Fabulas de Narizinho/O gato e a raposa
Gato e raposa andavam a correr mundo, de sociedade, pilhando capoeiras e ninhos. Muito amigos, apesar de que a raposa, volta e meia, dava tréla á gabolice, depreciando o padre.
— Afinal de contas, meu caro, não és dos bichos mais bem quinhoados pela naturezaSó tens um truque para illudir aos cães: trepar em arvore...
— E é quanto me basta. Vivo muito bem assim e não troco esta minha habilidade pela tua collecção inteira de manhas.
A raposa sorriu, compassivamente. Ora o gato a desfazer nella, dona de cem manhas cada qual melhor! E recordou lá comsigo que sabia illudir os cães de mil maneiras, ora fingindo-se de morta, ora escondendo-se nas folhas seccas, já disfarçando as pegadas, já correndo em zig-zag. Recordou todos os seus truques classicos. Ennumerou-os. Chegou a contar noventa. E chegaria a cem si o rumor duma acuação lhe não viesse interromper os calculos.
— Está ahi a cachorrada! disse o gato, marinhando pela arvore acima. Applica lá os teus innumeraveis recursos que o meu recursozinho unico já está applicado.
A raposa, perseguida de perto, disparou como um foguete pelos campos afóra, pondo em pratica, um por um, todos os recursos da sua collecção.
Mas foi tudo inutil. Os cães eram mestres; não lhe deram tregoas, inutilisaram-lhe as mais engenhosas manhas e acabaram por ferral-a.
Só então se convenceu a raposa — muito tarde!... — de que é preferivel saber bem uma coisa só do que saber mal-e-mal noventa coisas diversas.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.