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Fabulas (9ª edição)/38

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O Ratinho, o Rato e o Galo

Certa manhã um ratinho saiu do buraco pela primeira vez. Queria conhecer o mundo e travar relações com tanta coisa bonita de que falavam seus amigos.

Admirou a luz do sol, o verdor das arvores, a correnteza dos ribeirões, a habitação dos homens. E acabou penetrando no quintal duma casa da roça.

— Sim senhor! E’ interessante isto!

Examinou tudo minuciosamente, farejou a tulha de milho e a estrebaria. Em seguida notou no terreiro um certo animal de belo pêlo que dormia sossegado ao sol. Aproximou-se dele e farejou-o sem receio nenhum.

Nisto aparece um galo, que bate as asas e canta.

O ratinho por um triz que não morreu de susto. Arrepiou-se todo e disparou como um raio para a toca. Lá contou á mamãe as aventuras do passeio.

— Observei muita coisa interessante, disse ele, mas nada me impressionou tanto como dois animais que vi no terreiro. Um, de pêlo macio e ar bondoso, seduziu-me logo. Devia ser um desses bons amigos da nossa gente, e lamentei que estivesse a dormir, impedindo-me assim de cumprimenta-lo.

O outro... Ai, que ainda me bate o coração! O outro era um bicho feroz, de penas amarelas, bico pontudo, crista vermelha e aspecto ameaçador. Bateu as asas barulhentamente, abriu o bico e soltou um có-ri-có-có tamanho que quasi cai de costas. Fugi. Fugi com quantas pernas tinha, percebendo que devia ser o famoso gato que tamanha destruição faz no nosso povo.

A mamãe-rata assustou-se e disse:

— Como te enganas, meu filho! O bicho de pêlo macio e ar bondoso é que é o terrivel gato. O outro, barulhento e espaventado, de olhar feroz e crista rubra, o outro, filhinho, é o galo, uma ave que nunca nos fez mal nenhum.

As aparencias enganam. Aproveita, pois, a lição e fica sabendo que —

Quem vê cara não vê coração.

Emilia fez cara de piedade.

— Coitadinho! Era duma burrice sem par. Farejou o gato! Um ratinho a farejar gato! Acho isso um absurdo. Só se era um gato morto...

— Por que absurdo, Emilia?

— Porque o visconde diz que os animais do “naipe” dos ratos já nascem sabendo o que é gato. Adivinham gato pelo cheiro. Porisso digo: ou o gato estava morto ou o ratinho estava endefluxado...

Dona Benta explicou que os fabulistas não têm o rigor dos naturalistas e muitas vezes torcem as coisas para que a fabula saia certa.

— Boa moda! exclamou Emilia. Errar dum lado para acertar do outro...

Narizinho disse que os poetas usam muito esse processo, chamado “licença poetica”. Eles sacrificam a verdade á rima. Os fabulistas tambem são poetas ao seu modo.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.