Frei Simão/II
As notas de frei Simão nada dizem do lugar do seu nascimento nem do nome de seus pais. O que se pôde saber dos seus principios é que, tendo concluido os estudos preparatorios, não pôde seguir a carreira das lettras, como desejava, e foi obrigado a entrar como guarda-livros na casa commercial de seu pai.
Morava então em casa de seu pai uma prima de Simão, orphã de pai e mãi, que havião por morte deixado ao pai de Simão o cuidado de a educarem e manterem. Parece que os cabedaes deste derão para isto. Quanto ao pai da prima orphã, tendo sido rico, perdêra tudo ao jogo e nos azares do commercio, ficando reduzido á ultima miseria.
Aorphã chamava-se Helena; era bella, meiga e extremamente boa. Simão, que se educára com ella, e juntamente vivia debaixo do mesmo tecto, não pôde resistir ás elevadas qualidades e á belleza de sua prima. Amárão-se. Em seus sonhos de futuro contavão ambos o casamento, cousa que parece o mais natural do mundo para corações amantes.
Não tardou muito que os pais de Simão descobrissem o amor dos dous. Ora é preciso dizer, apezar de não haver declaração formal d’isto nos apontamentos do frade, é preciso dizer que os referidos pais erão de um egoismo descommunal. Davão de boa vontade o pão da subsistencia a Helena; mas lá casar o filho com a pobre orphã é que não podião consentir. Tinhão posto a mira em uma herdeira rica, e dispunhão de si para si que o rapaz se casaria com ella.
Uma tarde, como estivesse o rapaz a adiantar a escripturação do livro mestre, entrou no escriptorio o pai com ar grave e risonho ao mesmo tempo, e disse ao filho que largasse o trabalho e o ouvisse. O rapaz obedeceu. O pai fallou assim:
— Vais partir para a provincia de*** Preciso mandar umas cartas ao meu correspondente Amaral, e, como sejão ellas de grande importancia, não quero confial-as ao nosso deleixado correio. Queres ir no vapor ou preferes o nosso brigue?
Esta pergunta era feita com grande tino.
Obrigado a responder-lhe, o velho commerciante não dera lugar a que seu filho apresentasse objecções.
O rapaz enfiou, abaixou os olhos e respondeu:
— Vou onde meu pai quizer.
O pai agradeceu mentalmente a submissão do filho, que lhe poupava o dinheiro da passagem no vapor, e foi muito contente dar parte á mulher de que o rapaz não fizera objecção alguma.
N’essa noite os dous amantes tiverão occasião de encontrar-se a sós na sala de jantar.
Simão contou a Helena o que se passára. Chorárão ambos algumas lagrimas furtivas, e ficárão na esperança de que a viagem fosse de um mez, quando muito.
Á mesa do chá, o pai de Simão conversou sobre a viagem do rapaz, que devia ser de poucos dias. Isto reanimou as esperanças dos dous amantes. O resto da noite passou-se em conselhos da parte do velho ao filho sobre a maneira de portar-se na casa do correspondente. Ás dez horas, como de costume, todos se recolhêrão aos aposentos.
Os dias passárão-se de pressa. Finalmente raiou aquelle em que devia partir o brigue. Helena sahio de seu quarto com os olhos vermelhos de chorar. Interrogada bruscamente pela tia, disse que era uma inflammação adquirida pelo muito que lêra na noite anterior. A tia prescreveu-lhe abstenção da leitura e banhos de agua de malvas.
Quanto ao tio, tendo chamado Simão, entregou-lhe uma carta para o correspondente, e abraçou-o. A mala e um criado estavão promptos. A despedida foi triste. Os dous pais sempre chorárão alguma cousa, a rapariga muito.
Quanto a Simão, levava os olhos seccos e ardentes. Era refractario ás lagrimas; por isso mesmo padecia mais.
O brigue partio. Simão, emquanto pôde ver terra, não se retirou de cima; quando finalmente se fechárão de todo as paredes do carcere que anda, na phrase pittoresca de Ribeyrolles, Simão desceu ao seu camarote, triste e com o coração apertado. Havia como um presentimento que lhe dizia interiormente ser impossivel tornar a ver sua prima. Parecia que ia para um degredo.
Chegando ao lugar do seu destino, procurou Simão o correspondente de seu pai e entregou-lhe a carta. O Sr. Amaral leu a carta, fitou o rapaz, e, depois de algum silencio, disse-lhe, volvendo a carta:
— Bem, agora é preciso esperar que eu cumpra esta ordem de seu pai. Entretanto venha morar para a minha casa.
— Quando poderei voltar? perguntou Simão.
— Em poucos dias, salvo se as cousas se complicarem.
Este salvo, posto ma boca de Amaral como incidente, era a oração principal. A carta do pai de Simão versava assim:
- « Meu caro Amaral,
« Motivos ponderosos me obrigão a mandar meu filho d’esta cidade. Retenha-o por lá como puder. O pretexto da viagem é ter eu necessidade de ultimar alguns negocios com você, o que dirá ao pequeno, fazendo-lhe sempre crer que a demora é pouca ou nenhuma. Você, que teve na sua adolescencia a triste idéa de engendrar romances, vá inventando circumstancias e occurrencias imprevistas, de modo que o rapaz não me torne cá antes de segunda ordem. Sou, como sempre, » etc.