Galeria dos Brasileiros Ilustres/Visconde de Caravelas

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Confrange-se-nos o coração sempre que aos olhos do povo apresentamos a tela brilhante, onde se acha lavrado o painel das glórias de um vulto gigantesco da nossa história política. A fria lousa do sepulcro tem-se fechado sobre os beneméritos da pátria, e a mocidade de hoje, esquecida talvez da preciosa herança que nos legaram os apóstolos da nossa Independência, e os defensores valentes de nossas liberdades públicas, vê no túmulo não o istmo que prende a terra à eternidade, nem o quadro luminoso onde devemos ler os feitos ilustres dos nossos heróicos antepassados, mas sim o emblema do nada, e a imagem do esquecimento.

O retrato venerando de Manuel Alves Branco ocupa um lugar distinto na Galeria dos Brasileiros Ilustres, e é o mais solene protesto à opinião daqueles que julgam do passado pelo presente.

Manuel Alves Branco, filho do negociante João Alves Branco e D. Ana Joaquina de S. Silvestre, nasceu em 7 de junho de 1797 na cidade da Bahia, onde estudou as primeiras letras, as línguas latina e francesa, a lógica e a retórica. As provas brilhantes que deu do seu talento nas escolas da Bahia levaram sua família a mandá-lo em 1815 para Coimbra, onde se formou em direito e ciências naturais, havendo também freqüentado por três anos o curso de matemáticas.

Regressando em 1824 à sua pátria natal, fez uma viagem ao Rio de Janeiro, donde voltou despachado juiz do crime da cidade da Bahia. O modo satisfatório por que cumpriu os deveres desse cargo durante o espaço de três anos lhe granjeou a nomeação de juiz de fora da vila de Santo Amaro.

O respeito e consideração que a todos inspiravam as qualidades invejáveis de Manuel Alves Branco tornaram-no merecedor do lugar de juiz de fora da Corte, e da honra de ser eleito deputado à segunda legislatura da assembléia geral.

Tomando assento na Câmara dos Deputados, alista-se nas compactas e brilhantes fileiras do Partido Liberal, e em breve mostra na tribuna e no gabinete o mais profundo talento. Manuel Alves Branco é encarregado de confeccionar o Código do Processo Criminal, apresenta vários projetos sobre a judicatura e o sistema eleitoral, pugna pela patriótica idéia das incompatibilidades dos juízes e outros empregados, e assina com o deputado filósofo de sua província a proposta da liberdade completa de consciência e federação monárquica.

O procedimento de Manuel Alves Branco nas duas primeiras sessões da segunda legislatura revela uma alma verdadeiramente liberal. Não é debalde que o ídolo das poesias que nos legou o ilustre baiano é sempre a liberdade.

A maioria da Câmara dos Deputados condenou os projetos de Alves Branco; sempre se esforçou por melhorar os diferentes serviços públicos, e quiseram votar ao desprezo ou esquecimento. Em 1834 e 1855 triunfaram no Parlamento medidas idênticas às propostas por Alves Branco em 1831.

Nomeado contador-geral do Tesouro Nacional, confecciona importantes regulamentos de contabilidade e escrituração por partida dobrada, e em breve é nomeado ministro da Justiça e Estrangeiros. Como ministro, Alves Branco sempre esforçou-se por melhorar os diferentes serviços públicos, e ainda uma vez maldisse o Parlamento por desaprovar a convenção que havia feito com Mr. Fox sobre a repressão do tráfico. Em desinteligência com o regente Feijó, e além disso molesto, retirou-se do Ministério, e voltou à Bahia, que lhe dá a prova mais solene de sua admiração e gratidão honrando-o com um lugar numa lista senatorial.

Escolhido senador em julho de 1837, é chamado para a pasta da Fazenda do Império, recusa a regência interina do Império, quando Feijó, desgostoso do procedimento insólito e inqualificável do partido negreiro, renuncia ao cargo a que o tinha elevado o sufrágio universal. O estadista eminente não se dedigna de ocupar o humilde lugar de membro do Tribunal de Contas depois de haver sido elevado às mais altas posições do estado.

