Girândola de Amores/XIX

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Só às sete e meia conseguiram alcançar a casa. Todos os esperavam com ansiedade. Augusto havia chegado muito antes, mas ao saber que os dois companheiros não tinham aparecido, e receoso de que estivessem perdidos no campo, voltou à procura deles e trouxe-os consigo. Olímpia, com grande espanto geral, longe de chegar aborrecida e contra­riada, entrou em casa muito satisfeita, atirou-se rindo aos braços do pai, e ordenou gracejando ao hoteleiro que lhe servisse o jantar.

Vinha tão expansiva e folgazã que a todos causou verda­deira surpresa. O sol emprestara-lhe às faces um vivo cor-de-rosa, que lhe enfeitava o rosto com muita graça; os seus olhos jamais luziram com tanta vida, e ela toda nunca parecera tão bem disposta e tão sã.

O comendador, que havia passado o dia em sobressaltos com a demora da filha, era de todos o mais encantado por aquela metamorfose. Olímpia parecia-lhe agora como nos bons tempos, quando governara com o espírito toda a socie­dade em que se achasse.

— O Dr. tinha razão! dizia o velho consigo; os exercícios são de evidente efeito! Hei de fazê-la, uma vez por outra, visitar a gruta! Se as melhoras continuarem deste modo, em breve tenho minha filha perfeitamente curada!

E o comendador chorava de alegria.

O jantar foi de uma animação sem exemplo na Avenida Estrela; os mesmos hóspedes que haviam comido já, voltaram à mesa atraídos pelas gargalhadas explodidas em torno da descrição que Olímpia fazia do seu passeio. Gregório, entre­tanto, não parecia o mesmo: estava abatido e concentrado. Por duas vezes seus olhos cruzaram-se no ar com os da caprichosa senhora, e ele por duas vezes os abaixara, dominado pelo mais estranho acanhamento.

— Pois eu pensei que chegasses aqui sem uma hora de vida! observou o pai, embebido a olhar para a filha, enquanto lhe servia a sobremesa.

— Nunca me senti tão bem disposta! respondeu ela, a estender o copo ao Falconnet para que lhe desse vinho. Sinto-me tão bem que estou resolvida a ir hoje a qualquer teatro!

— Que dizes?! exclamou o comendador, arredando a cadeira, com um salto.

— Que espanto! observou a rir a filha.

— Se te lembra cada loucura!

— Oh! Pois não é o senhor mesmo que me tem pedido todos os dias para ir aos teatros, aos bailes e aos passeios?...

— Sim, mas não depois de um dia como este!...

— Pois em outra qualquer ocasião não me lembraria semelhante coisa. Se recusei das outras vezes e aceito agora, é porque só agora tenho vontade de ir...

— Mas é que talvez venha a fazer-te mal!...

— Isso mesmo me dizia o senhor antes do passeio à gruta.

— Não desejo contrariar-te, mas...

— Vai sempre me contrariando, não é verdade?

— É que já são oito horas; tu deves naturalmente estar muito fatigada e...

— Ora, valha-me a paciência! Sinto-me, ao contrário, perfeitamente disposta.

E Olímpia, ameigando o pai, ordenou-lhe que se fosse vestir.

O comendador obedeceu, a dar de ombros. Papá Falcon­net trouxe para a mesa os jornais do dia e discutiu-se qual seria o espetáculo preferível. Olímpia, sem se pronunciar por nenhum, recolheu-se ao quarto com a criada, enquanto ia chamar-se um carro e às dez horas partia com o pai para a cidade.

Em caminho decidiram-se pelo teatro S. Luís, onde trabalhava essa noite o Furtado Coelho, mas, no momento de comprar os bilhetes, Olímpia tomara outra resolução: queria ir ao Chiarini.

E o carro voltou para a Guarda Velha.

Funcionava o segundo ato, quando ela entrou no circo pelo braço do pai. Havia uma grande enchente; o entusiasmo explodia por toda a parte e todos os lados gritavam:

— Scott! À cena o Scott!

