Fausto (traduzido por Agostinho de Ornelas)/XX
Margarida, como eras
Outra, quando de innocencia
Inda cheia, te chegavas
Ao altar e do livrinho
As orações murmuravas?
No coração ora tinhas
O teu Deus, ora os brinquedos
De creança. Margarida,
Em tua mente que mêdos,
Que crime no coração!
Por tua mãe 'stás rezando
Que morreu por culpa tua,
Que tormentos 'stá penando
Longos, longos? Este sangue
De quem é na tua porta?
E no teu ventre não sentes
Que se agita e te angustia,
Um ente cuja presença
Crua dôr te presagia?
Ai, ai!
Quem me dera escapar aos pensamentos,
Que me perseguem crus e se levantam
Contra mim!
Dies iræ, dies illa
Solvet sæc'lum in favilla.
Apodera-se o pavor
De ti, da tuba ao clangor
Os sepulchros estremecem,
E treme teu coração
Das cinzas ressuscitado,
Para ser na eterna chamma
Do inferno sepultado.
Quem me dera daqui longe.
Tolhe m'a respiração
O orgam, rasgam-me os cantos
O fundo do coração!
Judex ergo cúm sedebit
Quid quid latet, apparebit,
Nil inultum remanebit
Já me sinto suffocar!
As columnas me comprimem,
O tecto esmaga-me. Ar!
Esconde-te! O crime e a vergonha
Escondidos não ficam.
Luz e ar?
Ai de ti !
Quid sum miser tunc dicturus?
Quem patronum rogaturus,
Cúm vix justus sit securus?
De ti os justos desviam
A face transfigurada,
E auxilio te recusam
Até os santos desgraçada!
Quid sum miser tunc dicturus?
Ai, visinha, que desmaio!
(Desmaia.)