Girândola de Amores/XVI

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Uma semana depois, Gregório havia já travado relações com os dois novos hóspedes e possuía alguns esclarecimentos a respeito deles, se bem que o velho, isto é, o comendador Ferreira, por índole natural se mostrasse com todos muito reservado.

A senhora que o acompanhava era sua filha; chamava-se Olímpia e vivia, havia já quatro anos, separada do marido, aquele mesmo sujeito, caixa da casa Paulo Cordeiro, que vimos queixar-se na secretaria de polícia, ao delegado Benevides, do roubo que acabava de sofrer o referido estabelecimento. Foi esse sujeito quem chamou sobre Gregório a atenção das auto­ridades policiais.

Olímpia era um espiritozinho muito caprichoso. Educada sentimentalmente, nunca chegara a compreender a vida posi­tiva que lhe oferecia o marido e nunca se identificava com os interesses deste e com o seu caráter prático. Daí nasceu a separação. Mas o pai, a quem não faltavam recursos e que seria capaz de tudo sacrificar por amor da filha, não hesitou em recebê-la nos braços e fazer dela toda a preocupação e todo o encanto da sua velhice.

O pior porém é que, depois da separação, Olímpia principiou a padecer extraordinariamente dos nervos. Dentro de seis meses logo se lhe operou grande mudança em todo o corpo; ficou muito mais magra, mais pálida e mais apreensiva e afinal caiu em tal abatimento, que o velho teve sérios receios de perdê-la. Ela já não ria, já não gostava como dantes de conversar com as amigas, já não pulava de contentamento quando lhe traziam o camarote do lírico ou algum novo romance do Alencar, e nem mais pensava em danças e modas. Seu piano adormeceu abandonado a um canto do salão, e ninguém mais lhe ouviu uma daquelas romanças de que a sua bela voz tirava tanto partido.

As amigas de má língua, quando souberam do seu rompi­mento com o marido, bradaram logo que tal fato era de esperar, e profetizaram que Olímpia principiaria, depois disso, a cultivar abertamente a sua paixão pelo luxo e pela opulência. Pois saiu tudo ao contrário; desde a desunião do casal, o vulto encantador da festejada senhora desertou, por uma vez, dos salões do Cassino e dos grupos aristocráticos das suas relações. Ninguém mais aprendeu com ela a pôr ou tirar uma capa, a trazer um novo chapéu, a escolher uma flor, a combi­nar duas cores num vestido ou a servir uma chávena de chá.

— Estará apaixonada pelo marido?... perguntava-se à boca pequena. E esta pergunta provocava as mais desencon­tradas respostas. Uns admitiam perfeitamente tal esquisitice, considerando o gênio caprichoso de Olímpia; outros negavam, lembrando o tipo vulgar e peco do marido; alguns falavam de uma paixão romântica, que teria justamente sido a causa do divórcio; outros afirmavam que a impostora só desejava armar ao efeito e chamar sobre si a atenção de todos. E assim se inventaram mil romances, predominando sempre a singular hipótese de que Olímpia estivesse deveras apaixonada pelo esposo. Mas desnortearam logo, quando souberam por fonte limpa, que este acabava de propor à mulher uma boa reconci­liação e que tal proposta fora prontamente rejeitada. A verda­de é que ela não mais apareceu em nenhuma festa, e nunca mais mandou iluminar a sala nas quintas-feiras, que era o seu dia de recepção. E como se ainda não bastasse tudo isso e receasse que as antigas amizades a fossem importunar no seu isolamento, exigiu do pai que a tirasse de Botafogo para um lugar modesto e sem vizinhos.

O comendador Ferreira recuou assombrado.

— O quê, minha filha?! perguntou ele muito comovido. Que caprichos são esses? pois já não chega a reclusão em que vives?... Tu, tão moça, tão bela, tão querida da sociedade, queres enterrar-te, em um lugar obscuro, ignorado... Para quê e por quê?! Não tens vergonha que te impeçam de aparecer publicamente!... não tens desgostos que te privem de gozar!...

E o velho, depois de passear muito agitado, acrescentou:

— Não! isso lá, tem paciência, não se há de fazer! Ir para um lugarzinho modesto!... que idéia!... Antes entrar logo para um convento!

— Quem sabe mesmo se não seria melhor!... disse Olímpia, com os olhos cravados no ar.