Dois sujeitos de libré azul com alamares dourados condu­ziam para o interior do teatro um cavalo que acabava de servir. Muitos espectadores estavam de pé. Das galerias trovejava um barulho infernal: batiam com as bengalas, com os pés; gritavam, gesticulavam. E por entre aquela descarga contí­nua e atroadora, só um nome sobressaía, exclamado por mil vozes:

— Scott! Scott!

Olímpia sentiu-se aturdida no meio daquele pandemônio. De repente, um grito uníssono partiu da multidão estalaram de novo as palmas, choveram os chapéus, agitaram-se os lenços, arremessaram-se os leques, os ramalhetes e as bengalas.

Scott havia reaparecido.

— Bravo! gritavam. Bravo!

E os aplausos estouraram com mais intensidade.

— Bravo, Scott! Bravo, Scott!

O acrobata, que entrara de carreira, parou em meio do circo, aprumou o corpo, sacudiu a cabeleira, e, voltando-se para todos os lados, atirava beijos e agradecia sorrindo, entre uma tempestade de aplausos.

Era um belo americano, rijo, atlético, ágil e robusto ao mesmo tempo. Olímpia, do lugar em que estava, via-lhe perfeitamente o azul dos olhos, a linha pura do perfil e a cintilação dos dentes.

Ele, depois de agradecer, estalou graciosamente os dedos e despediu-se, a dar cambalhotas no ar.

Rebentou de novo a tempestade das palmas, e as bocas dispararam uma sonora descarga de bravos.

Olímpia, entretanto, com a cabeça pendida para frente, olhar fito, a boca mal cerrada, caía na sua habitual tristeza e parecia a tudo indiferente.

Quando se retirava do teatro com o pai, um menino à saída apregoava a dez tostões, fotografias de Scott.

Ela comprou uma.

No dia seguinte, levantou-se muito tarde e de mau humor. Sua primeira frase, quando se encontrou com o pai, foi para lhe dizer que não ficava nem mais um dia na Avenida Estrela.

— Fizeram-te alguma coisa? perguntou o extremoso velho, esquecendo-se por um instante do prazer que lhe dava aquela resolução.

O comendador estava, como se costuma dizer, pelos cabe­los, para deixar a casa do Papá Falconnet. Olímpia respon­deu que não, com um gesto de cabeça, e acrescentou depois muito aborrecida:

— Estou farta de tudo isto! Preciso sair daqui quanto antes!

— Como quiseres, minha filha!

E ficou resolvido que partiriam naquele mesmo dia. Às duas horas da tarde apareceu o Dr. Roberto; o comendador tomou-o de parte e relatou-lhe minuciosamente as caprichosas mudanças de humor que a filha experimentara desde a véspera.

O médico ficou pensativo depois de o ouvir.

— A que horas voltou ela do tal passeio? perguntou afinal.

— Às sete e meia da noite.

— Jantou logo que veio?...

— Logo, e com uma boa disposição que há muito tempo não tinha. Depois quis ir ao teatro, coisa de que ela não podia ouvir falar...

A que teatro foram?

— Ao circo, ao Chiarini.

— Ah! resmungou o médico. Talvez ficasse nervosa à vista dos equilíbrios arriscados.

— Não sei... disse o pai; o fato é que ela estava ontem muito bem disposta e hoje, ao contrário, está impertinente como nunca!

E, depois de se conservarem ambos calados por algum tempo, o comendador acrescentou:

— Agora entendeu que não pode suportar mais esta casa e quer mudar-se hoje mesmo.

— E o comendador está resolvido a fazer a mudança?

— Pois não! já está tudo pronto. Partiremos daqui a pouco.

Olímpia apareceu já em trajos de sair. O Dr. Roberto foi pressurosamente ao seu encontro e perguntou-lhe pela saúde.

— Assim... respondeu ela sacudindo os ombros. Estou muito aborrecida.

— Tem tido dores de cabeça?...

— Um pouco, mas ontem passei muito melhor.

— Por que não dá de vez em quando um passeio como o de ontem? Eles lhe são de grande utilidade!...

— Talvez não seja tanto assim...

— Voltou muito fatigada?

— Muito menos do que supunha. Quando cheguei à gruta, sim, estava tão prostrada, que me parecia impossível voltar a casa.

— Veio depois a reação?

— É verdade, e fiquei então muito bem disposta.

— Foi em companhia de muita gente?

