Fabulas (9ª edição)/29

Qualidade e Quantidade
Meteu-se um mono a falar numa roda de sabios e tais asneiras disse que foi corrido a pontapés.
— Que? exclamou ele. Enxotam-me daqui? Negam-me talento? Pois hei de provar que sou um grande figurão e vocês não passam duns idiotas.
Enterrou o chapeu na cabeça e dirigiu-se á praça publica onde se apinhava copiosa multidão de beocios. Lá trepou em cima duma pipa e pôs-se a declamar. Disse asneiras como nunca, tolices de duas arrobas, besteiras de dar com um pau. Mas como gesticulava e berrava furiosamente, o povo em delirio o aplaudiu com palmas e vivas — e acabou carregando-o em triunfo.
— Viram? resmungou ele ao passar ao pé dos sabios. Reconheceram a minha força? Respondam-me agora: que vale a opinião de vocês diante desta vitoria popular?
Um dos sabios retrucou serenamente:
— A opinião da qualidade despreza a opinião da
quantidade.
— Nada mais certo, meus filhos, disse dona Benta. Logo que os homens se reunem em multidão, o nivel mental baixa muito. Quanto maior a multidão, mais baixo o nivel mental. Porisso é que os sabios têm tanto medo ás multidões.
— A senhora já nos contou aquele caso lá da Grecia, lembra-se?
— Sim, o caso do orador que estava fazendo um discurso para o povo. De repente rebentaram tremendos aplausos. O orador voltou-se para um amigo ao lado: “Será que eu disse alguma asneira?”

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