— Melhor o quê, minha filha?... Não quero que te mortifiques dessa forma! Fala-me antes com franqueza; abre esse coração a teu pai, dize-me o que sofres! se te falta alguma coisa, confessa-me tudo! Sabes quanto te amo; sabes que tu és toda a minha vida, toda a minha felicidade! Não vês que estou comovido?... não vês que tu me matas com essa tua mágoa fechada e egoísta?...

E o pobre velho não pôde continuar, porque a comoção lhe cortara com efeito a voz. E, com medo de provocar à filha alguma crise nervosa, procurou mostrar-se tranqüilo e principiou a afagar-lhe brandamente os cabelos; mas Olímpia sacudiu com frenesi a cabeça e atirou-se nos braços do pai, com uma explosão de soluços.

— Então, minha filha, que é isto?... Vamos! não te aflijas deste modo!

Ela, porém, nada respondia e continuava a soluçar histe­ricamente.

Terminada a crise, Olímpia caiu num grande abatimento. Embalde procurava o pai distraí-la, falando-lhe de tudo o que lhe vinha à fantasia; ela continuava na sua postura indiferente, a estalar suspiros na garganta e a menear tristemente a cabeça de um para outro lado.

À noite, por chamado do velho, viera o Dr. Roberto, a quem o leitor já conhece; Olímpia sobressaltou-se com a visita.

— Ora! para que chamar médico?!... disse ela, visivel­mente contrariada, quando o pai a foi prevenir de que o doutor a esperava na sala.

E acrescentou, sem sair do lugar em que se achava:

— Eu não estou doente! Eu não preciso absolutamente de médico.

— Bem, considerou o comendador, procurando abrandá-la; não recebas o médico, mas isso não impede que fales ao Dr. Roberto. Sabes que de é amigo velho da casa. Não seria bonito que...

— Ora, senhores! eu não estou para visitas!...

— Mas, minha filha, isto é uma questão de delicadeza!...

— Aí está por que desejo esconder-me em qualquer modes­to retiro... É para não ser apoquentada constantemente por semelhantes importunos!... Sempre a delicadeza! sempre a cortesia! sempre as exigências sociais! Mas que diabo tenho eu com tudo isso?! Acaso peço à sociedade mais alguma coisa além de que me deixe em paz e não me aborreça?!

E depois de assentar-se a uma mesinha e apoiar a cabeça na mão esquerda, principiou a bater nervosamente com o pé no tapete.

— É muito boa! exclamou ela afinal, com a cara fechada. Não procuro ninguém não cultivo amizade de espécie alguma! por que então não me deixam ficar em paz?!

E voltando-se para o pai, disse resolutamente:

— Não apareço ao Dr. Roberto! Para o médico estou de perfeita saúde e não preciso dele; para o amigo da casa estou doente e não posso recebê-lo!

— Mas, minha filha, disse o comendador, beijando-a na cabeça; tu te precisas tratar... Não te quero ver assim frené­tica e aborrecida. Vamos, vem ver o Dr. Roberto...

— Tem muito gosto nisso? perguntou ela, passando o braço na cintura do pai.

— Se tenho, meu amor...

— Bom; então faça-o entrar...

O médico declarou que Olímpia precisava de um bom regime; que estava muito anêmica e muito debilitada. Falou da alimentação, lembrou os calcários, os ferruginosos, reco­mendou os banhos de mar, os passeios ao ar livre e as distra­ções do espírito.

— Exercício! bastante exercício! dizia ele; e de vez em quando um pouco de música, não da italiana, da alemã, da boa música alemã! Mas o que ele entendia mais conveniente era uma viagem à Europa. Olímpia precisava tomar interesse por qualquer coisa. Ela estava muito mais enferma do que supunha e tinha os nervos em petição de miséria!

E, quando ficou só com o velho, disse-lhe em voz baixa:

— Não é bom contrariá-la!... naquilo que o Sr. lhe puder fazer a vontade, faça! Se ela tiver algumas fantasias, alguns caprichozinhos, procure satisfazê-los! A contrariedade podia vir a prejudicá-la extraordinariamente e talvez ocasionar um desarranjo cerebral.

— Minha filha então está muito mal, doutor?! Fale com franqueza! disse o comendador em sobressalto, aparando com os olhos as palavras que caíam da boca do facultativo.