Era tal a reputação de Manuel Alves Branco, que o regente Pedro de Araújo Lima, hoje marquês de Olinda, nomeou-o em 1840 ministro da Fazenda. Nesse caráter introduziu no Tesouro o sistema de contabilidade adotado na França. Voltando ao ministério da Fazenda em fevereiro de 1844, melhorou a arrecadação das rendas e o sistema de ancoragem, e confeccionou a tarifa das alfândegas. Ficou até maio de 1846.

Em 22 de maio de 1847 foi pela última vez chamado aos Conselhos da Coroa como ministro da Fazenda e do Império.

Como funcionário público mostrou Alves Branco uma incor-ruptibilidade descomensurada; como ministro nunca deixou de apresentar medidas importantes sobre as fontes da riqueza nacional; como deputado e senador, foi sempre escolhido para as comissões de maior consideração.

Manuel Alves Branco possuía apenas o oficialato do Cruzeiro, quando o monarca em 2 de dezembro de 1854 lhe conferiu o título de visconde de Caravelas, do qual gozou pouco porque morreu a 13 de julho de 1855.

A sucinta mas verdadeira exposição que acabamos de fazer da vida pública de Alves Branco engendra-nos a convicção profunda de que é merecedor da honra de ser colocado no Panteão de nossas glórias. A província da Bahia, ciosa dos nomes ilustres do grande estadista visconde de Cairu e do distinto literato visconde da Pedra Branca, se ufanará de ver colocada a efígie veneranda do visconde de Caravelas a par dos bustos desses filhos diletos, cujos troféus alcançados na conquista da ciência e das letras lhes abriram o templo da imortalidade.

A posteridade, talvez mais imparcial do que a idade contemporânea, concederá ao cidadão Alves Branco os foros de grande jurisconsulto, eminente legislador, abalizado estadista e profundo economista.

O santuário da poesia abrir-se-á para receber a veneranda estátua de Alves Branco, e a lira de ouro dos poetas calar-se-á ao som das harmonias do verso do baiano, que se glorificou pela admiração que lhe inspiraram as produções dos mais acreditados literatos.

Ainda bem que a pena diamantina de uma das nossas glórias literárias, o Sr. Manuel de Araújo Porto Alegre, já antecipou o juízo que a geração futura tem de proferir sobre o visconde de Caravelas.

A vida pública de Alves Branco não foi senão o reflexo brilhante de sua vida privada. Quem o conheceu faz justiça à maneira por que sempre cumpriu os deveres de esposo e de pai.

As tribulações em que constantemente vivia como homem em extremo escrupuloso no desempenho das comissões de que a bem do povo era encarregado não o impossbilitavam de derramar sobre seus filhos os carinhos de um extremoso pai.

Quantas vezes não ouviu Alves Branco as pessoas que o procuraram tendo nos braços um dos seus mais tenros filhos! Tanta magnanimidade de coração, tanta grandeza de alma, fazem-nos prostrar com a maior humildade ante a campa que encerra o corpo inanimado do visconde de Caravelas.

O homem que no seio da família e em face do povo dá elo-qüentes demonstrações de um bom pai de família e de um cidadão capaz de sacrificar-se pelo bem geral da nação, é merecedor de oblações maiores do que as que mereceu Alves Branco.

A austeridade de costumes, a probidade elevada ao grau de loucura e o caráter severo do visconde de Caravelas dizem a herança que legou à sua progênie.

Os filhos desse homem, cujos gloriosos feitos a mão poderosa do tempo escreveu no livro da História, esquecem as amarguras da pobreza guardando com zelo a imorredoura memória de seu ilustre pai.

Inscrevamos no modesto túmulo de Alves Branco o honroso epitáfio por ele próprio proferido momentos antes de expirar — nasci pobre e pobre morrerei; mas nasci na mediania social, e fui elevado ao fastígio das posições pela magnanimidade de um príncipe que não pergunta pelos avós dos servidores do estado.