Galeria dos Brasileiros Ilustres/Marquês de Lajes

Wikisource, a biblioteca livre

Ligado ao nome dos contemporâneos ilustres do Brasil, caminhando em iguais categorias, carregado igualmente de serviços, quer no campo da batalha, quer no gabinete da administração, quer no seio da representação nacional, se nos apresenta o marquês de Lajes.

Não é dado ao homem o poder atavessar quatro reinados e uma tempestuosa menoridade, ficar sereno, sobre as ruínas de uma administação a que pertenceu, atravessar incólume por entre as armas e as pocemas frenéticas das revoluções, e dias depois reabilitar-se nos seus altos graus da administração sem que se tenham grandes convicções e provas de haver bem-servido, e de estar perfeitamente preparado para exercer tão altos cargos.

O marquês de Lajes serviu à rainha, ao rei, ao fundador do Império, às regências em nome do imperador, e ao Sr. D. Pedro II. Nesta viagem política e militar através de quatro monarquias e de uma menoridade de três regências e de três diferentes épocas, este nobre soldado fez sempre uma marcha progressiva, uma ascensão triunfal, como passo a enumerar com a maior brevidade. Cada ano de sua vida lhe granjeava um posto, uma maior dignidade.

João Vieira de Carvalho, que de soldado se elevou à patente de tenente-general e de cidadão a marquês, nasceu no ano de 1781 em Olivença, então pertencente a Portugal; era filho do coronel João Vieira de Carvalho e de D. Vicência da Silva Nogueira. Assentou praça de soldado em 1786, de 5 anos de idade, e, sendo reconhecido cadete, foi alferes em 1801, ajudante do 2º regimento de Olivença em 1805.

Estudou no colégio dos nobres, e foi sucessivamente premiado durante o seu curso matemático, como provam os honrosos documentos que possui a sua ilustre família.

Na invasão francesa militou na Península, mas não quis servir às armas do conquistador. Deu-se por incapaz de serviço; e, socorrido pelo marquês de Alorna, veio para o Brasil oferecer ao rei seus talentos e serviços.

No posto de sargento-mor de engenheiros fez as campanhas do Sul dos anos de 1811 a 1812 e de 1816 a 1817. Serviu debaixo das ordens do general Manuel Marques de Sousa, e dos capitães-generais D. Diogo de Sousa e marquês de Alegrete. O seu valor e perícia lhe granjearam lisonjeiras ordens do dia; e na batalha de Catalão foi tal o seu comportamento, que por distinção teve o posto de tenente-coronel: a carta régia de 26 de julho de 1817 é um documento que muito honra a sua memória.

Comportou-se sempre salientemente naqueles rigorosos invernos em que caíram dedos aos soldados, já nos trabalhos das fortificações que dirigia, já nas terríveis viagens que empreendia através do inimigo, atravessando rios caudalosos, perigosos tremedais, e passando da Lagoa Mirim ao Uruguai com uma atividade e zelo que abonam sua coragem e perícia, e que se tornam respeitáveis pelas assinaturas de tantos guerreiros ilustres.

Em 1821 foi o ilustre marquês nomeado comandante militar e diretor da colônia de Nova Friburgo, onde prestou valiosos serviços, e cujo desenvolvimento a ele é devido. Em 1823 foi nomeado fidalgo cavaleiro; em 1824 brigadeiro e oficial do Cruzeiro; em 1825 barão com grandeza; em 1826 conselheiro de estado; em 1827 marechal efetivo; em 1828 conde; em 1829 senador do Império, cuja cadeira ocupou dezoito anos completos, tendo nesse respeitável corpo colhido a honra de se assentar na eminência presidencial.

Todas as vezes que saía do ministério, recebia, apesar de sua demissão, uma nova graça do soberano. Seis vezes foi ministro, das quais, uma ministro interino do Império a 20 de janeiro de 1826; e cinco da Guerra, em 28 de outubro de 1822, 3 de agosto de 1824, 5 de abril de 1831, 1º de novembro de 1836, e 16 de maio de 1839. Homem votado ao país, nunca se negou a servir, uma vez que lhe era ordenado em nome do soberano, cuja protetora amizade se revelava bem distintamente, não só em público, como em correspondências particulares, cujos autógrafos a família do finado marquês conserva, como provas de subido conceito e merecida estima que lhe pordigalizava o monarca o Sr. D. Pedro I.

Na feliz aclamação e sagração do nosso atual Imperador, teve o conde de Lajes a honra de servir de alferes-mor; foi por S. M. I. elevado a grão-cruz de Aviz em 18 de julho de 1841, e a marquês de Lajes em 9 de abril de 1845. Quão difícil é o atravessar este mundo com um nome isento das manchas da calúnia e dos dardos da inveja!

Felizmente para a família deste honrado servidor do estado, existem incontestáveis documentos de sua inteireza e das suas sinceras intenções. Admira a franqueza, a liberalidade e o brasileirismo com que falava ao fundador do Império nos seus pareceres e consultas. De outra parte, se vêem à margem das petições e das propostas, pela própria letra do Sr. D. Pedro I, a sua vigilante proteção e justiça, e os cuidados que ele empregava para que não houvessem preterições.

O marquês de Lajes foi o fundador da escola dos menores no arsenal do exército, e dessa companhia de artífices donde têm saído tão hábeis oficiais de ofício, e tanto amparo aos filhos desvalidos.

Foi ele que reorganizou a fábrica da pólvora e a mandou para a Estrela; foi quem fez da fortaleza de S. João um asilo para os inválidos.

Todas as acusações que pesaram sobre sua memória, de haver concorrido para se intentar uma restauração do governo absoluto, caem diante dos documentos que possui sua nobre família, dos documentos que o colocam na situação mais honrosa, porque o conservam no posto constitucional que havia jurado manter.

Morreu o nobre marquês em 1º de abril de 1847, com 66 anos de idade, deixando à sua família um nome honroso e o exemplo de uma carreira gloriosa e de uma alta posição adquirida pelo trabalho e pela fidelidade.