— Hum! hum!... resmungou este, a bambalear a cabeça.

E depois de fitar por algum tempo as tábuas do teto, disse batendo com a biqueira do guarda-chuva na ponta da botina:

— Esta senhora precisava fazer as pazes com o marido! Isso é que seria o verdadeiro remédio...

— Acha, então, Dr.?...

— Indispensável!... disse o médico, dilatando a palavra e os olhos.

— E é justamente o que ela não quer! balbuciou o pai de Olímpia, com um ar triste. Ainda ontem falaram-lhe nisso e ela teve um acesso nervoso...

— Sim, mas talvez venha a resolver-se!...

— Qual! tornou o velho; conheço aquele geniozinho: quando lhe dá a cabeça para um lado, não há quem a tire daí... Saiu nisso tal qual a mãe... Teimosas como só elas!

— Em todo o caso, acrescentou o médico, despedindo-se do comendador, ela não perdia nada em fazer uma viagem... E, já ao sair, ainda repetiu da escada: Não se esqueça! Distrações, exercícios, boa alimentação e banhos de mar!

O velho voltou para o lado da filha, com a cabeça baixa e as mãos nas algibeiras do seu rodaque.

— Sabes? disse logo que chegou perto dela; vamos à Europa...

— Hein?! perguntou a rapariga, arregaçando os lábios e franzindo o belo narizinho.

— Sim... respondeu o pai; o Dr. Roberto acha que devemos fazer uma viagem...

— Aí está por que eu não queria visitas de médico! excla­mou ela. Eu não saio do Rio de Janeiro! Logo vi que havia de aparecer alguma contrariedade!

— Bem, minha filha, não falemos mais nisso! Ele, coitado! se recomenda uma viagem, é porque acha naturalmente que isso te aproveitaria. Ora! também estás agora com umas esquisitices que...

— Que se não podem aturar! Não é isso o que o senhor quer dizer, meu pai?!

— Não senhora, não é isso! nem admito que estejas agora aqui a imaginar tolices. Não queres fazer a viagem, pois não a faremos!... E o mesmo sucederá com os banhos, com os passeios e com as distrações!...

No dia seguinte o comendador falou em três meses de Petrópolis. Estava aí o verão e não havia necessidade de suportar o calor da Corte.

— Não quero ir, respondeu laconicamente a filha.

E não se falou mais nisso.

Foram depois lembrados outros passeios, mas Olímpia recusou-os igualmente.

— Para onde então queres ir? perguntou o velho, lembran­do-se da recomendação que lhe fizera o médico de a não contrariar.

— Não sei, disse ela sacudindo os ombros. Podemos passear todos os dias de manhã aqui mesmo pela Corte. Iremos hoje a um arrabalde, amanhã a outro... Quanto aos tais banhos, não! deixemo-nos de banhos de mar!

No dia seguinte o comendador tratou de adquirir sege e alimárias próprias para os passeios campestres. Sairiam cedo de casa e, quando estivessem em pleno campo, entrariam a andar de pé por entre a vegetação. Olímpia não podia supor­tar o bonde e tomara medo de montar a cavalo desde que abriu a sofrer dos nervos.

Uma vez passeavam pelo Rio Comprido. O carro ficara com o cocheiro à espera no caminho da Tijuca. Olímpia pelo braço do pai, caminhava vagarosamente, entretida a olhar para os objetos que a cercavam. Em certa altura parou, impres­sionada por um canto monótono, que lhe chegava aos ouvidos de modo estranho.

— Que é isto?... perguntou ao comendador.

— Devem ser os trabalhadores de alguma pedreira por aqui perto. É assim que eles cantam quando brocam a pedra, para lhe introduzir a pólvora e lançar fogo depois.

— Ah! disse Olímpia muito interessada. E onde é a pedreira?...

— Não sei, mas é naturalmente para este lado. É daqui que vem o canto. E o velho apontou para a sua direita.

— Vamos lá! propôs Olímpia.

O pai não se animou a contrariá-la e os dois continuaram a caminhar na direção do canto dos trabalhadores.

Depois de andarem por algum tempo, acharam-se com efeito à fralda de uma grande pedreira, que fica situada aos fundos da Avenida Estrela.

