Futuros Imaginários/As Profecias Novaiorquinas
Já passava das nove horas da noite quando o porteiro anunciou no interfone da cozinha a chegada de um homem que não falava português. Pedimos para deixá-lo entrar e corri até a janela para vê-lo. Possuía estatura mediana, andar desengonçado, calças e jaqueta jeans azul escuro e uma boina também azul na cabeça. Arrastava sua valise de rodinhas por entre os mosaicos de pedra portuguesa e a fina chuva que caía. Dr. Richard Barbrook chegou às vésperas do festival Mídia Tática Brasil, evento de arte, mídia, política e tecnologia que havia sido, em grande parte, organizado via lista de troca de e-mails pela Internet. Barbrook participaria no debate de abertura do evento juntamente com John Perry Barlow sob a moderação do recém empossado Ministro da Cultura, Sr. Gilberto Passos Gil Moreira. Um dos assessores do ministro, Hermano Vianna, nos confessara em um telefonema prévio que o festival que organizávamos tinha relação íntima com a plataforma de governo a ser proposta no Ministério da Cultura durante a administração por vir, e ofereceu-nos a presença de Gil e Barlow no debate de abertura do festival. Com a presença do Ministro Gilberto Gil, conseguimos espaços para a realização do evento, bem como cobertura dos grandes meios de comunicação. Durante o festival, cerca de cinco mil pessoas visitaram as exibições, palestras, debates, oficinas, apresentações musicais, teatrais e performances na Avenida Paulista, coração psicofinanceiro da cidade de São Paulo. Era março de 2003, e o que não sabíamos naquele momento era a velocidade com que muitas das idéias e práticas ali desenvolvidas seriam rapidamente incorporadas às agendas políticas e corporativas do país.
Em setembro do mesmo ano voltei a encontrar o Dr. Barbrook, dessa vez em Londres. Ricardo Rosas, Tatiana Wells, Ricardo Ruiz e Mônica Narula foram convidados pelo Cybersalon — evento organizado pelos alunos do curso de mestrado de Richard na Universidade de Westminster — a traçar um cenário da arte em rede e do ativismo midiático no Brasil e na Índia. Nessa noite, lembro-me de dividir com Richard boas quantidades de cerveja no balcão da festa que se sucedeu à apresentação. Poderia dizer que aí começou a nossa amizade. Durante os anos que se seguiram, outros encontros aconteceram em palestras, debates, festivais ou carnavais espalhados pelo mundo. Uma outra centena de e-mails mantinha as conversas em dia entre os encontros. E então, num desses emails, Richard me dizia que escrevia um novo livro, e que provavelmente aquele seria o primeiro capítulo. Anexado à sua mensagem, um arquivo de texto chamado As profecias novaiorquinas. Assim que o li, retornei a mensagem para Barbrook dizendo: “Está muito bom. Gostaria de lançar esse livro no Brasil” Richard, lógico, adorou a idéia.
Após alguns meses, chegou em casa a primeira versão, impressa a partir do computador, de Futuros imaginários. Richard havia mandado para que ajudássemos a perceber erros ou para dar sugestões no livro. Após algumas lidas do original por várias pessoas, começamos a discutir como poderíamos traduzir o livro para o português e lançá-lo no Brasil. Acontecia que, além da centena de livros que o Dr. Barbrook utilizava como referência e que deveriam ser citados em suas edições brasileiras, o livro era recheado por conceitos ainda pouco debatidos em português. A solução a que chegamos foi desafiadora: montaríamos uma equipe para a tradução do livro, composta de artistas, tecnólogos, cientistas sociais, comunicólogos, jornalistas, historiadores e cientistas da computação. Em conjunto, discutiríamos os melhores termos, como eles já haviam sido utilizados no Brasil, e quais termos nós utilizaríamos. O processo foi longo, e os agradecimentos oferecemos à equipe da Editora Peirópolis, por sua paciência em esperar tantos meses pelo texto final. Esperamos que apreciem o resultado. E que, após lerem este livro, vocês nunca mais vejam um computador da mesma maneira.
Vitória Mário,
A Classe do Novo,
março de 2009
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