Fabulas (9ª edição)/26
O Perú Medroso
Gordo perú e lindo galo costumavam empoleirar-se na mesma arvore. A raposa os avistou certo dia e veio vindo contente, a lamber os beiços como quem diz: “Temos petisco hoje!”
Chegou. Ao avista-la o perú leva tamanho susto que por um triz não cai da arvore. Já o galo o que fez foi rir-se; e como sabia que trepar á arvore a raposa não trepava, fechou os olhos e adormeceu.
O perú, coitado, medroso como era, tremia como varas verdes e não tirava do inimigo os olhos.
— O galo não apanho, mas este perú cai-me no papo já... pensou consigo a raposa.
E começou a fazer caretas medonhas, a dar pinotes, a roncar, a trincar os dentes, dando a impressão duma raposa louca. Pobre perú! Cada vez mais apavorado, não perdia de vista um só daqueles movimentos. Por fim tonteou, caíu do galho e veio ter aos dentes da raposa faminta.
— Estupido, animal! exclamou o galo acordando. Morreu por excesso de cautelas. Tanta atenção prestou aos arreganhos da raposa, tanto atendeu aos perigos, que lá se foi, catrapús...
— Eu conheci um homem assim, disse dona Benta. Tomava um milhão de precauções para evitar males. Só bebia agua filtrada. Andava pelo meio da rua para evitar que lhe caisse sobre a cabeça os vasos de flor das janelas. Desinfetava as mãos sempre que dizia adeus a alguem...
— E que fim levou esse homem, vóvó?
— Morreu de um desastre de aviação.
— Mas se ele tinha tanto medo de tudo, como teve coragem de voar?
— Ele não estava voando, meu filho. O avião caiu em cima dele, na rua.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

