Frei Simão/IV

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Frei Simão de Santa Agueda foi obrigado a ir á provincia natal em missão religiosa, tempos depois dos factos que acabo de narrar.

Preparou-se e embarcou.

A missão não era na capital, mas no interior. Entrando na capital, pareceu-lhe dever ir visitar seus pais. Estavão mudados physica e moralmente. Era com certeza a dôr e o remorso de terem precipitado seu filho á resolução que tomou. Tinhão vendido a casa commercial e vivião de suas rendas.

Recebêrão o filho com alvoroço e verdadeiro amor. Depois das lagrimas e das consolações, vierão ao fim da viagem de Simão.

— A que vens tu, meu filho?

— Venho cumprir uma missão do sacerdocio que abracei. Venho prégar, para que o rebanho do Senhor não se arrede nunca do bom caminho.

— Aqui na capital?

— Não, no interior. Começo pela villa de ***.

Os dous velhos estremecêrão; mas Simão nada vio. No dia seguinte partio Simão, não sem algumas instancias de seus pais para que ficasse. Notárão elles que seu filho nem de leve tocára em Helena. Tambem elles não quizerão magoal-o fallando em tal assumpto.

D’ahi a dias, na villa de que fallára frei Simão, era um alvoroço para ouvir as predicas do missionario.

A velha igreja do lugar estava atopetada de povo.

Á hora annunciada, frei Simão subio ao pulpito e começou o discurso religioso. Metade do povo sahio aborrecido no meio do sermão. A razão era simples. Avezado á pintura viva dos caldeirões de Pedro Botelho e outros pedacinhos de ouro da maioria dos prégadores, o povo não podia ouvir com prazer a linguaguem simples, branda, persuasiva, a que servião de modelo as conferencias do fundador da nossa religião.

O prégador estava a terminar, quando entrou apressadamente na igreja um par, marido e mulher: elle, honrado lavrador, meio remediado com o sitio que possuia e a boa vontade de trabalhar; ella, senhora estimada por suas virtudes, mas de uma melancolia invencivel.

Depois de tomarem agua benta, collocárão-se ambos em lugar d’onde pudessem ver facilmente o prégador.

Ouvio-se então um grito, e todos corrêrão para a recem-chegada, que acabava de desmaiar. Frei Simão teve de parar o seu discurso, emquanto se punha termo ao incidente. Mas, por uma aberta que a turba deixava, pôde elle ver o rosto da desmaiada.

Era Helena.

No manuscripto do frade ha uma serie de reticencias dispostas em oito linhas. Elle proprio não sabe o que se passou. Mas o que se passou foi que, mal conhecêra Helena, continuou o frade o discurso. Era então outra cousa: era um discurso sem nexo, sem assumpto, um verdadeiro delirio. A consternação foi geral.