Olímpia parou dominada pelo espetáculo grandioso que tinha defronte dos olhos. A montanha com o seu ventre já muito retalhado, surgia da terra, como um gigante de pedra, e arrojava-se, imponente para o céu. Via-se o âmago branco e azulado da rocha reverberar aos primeiros raios do sol. Embaixo amontoavam-se as enormes avalanches de granito, ruídas e arrojadas impetuosamente pela explosão da pólvora. De todos os lados, ouviam-se a trabalhar o picão e o macete; e além, sobre o calvo píncaro da montanha, quatro homens cantavam agarrados a um imenso furão de ferro com que penosamente abriam uma nova mina.

Todas as vezes que suspendiam a pesada barra de ferro, repetiam o seu coro monótono e triste, que ouvido de longe, parecia uma súplica religiosa.

Foram esses os sons que impressionaram Olímpia. E, com efeito, havia algum encanto melancólico, naquela cansada canti­lena dos trabalhadores.

— Vamos lá! disse ela ao pai.

— Onde, minha filha?... perguntou o velho assustado.

— Lá em cima, onde aqueles homens estão abrindo a pedra. Eu quero ir ver aquilo...

— Estás sonhando!... respondeu o comendador; não sou tão louco que consinta em semelhante imprudência! Esta pedreira é muito alta; tu sentirias vertigens e serias capaz de perder os sentidos!...

— Não faz mal; eu quero ir!

— Não! deixa-te disso!

— Ora, meu pai, não me contrarie por amor de Deus!

E Olímpia soltou-se-lhe do braço e foi perguntar ao traba­lhador que ficava mais perto por onde se subia para a pedreira. Depois de informada, encaminhou-se para o lugar indicado.

— Espera aí! gritou o pobre velho, tentando alcançá-la. Espera, Olímpia! eu te acompanho, minha filha!

E correu para ela.

Olímpia havia já galgado o primeiro lance da pedreira.

A subida foi penosa. O caminho era estreito, irregular e seixoso, às vezes o pé não encontrava resistência, porque o cas­calho rolava sob ele. Olímpia, sem querer dar parte de fraca, segurava arquejante ao braço do comendador, mas este mesmo sabe Deus com que esforços conseguia não perder o equilíbrio!

Pararam três vezes para descansar, à última nenhum dos dois podia articular palavra; o suor corria-lhes da fronte e as pernas tremiam-lhes convulsivamente. Mas Olímpia não desistiu do seu propósito; queria a todo transe chegar ao alto da montanha. Felizmente, o caminho em cima era plano até conduzir ao pequeno cômoro onde trabalhavam cantando os quatro homens.

Olímpia chegou aí exausta completamente de forças; sacudiu-lhe o corpo inteiro um arrepio, feito ao mesmo tempo de medo e de gosto; experimentava ela certa sensualidade em defrontar o abismo que se precipitava debaixo de seus pés. Precisava descansar, mas não tinha ânimo de desviar por um segundo a vista do belo panorama que se descortinava em torno. E, presa ao espaço pelos olhos, sentia-se arrebatar por um êxtase delicioso, como se estivesse desprendida da terra e pairasse voluptuosamente nos ares.

Assim se quedou por alguns instantes, enquanto o pai ao seu lado descansava, sentado sobre uma pedra.

Depois, Olímpia começou a empalidecer gradualmente; foi pouco a pouco fechando os olhos, e teria caído de costas, se a não amparassem os homens que ali perto trabalhavam.

— Eu já previa isto mesmo, considerou o pai, ainda não restabelecido do cansaço. Lembrar-se de subir a estas altu­ras!... E agora a volta?

— Pode vossemecê ficar tranqüilo, disse um dos britadores; eu me encarrego de descer esta senhora, sem que lhe aconteça a ela a menor lástima.

— Ainda bem! respondeu o velho.

O trabalhador, que acabava de oferecer-se para levar Olímpia, era um moço de uns vinte e cinco anos. Forte, belo de vigor. Estava nu da cintura para cima, e a riqueza dos seus músculos patenteava-se ao sol com um arrojo de estátua. Os cabelos, empastados de suor, caíam-lhe em desa­linho sobre a fronte tostada.

— Vamos! disse-lhe o comendador; não convém demorar-nos aqui... Veja se a pode trazer carregada!