— A princípio, respondeu Olímpia, impacientando-se com as perguntas insistentes do médico; depois ficamos três, apenas.

E, como se quisesse fugir daquela conversa, saltou logo para outros assuntos muito diversos, e afinal pediu licença e afastou-se quase com arremesso.

O médico a viu ir, pensativo.

— É esquisito! disse ele consigo, e passou a prestar atenção ao Papá Falconnet, que ao seu lado lhe fazia rasgados cumpri­mentos em francês. O hoteleiro precisava que o doutor fizesse uma visita a um de seus locatários que amanhecera doente.

Tratava-se de Gregório. O médico foi conduzido ao quarto deste. Entrou quase às apalpadelas, porque vinha da grande claridade de fora. Só ao fim de algum tempo começou a distinguir o que tinha defronte dos olhos. Papá Falconnet o acompanhava, sempre a desfazer-se em cortesias e palavras agradáveis.

— Abra um pouco aquela janela, recomendou-lhe o médico.

Falconnet correu a cumprir a ordem.

Gregório estava assentado na cama, com os travesseiros entalados nas costas. Tinha o ar muito abatido e preocupado.

— Quem é? perguntou ele, ao sentir os passos do médico.

— É o doutor, respondeu Falconnet, entrando. Veio ver D. Olímpia e aproveitou a ocasião para fazer-lhe uma visita.

— Que tem ela? interrogou o rapaz.

— Está, como sempre, sofrendo dos nervos, explicou o Dr. Roberto.

— Mas não tem alguma novidade?

— Não, disse o médico sacudindo os ombros.

E, assentando-se à cabeceira do doente, indagou do que este sofria.

— Indisposição de corpo, respondeu Gregório. Nem valia a pena o incômodo de vir cá. Afinal não estou doente...

O Falconnet havia se aproximado e explicava que aquilo devia ser da soalheira apanhada na véspera.

— Ah! o Sr. foi ao tal passeio da gruta? perguntou-lhe o médico.

— É verdade, respondeu o enfermo.

O Falconnet principiou então a narrar o que a respeito do passeio ouvira na véspera contado por Olímpia.

— A ela entretanto fez bem!... considerou o Dr. Roberto, tomando o pulso de Gregório. E depois de examiná-lo, recei­tou e prometeu voltar.

Olímpia retirou-se com o pai nesse dia, como estava combinado. Não se despediu de Gregório, mas o comendador foi à procura dele para agradecer o incômodo que tomara o rapaz na véspera com a filha.

Gregório ficou surpreendido com a notícia da partida de Olímpia. Não podia acreditar! Pois ela ia assim, sem mais nem menos, sem lhe dar uma palavra, como se nada tivesse havido entre eles dois?...

Entretanto o comendador lhe oferecera a casa, e Gregório pensava com prazer em aproveitar esse obséquio. No dia seguinte, sem ter aliás experimentado melhoras, levantou-se da cama, vestiu-se e saiu. Na ocasião em que ganhava a rua deu com o Dr. Roberto, que o ia visitar.

— Pois o senhor já de pé? perguntou-lhe este com um gesto de censura.

— Estou perfeitamente bom, respondeu o outro.

— Não me parece. Ainda ontem tinha febre...

— Não era coisa de monta... O passeio há de fazer-me bem. Vou visitar o comendador.

— Ah! nesse caso vamos juntos; eu tencionava também ir para lá quando daqui saísse.

E os dois começaram a descer a rua do Rio Comprido. O Dr. Roberto ia preocupado: a singular moléstia de Gregório e aquela pressa do rapaz em visitar, ainda doente, o comendador; as melhoras efêmeras de Olímpia, a circunstância de haver Gregório tomado parte no passeio à gruta; tudo isso dava tratos à imaginação do médico.

— Ah, rapazes, rapazes, dizia ele consigo. E oh, mulhe­res! mulheres!

Em casa do comendador foram surpreendidos por uma novidade: Olímpia não queria ficar em Botafogo e exigia agora que o pai a levasse para a Tijuca.

