Fabulas (9ª edição)/33
O Carreiro e o Papagaio
Vinha um carreiro á frente dos bois, cantarolando pela estrada sem fim. Estrada de lama.
Em certo ponto o carro atolou.
O pobre homem aguilhoa os bois, dá pancadas, grita; nada consegue e põe-se a lamentar a sorte.
— Desgraçado que sou! Que fazer agora, sozinho neste deserto? Se ao menos São Benedito tivesse dó de mim e me ajudasse...
Um papagaio escondido entre as folhas condoeu-se dele e, imitando voz de santo, começou a falar:
— Os ceus te ouviram, amigo, e Benedito em pessoa aqui está para o ajutorio que pedes.
O carreiro, num assombro, exclama:
— Obrigado, meu santo! Mas onde estás que não te vejo?
— Ao teu lado. Não me vês porque sou invisivel. Mas, vamos, faze o que mando. Toma da enxada e cava aqui. Isso. Agora a mesma coisa do outro lado. Isso. Agora vais cortar uns ramos e estivar o sulco aberto. Isso. Agora vais aguilhoar os bois.
O carreiro fez tudo como o papagaio mandou e com grande alegria viu desatolar-se o carro.
— Obrigado, meu santo! exclamou ele de mãos postas. Nunca me hei de esquecer do grande socorro prestado, pois que sem ele eu ficaria aqui toda a vida.
O papagaio achou muita graça na ingenuidade do homem e papagueou, como despedida, um velho rifão popular:
— Como são sabidinhos esses bichos das fabulas! Este papagaio, então, está um suco!
— Suco de que, minha filha? perguntou dona Benta.
— De sabedoria, vóvó! O meio da gente se sair duma dificuldade é sempre esse — lutar, lutar...
— Eu sei de outro muito melhor, disse Emilia. Dez vezes melhor. ..
A menina admirou-se.
— Qual é, Emilia?
— E’ quando todos estão desesperados e tontos, sem saber o que fazer, voltarem-se para mim e: “Emilia, acuda!” e eu vou e aplico o faz-de-conta e resolvo o problema. Aqui nesta casa ninguem luta para resolver as dificuldades; todos apelam para mim...
— E você manda o visconde. Sem o faz-de-conta e o visconde ela não se arranja.
— Mas o caso é que os problemas se resolvem. E’ ou não?
Narizinho teve que concordar que era.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.