Galeria dos Brasileiros Ilustres/Francisco de Paula Negreiros Saião Lobato

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Chamado em março deste ano para o Mnistério, havendo entrado no parlamento em 1849, o Sr. Francisco de Paula Negreiros Saião Lobato, herdeiro de um belo nome, tem sabido conservá-lo tão puro como o deixou seu pai, aumentando-lhe o brilho e a glória.

Filho do Conselheiro João Evangelista de Faria Lobato, senador do império pela província de Minas Gerais, e da Sra. D. Maria Isabel Manso Saião, nasceu ele nesta cidade do Rio de Janeiro, em 25 de maio de 1815.

A constância das opiniões, a admirável coragem cívica, essa virtude tão rara em nossa terra e em nossos dias, a ilibada inteireza do Senador João Evangelista deixaram vestígios profundos na memória dos contemporâneos, e são decerto os modelos adotados pelo filho; daí resulta que ainda os adversários, que se desgostam da tenacidade de convicções com que se veêm combatidos, honram o seu caráter, e poupam-lhe até a calúnia.

A sua fraca compleição física impôs ao carinho dos pais, que o queriam convenientemente educar, a dor de uma prematura separação; foi necessário mandá-lo, ainda na idade de 9 anos, para o colégio da serra do Caraça, na província de Minas, para que ar mais puro lhe robustecesse a saúde

Acompanhou-o nesse destino seu irmão mais moço, o Dr. João Evangelista Negreiros Saião Lobato, atual juiz de direito de Porto Alegre, que vimos por diversas vezes na Câmara dos Deputados pelo voto das províncias de São Paulo e do Rio Grande do Sul.

O colégio do Caraça ainda então não gozava da justa celebridade que depois lhe granjearam os insignes alunos que dele saíram, e entre os quais logo se distinguiu, nas nossas academias jurídicas, o aluno que por conselho da medicina tinha ido abrigar a sua débil e valetudinária infância.

Matriculado em 1830 no curso jurídico de Olinda, tanto se distinguiu entre os seus condiscípulos que foi pela congregação dos lentes premiado: no ano seguinte continuou seus estudos no curso jurídico de São Paulo, onde recebeu em 1834 o grau de bacharel formado. Nessa academia conhecemos o jovem fluminense, distinto desde então pelas mesmas qualidades que ainda hoje o ornam, frieza de raciocínio sempre lógico, sempre bem deduzido, elocução animada que cativa os que ouvem, séria aplicação, e caráter severo para si, ameno para os seus amigos.

Como todos os talentos chamados a representar papel considerável no regime de discussão em que vivemos, o jovem Saião Lobato era amigo das letras, e nos estudos literários fortificava, enriquecia a sua inteligência, e adquiria essa dicção elegante e firme que o recomendam como escritor e como orador.

Seguiu a carreira da magistratura; juiz de órfãos da cidade de Niterói em 1835, foi despachado juiz de direito em 1838, e serviu seguidamente na província do Espírito Santo, e nas comarcas de Vassouras, de Niterói, de Campos, da província do Rio de Janeiro, tendo sido em 1840 chefe de polícia da cidade da Bahia.

O nome do magistrado que então adquiriu, de magistrado como todos deveriam ser, tão ilustrado e severo, quão reto e justiceiro, deve ser para o Sr. Saião Lobato um público galardão de que justamente se ufane; esse nome o acompanha na carreira política que tem trilhado e muito lhe facilitou as avenidas de altas posições a que tem subido.

Infelizmente, o corpo de S. Exª não é tão firme e robusto como o seu espírito: achando-se em 1856 gravemente enfermo, teve de resignar-se a ser aposentado com as honras de desembargador, e a magistratura brasileira ficou privada de um dos que mais a enobrecem.

Posteriormente a moléstia deu tréguas à sua presa, e o espírito ativo cb Sr. Saião, suprindo a fraqueza física em que ela o deixara, habilitou-o para prestar-se ao convite honroso que lhe fez o Ministério de 12 de dezembro, para aceitar a alta posição administrativa de diretor da alfândega da corte.

No novo emprego a que foi chamado, o Sr. Saião confirmou o seu renome, e ao passo que sua inteireza zelava com eficácia os interesses do estado, confiados ao seu espírito de fiscalização, soube granjear toda a estima e simpatia dos honrados negociantes que com aquela repartição tem dependências, e dos funcionários que, debaixo das suas ordens, cooperam nessa importantíssima casa de arrecadação. Uma inteligência clara, um espírito justo, mas não chicaneiro, uma benevolência que tempera o zelo, sem fazê-lo adormecer, foram as qualidades que distinguiram o administrador, como haviam enobrecido o magistrado.

Vejamos agora o Sr. Saião na vida política.

