonita não é, util não é, honrosa não é... Por que, então, continuarmos a trazer este grotesco apendice ás costas? Fora com ele! Derrabemo-nos todas e fiquemos graciosas como as preás.
As ouvintes estranharam aquelas ideias e, matreiras como são, suspeitaram qualquer coisa. Ergueram-se do seu lugar e, dirigindo-se á oradora, pediram:
— Muito bem. Mas cortaremos primeiro a sua. Vire-se para cá, faça o favor...
A pobre raposa, desapontada, teve de obedecer á intimação. Voltou-se de costas.
Foi uma gargalhada geral.
— Está explicado o empenho dela em nos fazer mais bonitas. Fora! Fora com a derrabada!...
E correram-na dali.
— Isso é bem certo, disse dona Benta. Se uma pessoa que tem um defeito conseguisse que o mundo inteiro tambem tivesse o mesmo defeito, que acontecia, Pedrinho?
— Acontecia que quem não tivesse o tal defeito é que era o defeituoso.
— Exatamente. Ha certos lugarejos aí pelo sertão em que todos os moradores ficam com uns enormes papos. Um dia um viajante entrou na casa duma familia de papudos e viu na parede o retrato de um moço sem papo. “Quem é ele?” perguntou. E a dona da casa respondeu: “Ah, esse é o meu filho Totonho, no tempo em que era defeituoso”. “E agora não é mais?” perguntou o viajante. “Felizmente sarou”, respondeu a papuda. “Está já com o pescoço bem cheio, como o meu” — e alisou com a mão aquela papeira lustrosa...
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.