Galeria dos Brasileiros Ilustres/José Tomás Nabuco de Araújo

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Filho legítimo do Senador José Tomás Nabuco de Araújo, que, no primeiro reinado e durante a minoridade, foi presidente de diversas províncias, e de sua mulher D. Maria Bárbara Ferreira Nabuco, o conselheiro José Tomás Nabuco de Araújo nasceu na cidade da Bahia em 14 de agosto de 1813.

Logo nas aulas menores mostrou que seria digno da ilustração da família a que pertencia, e a quem o país já devia cidadãos ilustres na magistratura e na jurisprudência.

Dotado de atilamento e de perseverante aplicação, ainda menino já se ocupava com assuntos sérios, especialmente com as questões políticas que, aliás, nesse tempo de patriotismo e de dedicação, constituíam como a atmosfera em que vivia o brasileiro.

Quando no ano de 1831 foi matricular-se no curso jurídico de Olinda, o jovem Nabuco era um dos mais distintos desses jovens em quem descansavam as esperanças da pátria.

Político, discutidor, infatigável no trabalho, como estudante sustentava nas aulas lugar de honra entre os seus companheiros. Não podia contentar-se com os estudos como alimento à atividade do seu espírito, nem faltar à sua vocação que o chamava a ocupar-se dos negócios públicos. Portanto, tomou parte em todas as associações patrióticas dessa época de agitação, e para vulgarizar as suas convicções empregou logo a pena de jornalista.

Sem embargo da sua mocidade, solicitavam a sua coadjuvação, aceitavam os seus conselhos, atendiam a sua palavra os homens mais notáveis que nessa época dirigiam a opinião pública, e refreavam os desmandos revolucionários.

O Eco de Olinda, montado em 1831 em colaboração com os Srs. Ferraz e Cansanção, então igualmente estudantes, o Velho de 1817, fundado em 1833, o Aristarco, que existiu de 1834 a 1836 foram os ensaios do estudante que, ao depois, no período tão importante de 1844 a 1849 devia, no Lidador e na União, apresentar-se um dos mais prestimosos atletas da grande causa da unidade brasileira, e das instituições que nos garantem a liberdade e a ordem.

Formado em 1º de dezembro de 1835, foi alguns meses depois despachado promotor público da cidade do Recife, e nesse emprego se conservou até janeiro de 1841. Foi então nomeado juiz de direito da comarca de Pau do Alho, na mesma província de Pernambuco.

Enquanto promotor público, aplicou-se com a devida atenção e seriedade aos graves estudos de assunto tão árido como a jurisprudência, e a par dos conhecimentos especiais, que desde então alcançou, e que tão raros são na época da leviandade e do improviso em que vivemos; adquiriu os hábitos da reflexão, madureza e estudo que ainda hoje o recomendam.

Podemos considerar essa época como a de seu tirocínio: tirocínio de eloqüência, nas sociedades populares em que sua palavra incansável sustentou os sãos princípios constitucionais, e no júri em defesa da sociedade contra o crime: tirocínio de publicista e de político, quer naquelas associações, quer na constante redação de jornais, em épocas tão diversas das de hoje, em épocas em que a luta animada como que punha em questão cada dia, cada hora, a existência das instituições nacionais; tirocínio de meditação e de estudo na árida ciência do direito positivo.

Assim, preparado antes de chegar aos 30 anos de idade, os votos da província em que residia chamaram-no ao parlamento: nele teve assento nessa deputação pernambucana que então era tão rica de talentos e de notabilidades, na sessão de 1843, e nunca mais cessou de fazer parte dela, senão quando o partido que lhe era infenso comprimia o voto popular de modo a excluir todos os que não pertenciam às suas chapas.

Na assembléia provincial pernambucana de que por vezes tinha feito parte havia-se adestrado para aparecer em maior teatro.

Antes de o vermos nesse novo teatro, acompanhemo-lo um pouco na sua carreira de magistrado.