Estavam tratando da nova mudança quando os dois entra­ram. Olímpia recebeu Gregório com muita frieza, mal lhe deu as pontas dos dedos e não lhe dirigiu palavra durante o tempo em que estiveram juntos. Parecia que nunca houvera absolu­tamente nada entre eles. Gregório ficou enfiado; no seu racio­cínio aquele procedimento significava nada menos que cinismo. Olímpia aparecia-lhe agora ao espírito como uma mulher vulgar, friamente dissimulada e capaz de todas as hipocrisias. Mas se ela o tratava desse modo, o comendador, pelo contrário, procurava cercá-lo de obséquios e cortesias.

— Apareça-nos sempre, dizia o bom velho. O senhor dá-nos muito prazer com a sua visita.

Gregório chegou a casa possuído de um aborrecimento extraordinário; tudo o enfastiava, tudo o constrangia. Já não podia suportar as palestras do Papá Falconnet, quando este disparava no seu entusiasmo a falar de Bonaparte; já não encontrava prazer nos jogos de exercício com os outros rapa­zes da Avenida. Tudo o contrariava, tudo o enchia de tédio, porque tudo lhe recordava a ausência de Olímpia.

O velho divã da sala de jantar, onde ela às vezes se quedava esquecida com um livro abandonado no regaço, as flores que ela preferia para as suas jarras, a escada em que ela subira no momento em que Gregório a viu pela primeira vez; tudo o atormentava, tudo o mergulhava numa nostalgia insuportável e sem fundo. Quanto mais se convencia de que ela o desprezava; quanto mais se compenetrava de que ela o não queria; mais assanhado o desejo lhe trincava o coração e lhe chibateava os sentidos.

O Dr. Roberto foi o único que compreendeu tudo isso.

Nestas condições Gregório resolveu abandonar a Avenida Estrela. A preocupação do seu amor infeliz absorvia-lhe a melhor parte da atividade; já não estudava, pouco trabalhava, sentia-se ir enfraquecendo e acovardando todos os dias. O desgosto secara-lhe a coragem com que até aí cometia qualquer empresa e que lhe assegurava o bom êxito antes de dar o primeiro passo. Estava mais magro, mais descorado e mais tímido.

O Dr. Roberto principiou então a interessar-se por ele. Gregório piorava, só um bom tratamento o salvaria; o pobre moço tinha os pulmões fracos e predispostos para a tísica, porque, participando moralmente do caráter generoso e do gênio dócil de Cecília, herdada, pelo lado paterno, as conse­qüências mórbidas da vida libertina de Pedro Ruivo.

O médico, quando o viu em risco de vida, carregou com ele para casa e transformou-o no objeto dos seus cuidados. É que Roberto ainda não tinha família e precisava dedicar a alguém essa porção de ternura e generosidade que traz consigo todo o coração bem construído, pronto a franqueá-lo ao primei­ro que se apresente disposto a conquistá-la. Em pouco tempo os ligava a mais inquebrantável amizade.

E, de resto, não era difícil amar Gregório: ele dispunha em alto grau dessa irresistível simpatia, que é como o perfume das almas cândidas e que em geral se manifesta pelo sentimento da justiça. Não tinha os encantos brilhantes do homem de talento; não possuía a capitosa sedução de um espírito original e criador, mas cativava com a doçura da sua voz, com a simplicidade dos seus costumes e com a meiga ingenuidade do seu coração. Ele não deslumbrava, mas seduzia.

No fim de algum tempo o Dr. Roberto tinha por ele a afeição que se pode ter por um filho adotivo. O comendador Ferreira, a quem Gregório freqüentava com mais assiduidade depois que se restabeleceu, fora também pouco a pouco se penetrando do mesmo sentimento pelo rapaz e acabou por não poder dispensar a companhia dele.

Só faltava Olímpia, mas a respeito desta não devemos adiantar idéia, sem primeiro voltarmos ao ponto em que a deixamos à saída do espetáculo. Todavia, para fazer justiça a Gregório, convém declarar que este, ao saber com certeza da posição da sua bem-amada, e logo que reconheceu a afeição com que o comendador o acolhia, se sentiu envergonhado e tratou de retrair os impulsos que o impeliam para Olímpia. Foi o pior. É muito perigoso contrariar uma mulher nas circunstâncias daquela. Mas deixemos por enquanto tudo isso de parte e vamos colher a caprichosa filha do comendador na ocasião em que ela entra no carro que a esperava à porta do circo Chiarini.