Magistrado antes de tudo, o Sr. Saião não militava nas bandeiras dos nossos partidos políticos, não se envolvia em suas lutas e, portanto, estava extreme de suas paixões e interesses. Ninguém, porém, ignorava que o digno magistrado herdara, com as virtudes paternas, as nobres convicções do distinto senador; era, pois, conservador. Na grande reação que houve de 1843 a 1848, e que tão implacável se mostrou na província do Rio de Janeiro, pois cumpria a todo transe conquistá-la e dominá-la, achou-se envolvido o juiz de direito de Vassouras. Então apareceu ele na imprensa fluminense com uma belíssima publicação acerca dos atos presidenciais de que fora vítima. E essa publicação revelou aos homens das idéias proscritas um hábil escritor com que poderiam contar para a divulgação das sãs doutrinas.

A eleição de 1849 o chamou à tribuna parlamentar pela província do Rio de Janeiro; desde então os votos dos eleitores fluminenses sempre o acompanharam; pois se na eleição de 1856 não foi mandado à Câmara deve ser isto atribuído a não se haver ele apresentado candidato, a não ter escolhido círculo, e talvez a ter reservado as suas forças para a eleição de senador que de próximo se lhe seguiu. Nessa eleição apareceu ele em 1- lugar na lista tríplice, e com brilhante votação qual até então não tinha obtido candidato algum que estivesse em oposição ao Ministério.

De feito, a sessão legislativa que terminara em 1856, vira o Sr. Saião em oposição, não ao princípio da conciliação, mas ao modo por que ia ele sendo aplicado: separando-se do Ministério, combateu algumas

das suas propostas e, especialmente, a que reformava a lei de 3 de dezembro de 1842, proposta contra a qual houve essa demonstração política, geralmente conhecida com o nome de — agitação de Vassouras —, e que, aprovada pela Câmara, foi dormir nas pastas da Comissão do Senado. Sem fazer uma oposição acintosa e sistemática a esse Ministério, o Sr. Saião raramente abandonava a tribuna, quando tinha de contra eles sustentar as sãs doutrinas políticas, ou os grandes interesses administrativos.

E, pois, quando se apresentou à eleição para lista tríplice de senador, havendo nove concorrentes, alguns altamente sustentados pelo Governo, entre eles, todos de certo digníssimos, não estava o Sr. Saião Lobato. Essa circunstância dá maior realce ao resultado conseguido, prova mais cabalmente a confiança e a estima do corpo eleitoral fluminense.

A eleição, que no Rio de Janeiro a esta se seguiu, foi a do ano passado, e trouxe de novo à Câmara o Sr. Saião; sem embargos dos esforços empregados pelos amigos de um candidato para abrir brecha no distrito por onde se apresentava o digno fluminense, nunca foi duvidoso o resultado da eleição.

Na vida parlamentar do Sr. Saião Lobato há uma parte gloriosíssima, que não devemos omitir; foi a que ele teve no projeto da lei das estradas de ferro, o seu incansável zelo pela decretação da via férrea do vale do Paraíba, a sua constância em todas as discussões travadas a esse respeito, as considerações previdentes que fez sobre os inconvenientes necessários da simultânea decretação de tantas estradas, com que imprudentes desejos de melhoramento ainda não necessários, ainda sazonados, iam sobrecarregar o tesouro público, e comprometer os poucos capitais acumulados no país. A sua voz previdente não foi ouvida; mas hoje ninguém há que não lhe faça justiça, e não lastime o ter ela sido perdida, o haver o entusiasmo prescindido da reflexão, e desdenhado dos seus conselhos.

Magistrado, orador, administrador e político, o Sr. Saião tem mais um título, o de belíssimo escritor. Dois opúsculos políticos de algum vulto apareceram nas colunas do Jornal do Comércio e Correio Mercantil apareceram anónimos, mas a curiosidade pública não respeitou o anónimo, e S. Exª não nega a paternidade deles.

Em ambos esses opúsculos, o Sr. Saião Lobato saiu em defesa do princípio fundamental das suas crenças políticas, a sustentação da monarquia como fiadora da liberdade e da ordem, do progresso moral e material do país.

O escritor deixou exuberantemente provadas as suas teses; mas, infelizmente, são elas tais que, constantemente vencedoras pela razão, são constantemente atacadas, abaladas pelo arrastamento do erro, pela cegueira da paixão, e assim carecem de contínua defesa, de constante vitória.

Enfim, em março foi chamado ao Ministério o Sr. Saião: aí não o acompanharemos neste breve esboço — o futuro o completará. Mas o que podemos afirmar, sem que a nossa voz seja suspeita, é o que todos aí podem ver nas colunas do Jornal do Comércio. Uma época em que os mais santos princípios são contestados pela irreflexão, que não mede o alcance dos seus ataques, e quando tantos esmorecidos acham que não vale a pena refutar o erro, o Sr. Saião Lobato tem-se mostrado grande pensador, tanto quanto distinto orador: insistente na sustentação das suas convicções, pois ao triunfo dessas convicções está ligado todo o porvir do país, S. Exª não tem perdido ocasião de aparecer — pro ara et focis. Outros, que não nós, dirão se na tribuna de 1861 houve quem mais se distinguisse.