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Fabulas (9ª edição)/37

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O Cavalo e as Mutucas

Um cavaleiro vinha chicoteando as mutucas pousadas no pescoço da cavalgadura. Volta e meia, plaf! uma lambada e era um inseto de menos.

Mas o homem só chicoteava as mutucas pesadonas, já empanturradas de sangue.

Em certo ponto o cavalo perdeu a paciencia e disse:

— Julgas que me prestas um serviço e no entanto...

— No entanto que, cavalo? Pois livro-te das mutucas e ainda não estás contente?

— Beneficio seria se matasses as magras e poupasses as gordas. Porque as gordas, fartas que estão, nenhum maleficio me fazem, ao passo que as outras, famintas, torturam-me sem dó. Matando só as inofensivas, o bem que me queres fazer transforma-se em mal, porque sofro a dor da lambada e nada lucro com a morte dos bichinhos.


Quantos beneficios assim, beneficios só na aparencia!...

— De quem é essa fabula, vóvó? De Mr. de La Fontaine ou de Esopo?

— De nenhum dos dois, meu filho. E’ minha...

— Sua?... Pois a senhora tambem é fabulista?

— As vezes... Esta fabula me ocorreu no dia em que o compadre esteve aqui montado naquele pampa. Ele não apeou. E enquanto falava ia chicoteando as motucas gordas, só as gordas. Ao ver aquilo, a fabula formou-se em minha cabeça.

— Pois acho que ele fazia muito bem, berrou Emilia. As gordas, as já cheias de sangue, voam dali e vão botar ovos donde saem mais motucas. E as magras, as ainda vazias, podem falhar. O cavalo não pensou nisto.

— Falhar, como, Emilia?

— Podem, por qualquer motivo, não se encherem e não porem OVOS.

Dona Benta riu-se e explicou que o cavalo falava do seu ponto de vista de vitima das mordidelas. Se a vitima das motucas fosse Emilia, o mais certo era ela pensar exatamente como o cavalo. Tudo neste mundo depende do ponto de vista.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.