Galeria dos Brasileiros Ilustres/Visconde de Pedra Branca

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<bi>A</bi> pena esquiva-se-me em acompanhar os movimentos que a mão he imprime ao traçar este rápido esboço biográfico da vida do visconde de Pedra Branca, a fim de que sirva, ao futuro, de material a algum hábil biógrafo.

Compenetrado da minha incapacidade para um trabalho tão superior às minhas forças, sou contudo forçado a ele pelo dever imperioso da amizade, e o respeito profundo que voto às cinzas do finado visconde.

Carregarei sobre os meus débeis ombros o pesado madeiro e caminharei resignado pela senda escabrosa da amizade, cuja extremidade se perde no infinito.

Domingos Borges de Barros, depois visconde de Pedra Branca, nasceu a 10 de outubro de 1780 na cidade de S. Salvador, capital da antiga e rica capitania da Bahia. Foram seus pais o capitão-mor Francisco Borges de Barros e D. Luísa Borges de Barros.

A pátria dos Caramurus se vangloria de ter nascido em seu seio um cidadão tão distinto.

A aplicação que desde criança se lhe notou aos estudos, demoveu seu pai a mandá-lo estudar humanidades na cidade natal. Concluídos estes primeiros estudos seguiu para Portugal a fim de cursar as aulas de ciências jurídicas e sociais na antiga Universidade de Coimbra, onde recebeu o grau de doutor.

Amigo das ciências, como foi, não lhe era possível desprezar as belas-artes; e estudando os mais decantados poetas antigos, vivendo numa época de apogeu para as musas, cultivando a amizade das celebridades poéticas contemporâneas, tais como Bocage, Nicolau Tolentino, Filinto Elísio, José Agostinho de Macedo e outros, soube fecundar por tal forma seu espírito que era reconhecido pelos homens ilustrados do seu tempo como um distinto filho das letras.

Na deficiência de datas e de alguns pontos essenciais da vida do ilustre visconde de Pedra Branca, socorro-me do que escreveu o Sr. Porto Alegre, na Revista do Instituto Histórico, sobre o vulto que me ocupa:

"O visconde de Pedra Branca, o amável poeta das senhoras brasileiras, depois de haver completado as suas humanidades na Bahia, foi para Portugal, onde tomou na Universidade de Coimbra o grau de doutor em Direito, e fez alguns estudos na Faculdade de Filosofia para os aplicar à agricultura. Herdeiro de uma grande fortuna, que soube conservar, viveu em Lisboa por algum tempo cultivando as musas, em companhia daquela plêiade de poetas que contava em seu número Bocage, Tolentino e J. Agostinho de Macedo.

"Amigo de Hipólito, o redator do Correio Brasiliense, e do laborioso Filinto Elísio, co-participante das idéias francesas, sofreu pela liberdade da sua pátria, e até foi encarcerado.

"Deputado às Cortes portuguesas, erótico por natureza, e amigo de uma lisonjeira nomeada, advogou a liberdade política das mulheres, mas os seus amáveis esforços naufragaram com as tentativas dos discípulos de S. Simão, e a das reuniões promovidas pela duquesa de Abrantes posteriormente; o século não quis abdicar uma parte da sua masculinidade, e as amazonas parlamentares voltaram às almofadas e bastidores.

"Nomeado representante do Brasil em França, teve de lutar para o seu reconhecimento, que implicitamente envolvia o do novo império. Foi em Paris e durante a sua missão que deu à luz dois tomos de poesias oferecidas às senhoras brasileiras por um baiano.

"Eleito senador do Império, na fundação do areópago brasileiro, poucas vezes veio ao Senado; os seus hábitos europeus, e o amor que tinha às viagens o demoraram por longos anos fora da pátria.

"A velhice e as enfermidades o fizeram regressar: o calor inter-tropical é conservador para os velhos valetudinários.

"Como poeta pertencia à escola clássica, mas o seu género favorito, o da sua natureza erótica, o impedia de elevar-se aos arrojos varonis das musas inflamadas; purista e suave metrificador, gozará por muito tempo de boa nomeada. Pesa-me o não ter lido até hoje a sua última obra — Os túmulos.

"Alguns escritos deveria ter deixado, porque fora laborioso, porém é tal ainda o estado de nossas coisas a respeito desta matéria, que de nada sabemos pelo momento."

Não foi pela literatura unicamente que se distinguiu o visconde de Pedra Branca: importantes foram os serviços de outra categoria que prestou à pátria.

A negociação do casamento da princesa Amélia na corte de Leuchtenberg com S. M. o Imperador Pedro I foi de tanto alcance, e tão dignamente se houve ele nessa emergência, que mereceu as graças daquele grande monarca, que o condecorou com a grã-cruz da imperial Ordem de Cristo.

Anteriormente, o fundador da dinastia brasileira houve por bem recompensá-lo dos serviços de outra natureza, com o título de barão da Pedra Branca, tendo, posteriormente, o de visconde do mesmo título.

Além da grã-cruz que tão justamente lhe guarnecia o colo, sobressaíam ainda a grande dignitaria da Ordem da Rosa e a comenda da Ordem de Cristo.

Quando em Portugal, logo após seu doutoramento, casou-se (1814) com D. Maria do Carmo de Gouveia Portugal.

Depois de ter percorrido alguns países importantes do velho mundo, já em caráter oficial, já como simples particular, e quando a idade fazia-se sentir dos rigores do inverno europeu, regressou ao país natal, prestou importantes serviços, especialmente à agricultura, que tanto prezava, a qual era por ele considerada como principal manancial da nossa riqueza.

Operário incansável, escreveu muito, porém, quase todo esse trabalho a modéstia roubou ao domínio da publicidade, restando-nos apenas o seu volume Poesias dedicadas às senhoras brasileiras, e o seu poema — Os túmulos.

Domingos Borges de Barros era um homem de estatura regular, bem proporcionado, de forte compleição, traços regulares, e de uma fisionomia agradável. A ele era bem cabido o espirituoso dito de Isabel, a Católica: "A natureza e a educação formam os gentis-homens; o nascimento e a posição os contrafazem". O seu aspecto exterior infundia respeito, e o seu trato um sentimento de amizade. Os incautos se iludiam, porque sob aparências tão calmas e amáveis cuidavam encontrar uma alma timorata, pelo contrário, todo ele era a energia refle tida, a tenacidade tranquila.

Faleceu Domingos Borges de Barros a 21 de março de 1855, com 75 anos de idade, em um dos últimos graus da escala social.

Foi deputado, senador do império, viador de SS. AA.. Imperiais, visconde de Pedra Branca, ex-ministro em Paris, grã-cruz da imperial Ordem de Cristo, comendador da mesma ordem, dignitário da Ordem da Rosa, membro de diversas sociedades científicas e literárias de Paris, membro do Instituto fíistórico Brasileiro, etc.

Foi um grande vulto, e como tal é digno de figurar na galeria dos contemporâneos.