Da comarca do Pau do Alho foi, em 1842, removido para a do Recife: no exercício das funções judiciárias em comarca tão importante pôde mostrar o que a natureza e o estudo o haviam feito. Granjeou logo com a consideração e a estima pública os foros de abalizado magistrado, a ponto tal que, quando em 1847, a reação política então desencadeada por um partido que senhor do poder, não admitia em posições oficiais a quem quer que o não servisse, o removeu para a comarca do Açu, houve um clamor geral de indignação, ecoado por toda a imprensa do país, e os cidadãos mais grados do Recife, sem distinção de opiniões ou de parcialidades políticas, deram solenes testemunhos da mágoa que lhes causava a prepotência que os privava de juiz tão reto e tão ilustrado.

Assim, o golpe com que o ódio implacável dos seus adversários o queria castigar, achou-se frustrado; foi ocasião para o juiz removido dessa solene compensação, e ainda mais o serviu abrindo-lhe a carreira da advocacia. Ao invés de ficar resignado com o degredo a que era condenado, o jurisconsulto abriu banca de advogado; aí o acompanharam o conceito, as simpatias que tinha sabido adquirir, e quando um poder mais regular o restituiu em 1849 à sua comarca do Recife, foi para o ilustre advogado um verdadeiro sacrifício aceitar a nomeação. Esse sacrifício, porém, ele o fez porque as circunstâncias eram graves: Pernambuco tinha visto uma nova revolta, felizmente a última que tem en-sangüentado o país; processos iam ser instaurados aos comprometidos nessa revolta, o júri do Recife ia julgá-los; era, pois, indispensável que o magistrado que lhe tivesse de presidir, não deixasse que as paixões políticas, os ressentimentos e ódios se substituíssem à justiça. Nabuco de Araújo compreendeu que havia uma missão importante para o juiz de direito do Recife. Aceitou-a, cumpriu-a. Os processos políticos foram então levados a bom êxito sem quebra da lei e da justiça.

A vida política o distraiu então completamente da carreira de magistrado; restituído à tribuna em 1850, nunca mais pôde voltar à sua comarca, e em 1857 conseguiu a sua aposentadoria de juiz de direito com as honras de desembargador.

As convicções que o Conselheiro Nabuco tem por diversas vezes manifestado na tribuna, e que cada vez se enraízam mais no seu espírito com os fatos que tem presenciado, acerca da incompatibilidade das funções de magistrado com as funções políticas, especialmente as de natureza eletiva, determinaram-no naquela solicitação, quando as nobres inspirações do seu talento à sua patriótica ambição de servir ao país, oferecia a carreira de político melhor e mais vasto campo do que a do magistrado.

Membro distinto das maiorias ordeiras, o conselheiro Nabuco fez-se logo reconhecer como um homem de futuro pelo seu talento de tribuna, pelos seus trabalhos de comissões e de gabinete.

Por amor deles viu-se, no Ministério do Sr. Queirós Coutinho, nomeado membro da comissão que teve de organizar os regulamentos necessários à execução do código do comércio; e foi autor do importante regulamento das correições.

Entrando, enfim, na alta administração, foi em 1851 presidir à província de São Paulo. Essa província, uma das que mais agitadas temos tido pelas paixões políticas, importantes pelas notabilidades que aí capitaneiam os partidos, era incontestavelmente uma das em que se exigem talentos de mais subida plana. O hábil administrador manobrou de modo a neutralizar as paixões, a fazer arrefecer as lutas, a acalmar o antagonismo dos interesses, e teve a fortuna de conciliar amizades distintas de ambas as parcialidades, que ainda se lhe conservam devotadas.

Os tempos, porém, iam fazendo sua obra: longe estavam os dias de lutas; os partidos antigos começavam a deixar as suas bandeiras. Nessas circunstâncias, o Sr. Carneiro Leão é encarregado de organizar um gabinete: a palavra em que se encerrava o programa desse gabinete tinha de ser: conciliação. Um notável discurso do deputado de Pernambuco, no começo dessa sessão legislativa, o seu procedimento na câmara, a sua presidência de São Paulo, tudo o apresentava ao organizador do gabinete como o melhor para coadjuvá-lo na pasta da Justiça.