O pai havia já por duas vezes lhe dirigido a palavra, perguntando-lhe o que a fazia preocupada e triste. Olímpia respondera sacudindo os ombros, e durante o caminho não articulou palavra.

Mal, porém chegou ao seu quarto, atirou-se sobre o divã e abriu a chorar com desespero.

A nova casa que eles foram habitar na Tijuca era um pequeno e elegante chalé pintado de azul, com guarnições de mármore branco. Havia no jardim um belo renque de palmei­ras, que ia desde o portão de ferro até à varanda da sala de visitas.

Olímpia quase nunca se mostrava agora, comprazia-se em ficar no quarto, entretida com algum romance ou a bordar à luz da janela. Saía às vezes à noite com o pai, para ir ao circo Chiarini, mas isso mesmo já principiava a enfará-la. Gregório ia aos domingos jantar com eles; a senhora o tratava com frieza, e muitas vezes nem vinha à sala. O Dr. Roberto teve de fazer uma viagem ao norte e partira, deixando a roda do comendador mais reduzida e mais fria. Olímpia piorava.

Uma vez estavam no circo, ela, o comendador e Gregório. Olímpia não dava uma palavra; tinha os olhos presos em Scott. O acrobata fazia nessa ocasião o seu melhor e mais arriscado trabalho.

Era a sorte dos vôos. Tomava um trapézio, deixava-se arrebatar por ele, depois soltava as mãos, dava uma camba­lhota no ar e ia agarrar-se afinal a um outro trapézio que o esperava do lado oposto.

A cada um desses saltos seguia-se uma explosão de palmas.

Scott havia já por duas vezes feito o seu vôo arriscado, faltava-lhe só o último e o mais difícil. Consistia este no mesmo que os primeiros, com a diferença de que o acrobata, em vez de se arrojar de frente, tinha de atirar-se de costas e voltar-se no espaço para alcançar o trapézio fronteiro.

Scott assomara no trampolim armado além das torrinhas, ao pé do teto. Havia um grande silêncio comovido nos espectadores, os corações batiam com sobressalto. Todos os olhos estavam cravados na esbelta figura do acrobata, que, lá do alto, nas suas roupas justas de meia, parecia uma bela estátua de mármore. Destacava-se-lhe bem o peito largo e abaulado, via-se-lhe a riqueza dos braços e a nervosa muscula­tura das coxas.

Scott tomou o trapézio com uma das mãos, enquanto limpava com a outra o suor da testa; depois colocou o lenço a cintura, esfregou pez nas palmas das mãos e agarrou-se ao braço do trapézio. Ouvia-se a respiração ofegante do público. Scott sacudiu o corpo, experimentou o trapézio e deixou-se arrebatar por este, de costas. Em meio do círculo desprendeu-se, gritou: "Hop!", deu uma volta no ar, e lançou-se de braços estendidos para o outro trapézio. Mas o vôo fora mal calcula­do e o acrobata não encontrou onde agarrar-se.

Um terrível bramido ecoou por todo o teatro. Viu-se a bela e máscula figura de Scott, solta no espaço, virar para baixo a cabeça e cair estatelada no chão, com as pernas abertas. O recinto do circo encheu-se logo. Nos camarotes mulheres desmaiavam em gritos; algumas pessoas fugiam do teatro, espavoridas como se houvesse um incêndio; outras jaziam pálidas, a boca aberta e a voz gelada na garganta. Ninguém mais se entendia; davam-se encontrões. Nas torri­nhas passavam uns por cima dos outros para poder ver se distinguiam o acrobata. Este, entretanto, sem acordo e quase sem vida, agonizava por terra, a vomitar sangue.

Olímpia, sem saber como, estonteada, trêmula da cabeça aos pés, achou-se ao lado dele. Ajoelhou-se no chão, tomou a cabeça do acrobata e pousou-a no regaço.

Scott estremeceu, esticou os membros, torceu a cabeça para trás, revirou os olhos, contraiu a boca e deu o último suspiro.

Olímpia soltou um grito, caiu de costas e começou a estrebuchar.