O rapaz passou um dos braços na cintura de Olímpia e com o outro a suspendeu pelas curvas dos joelhos, chamando-lhe todo o corpo contra o seu largo peito nu. Ela, na inconsciência da síncope, deixou pender a cabeça sobre o ombro dele e continuou adormecida.

E os dois seguiram pela irregularidade íngreme do cami­nho. Era preciso muito cuidado para não rolarem juntos. Às vezes em um solavanco mais forte, o rosto gelado de Olímpia ia de encontro à face esfogueada do trabalhador.

Ela afinal soltou um gemido e abriu vagarosamente os olhos. Não perguntou onde estava, não indagou quem a conduzia, apenas esticou nervosamente os membros num estre­mecimento preguiçoso, para de novo se estreitar ao peito do rapaz, cingindo-lhe os braços em volta do pescoço. E tornou a cair no seu entorpecimento; ficou com os olhos a meio cerra­dos, as narinas sôfregas, os seios ofegantes e os lábios molemente separados por um espasmo voluptuoso. Sentia-se muito bem no aconchego tépido daquele corpo de homem, penetrada pelo calor lascivo e vivificante do colo másculo que a sustinha. O contato daquela vigorosa carnação, criada ao ar livre e enriquecida pelo trabalho, sacudia-lhe os sentidos e acordava-lhe em sobressalto o sangue entorpecido pela ociosidade.

A descida tornava-se cada vez mais penosa. O moço fazia milagres de equilíbrio para não lhe faltar o pé. Olímpia parecia escorregar-lhe dos braços; ele a puxou mais para o ombro e a cingiu mais estreitamente contra o peito. Ela suspirava de leve, como em um sonho de amor, sentindo no rosto a respiração quente e acelerada do cavouqueiro, e nas carnes macias da garganta o roçagar das suas barbas ásperas e mal tratadas.

Quando chegaram embaixo, já o Papá Falconnet, que assistira ao episódio dos fundos do seu hotel, os esperava com duas cadeiras.

O velho assentou-se logo em uma delas; enquanto na outra o trabalhador depunha Olímpia.

Foi então que ela abriu de todo os olhos.

— Ah! exclamou, cobrindo o rosto com as mãos, sem poder encarar para o rapaz que a trouxera ao colo. Fazia-lhe mal agora olhar para aquele homem de corpo nu, que defronte dela limpava com os dedos o suor da testa. As faces tingiram-se-lhe de pronto rubor e uma aflição terrível apoderou-se-lhe da garganta. Olímpia chamou com um gesto o pai para junto de si e entre gritos começou a estrebuchar nervosamente.

Foi uma crise fortíssima. Ela nunca havia sofrido igual. O Papá Falconnet apresentou logo um frasquinho de sais e deu providências para que se recolhesse a enferma à casa dele, sem que fosse necessário dar a volta pela rua. Abriu-se de improviso, uma passagem na cerca do fundo da avenida, e Olímpia, carregada na cadeira, era daí a pouco conduzida a um aposento preparado às pressas.

A crise cessou pouco depois, mas Olímpia sentiu febre, dores de cabeça e vontade de vomitar. Mandou-se chamar o médico que ficava mais próximo, e dentro de três horas a enferma voltava no seu carro para Botafogo.

No dia seguinte, ainda o pai de Olímpia não tinha perdoa­do a si mesmo a sua condescendência da véspera de consentir a maldita ascensão à pedreira, e já a filha lhe surgiu no quarto, intimando-o para voltarem incontinenti ao Rio Comprido.

— O quê?!... exclamou o velho, muito espantado; pois ainda não ficaste satisfeita de Rio Comprido?... Queres fazer outra visita à pedreira?!...

— Não, disse ela de melhor humor que nos outros dias; quero apenas passar algum tempo naquela casa onde me recolheram.

— Na Avenida Estrela?! Ora, minha filha!

— É verdade, respondeu ela; é o único lugar que agora me convém...

— Mas, Olímpia, que idéia é essa tão extravagante?! Pois então tu queres ir meter-te ali, minha filha?... Ora não penses em semelhante coisa!

Mas, como a caprichosa se mostrasse inabalável na sua resolução, o velho cedeu afinal, e na tarde desse mesmo dia entraram os dois na Avenida Estrela, como vimos pelo fecho do capítulo passado.