Nesse longo ministério, que durou de 1853 até 1857, e que é um dos que mais fortes vestígios têm de deixar na nossa história, coube ao Conselheiro Nabuco de Araújo papel importante. Os serviços que então prestou, querendo dar regularidade à administração da justiça, os seus grandes trabalhos sobre a reforma da nossa organização policial e criminal, e seu projeto para introduzir a luz no caos de nossa legislação hipotecária, e assim tornar possível o crédito territorial, estão na lembrança de todos, e embora não sejam leis do país, constituem o mais belo florão de glória do ministro que compreende os deveres do seu cargo.

A morte do presidente do Conselho determinou a dissolução desse Ministério; se as circunstâncias políticas da proximidade de uma eleição sob o regime de uma nova lei, impunham aos companheiros do marquês de Paraná o dever de continuar no poder, considerações políticas de igual peso determinavam-lhes que se retirassem na presença da nova câmara — o conselheiro Nabuco o compreendeu e solicitou a sua demissão.

Nesse ministério, o conselheiro Nabuco mostrou-se um dos mais sinceros e devotados propugnadores da conciliação; na tribuna a defendeu por vezes e a explicou com o seu talento de hábil doutrinário, com as suas grandes exposições de idéias gerais; na prática, não fazendo seleção de pessoas pelas simples recomendações do passado, mas somente atendendo ao merecimento de cada um, mostrou-se o que havia anunciado que seria já na presidência de Pernambuco, já nos seus discursos na sessão de 1853, especialmente quando procurou sustentar a validade do diploma com que então se apresentava como deputado pelo Pará o Sr. Sousa Franco.

Depois desse Ministério, tão preeminente se tornou o conselheiro Nabuco que na nova organização ministerial de que foi encarregado o Sr. visconde de Abaeté, em 12 de dezembro do ano passado, não podia deixar de ser contemplado. Tendo recebido recentemente da coroa a graça da escolha para senador em uma lista que só lhe cabia o terceiro lugar, o Conselheiro Nabuco entendeu que não podia recusar-se ao convite. Embora nisso sacrificasse grandes interesses, aceitou o posto... Não o pôde porém sustentar: reconheceu, dizem-nos pessoas bem informadas, que não se poderia dar entre ele e alguns dos seus colegas a necessária solidariedade; retirou-se pois em 19 de março deste ano.

Ao sair do Ministério, em 1857, o Conselheiro Nabuco alis-tou-se entre os advogados do foro fluminense, onde foi escolhido como devia sê-lo um jurisconsulto tão abalizado; agora, que de novo se acha fora do poder, voltará à sua banca de advogado: ainda aí prestará bons serviços à administração da justiça.

Do caráter nobre e desinteressado do hábil jurisconsulto há uma prova raríssima nos nossos dias.

É de prática que as vagas senatórias que aparecem, quando no poder estão ministros com a idade de 40 anos, pertençam a esses ministros. Ainda livre da influência indébita, a eleição sempre se acomoda em prol do cidadão cujo merecimento está sobressaindo em uma pasta. Nabuco de Araújo tinha ambição mais nobre: desprezando essa prática, no seu longo ministério da Justiça viu sucederem-se sete vagas de senador por províncias onde tinha ele algum título pessoal com que apadrinhasse a sua candidatura; foram essas vagas duas por São Paulo, duas pela Bahia, uma pelo Pará, uma por Pernambuco e uma por Alagoas; o ministro Nabuco não foi candidato. Reservava-se para pleitear a sua candidatura no dia em que não fosse mais ministro, no dia pois em que não lhe pudesse ser exprobrada a interferência oficial. Esse dia chegou enfim: a província do seu nascimento apresentou-o à coroa, em 1858, e a coroa o escolheu.

Eis em breve resumo a vida pública do conselheiro Nabuco. Da sua vida particular apenas nos cabe aqui mencionar o seu consórcio, logo no começo da sua carreira, em março de 1840, com a Sra. D. Ana Benigna Barreto Nabuco, filha legítima do tenente-coronel Antônio de Sá Barreto e D. Ana Felicidade Barreto, irmã germana do marquês do Recife, descendente em linha reta e legítima dos morgados do cabo de Santo Agostinho.