Frei Simão/III

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Passárão-se dias e dias, e nada de chegar o momento de voltar á casa paterna. O ex-romancista era na verdade fertil, e não se cansava de inventar pretextos que deixavão convencido o pobre rapaz.

Entretanto, como o espirito dos amantes não é menos engenhoso que o dos romancistas, Simão e Helena achárão meio de se escreverem, e d’este modo podião consolar-se da ausencia, com presença das lettras e do papel. Bem diz Heloisa que a arte de escrever foi inventada por alguma amante separada do seu amante. N’estas cartas juravão-se os dous sua eterna fidelidade.

No fim de dous mezes de espera baldada e de activa correspondencia, a tia de Helena sorprendeu uma carta de Simão. Era a vigesima, creio eu. Houve grande temporal em casa. O tio, que estava no escriptorio, sahio precipitadamente e tomou conhecimento do negocio. O resultado foi proscrever de casa tinta, pennas e papel, e instituir vigilancia rigorosa sobre a infeliz rapariga.

Começárão pois a escassear as cartas ao pobre deportado. Inquirio a causa d’isto em cartas choradas e compridas; mas como o rigor fiscal da casa de seu pai adquiria proporções descommunaes, acontecia que todas as cartas de Simão ião parar ás mãos do velho, que, depois de apreciar o estylo amoroso de seu filho, fazia queimar as ardentes epistolas.

Passárão-se dias e mezes. Carta de Helena, nenhuma. O correspondente ia esgotando a veia inventadora, e já não sabia como reter finalmente o rapaz.

Chega uma carta a Simão. Era lettra do pai. Só differençava das outras que recebia do velho em ser esta mais longa, muito mais longa. O rapaz abrio a carta, e leu tremulo e pallido. Contava n’esta carta o honrado commerciante que a Helena, a boa rapariga que elle destinava a ser sua filha casando-se com Simão, a boa Helena tinha morrido. O velho copiára algum dos ultimos necrologios que vira nos jornaes, e ajuntára algumas consolações de casa. A ultima consolação foi dizer-lhe que embarcasse e fosse ter com elle.

O periodo final da carta dizia:

« Assim como assim, não se realisão os meus negocios; não te pude casar com Helena, visto que Deos a levou. Mas volta, filho, vem; poderás consolar-te casando com outra, a filha do conselheiro ***. Está moça feita e é um bom partido. Não te desalentes; lembra-te de mim. »

O pai de Simão não conhecia bem o amor do filho, nem era grande aguia para avalial-o, ainda que o conhecesse. Dôres taes não se consolão com uma carta nem com um casamento. Era melhor mandal-o chamar, e depois preparar-lhe a noticia; mas dada assim friamente em uma carta, era expôr o rapaz a uma morte certa.

Ficou Simão vivo em corpo e morto moralmente, tão morto que por sua propria idéa foi d’alli procurar uma sepultura. Era melhor dar aqui alguns dos papeis escriptos por Simão relativamente ao que soffreu depois da carta; mas ha muitas falhas, e eu não quero corrigir a exposição ingenua e sincera do frade.

A sepultura que Simão escolheu foi um convento. Respondeu ao pai que agradecia a filha do conselheiro, mas que d’aquelle dia em diante pertencia ao serviço de Deos.

O pai ficou maravilhado. Nunca suspeitou que o filho pudesse vir a ter semelhante resolução. Escreveu ás pressas para ver se o desviava da idéa; mas não pôde conseguir.

Quanto ao correspondente, para quem tudo se embrulhava cada vez mais, deixou o rapaz seguir para o claustro, disposto a não figurar em um negocio do qual nada realmente sabia.