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Fabulas (9ª edição)/39

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Os Dois Pombinhos

Eram felizes. Queriam-se muito e contentavam-se com o que tinham. Mas um deles perdeu a cabeça e, farto de tanta paz, encasquetou na cabeça a ideia de correr mundo.

— Para quê? advertiu o companheiro. Não é tão sossegado aqui este remanso ?

— Quero ver terras novas, respirar novos ares.

— Não vá! Ha mil perigos pelo caminho, incertezas, traições. Além disso, o tempo não é proprio. Epoca de temporais.

De nada valeram os bons avisos. O pombinho assanhado beijou o companheiro e partiu.

Nem de proposito, uma hora depois o ceu se tolda, os ventos rugem. O imprudente viajante aguenta o temporal inteiro fora de abrigo, encolhido numa arvore seca. Sofre horrores; mas salva-se, e quando veio a bonança pôde continuar a viagem. Dirigiu-se a um lindo arrozal, pensando:

— Que vidão irei passar neste mimoso tapete de verdura!

Aí!... Nem bem pousou e já se sentiu preso num laço.

Uma hora de desespero, a debater-se...

Foi feliz ainda. O laço, apodrecido pelas chuvas, rompeu-se e o pombinho safou-se. E fugiu, exausto, com varias penas de menos e um fio de barbante aos pés, a lhe embaraçar o vôo.

Nisto um gavião surge, que se precipita sobre ele com rapidez de flecha. O misero pombinho, atarantado, mal tem tempo de abrigar-se no terreiro dum casebre de lavradores. Desse modo livrou-se do rapinante, mas não pôde livrar-se dum menino que de bodoque em punho correu para cima dele e espeloteou-o.

Corre que corre, pereréca que pereréca, o malaventurado pombinho conseguiu ainda uma vez escapar, oculto num ôco de pau.

E ali, curtindo as dores da asa quebrada, esperou pacientemente que o inimigo se fosse. Só então, com mil cautelas, pôde fugir para o ninho.

Ao vê-lo chegar, arrastando a asa, depenado, moido de canseira, o companheiro beijou-o por entre lagrimas e disse: "Bem certo o ditado: Boa romaria faz quem em casa fica em paz".


— Não concordo, vóvó! disse Pedrinho. Se toda gente ficasse fazendo romaria em casa, a vida perderia a graça. Eu gosto de aventuras, nem que volte de perna quebrada.

— Eu tambem! berrou Emilia, e hei de escrever uma fabula o contrario dessa.

— Como?

— Assim que o pombinho viajante partiu, um caçador aparece e dá um tiro no que ficou fazendo romaria em paz. Quando o viajante volta, todo estropiado, vê as penas do companheiro no chão, manchadas de sangue. Compreende tudo e diz: “Quem vai, volta estropiado; mas quem não vai cai na panela”.

Dona Benta explicou que a sabedoria popular é uma sabedoria de dois bicos. Muitos ditados são contraditorios.

— Ha um que diz: “Quem espera sempre alcança” e outro diz: “Quem espera desespera”. Conforme o caso, a gente escolhe um ou outro — e quem ouve elogia a sabedoria da sabedoria popular.



Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.