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Graça Posthuma

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Depois da tua morte eu heide ver se arranco,
N'uma noite serena, ao teu berço final,
Um producto mimoso;—um grande lyrio branco
Da alvura do teu collo eburneo e divinal!

Aquella flôr suave, ó minha visão estherica,
Debruçada gentil, na taça em que a puzer,
Fazer-me-ha lembrar a graça cadaverica
Do teu corpo franzino e ethereo de mulher!

E mesmo conterá, de certo, alguma cousa
Do que me traz submisso e prezo ao teu olhar:
—Teu corpo a pouco e pouco irá fugindo á louza
Depois tornado em lyrio á terra hade voltar!—

E em longas noites, n'elle, eu beberei sosinho,
Sonhando as convulsões d'uns lindos braços nús,
A fragrancia que exhala a candidez do linho
Em que hoje ondeias leve e onde os meus labios puz,

—Saudando a boa mãe que faz com que eu te gose
Depois do verme vil teu seio polluir,
Mais pura no frescor de tal metamorphose
Do que eras a scismar, do que eras a sorrir!

Ó minha doce Ophelia! Os rapidos momentos
Da vida, são crueis mas passam como um som!
Um dia quando em fim dos velhos sedimentos
Teu corpo renascer n'um lyrio immenso e bom,

Talvez que eu durma já tambem sob os matizes
Das flôres, ao sorrir das mil germinações,
Dando um pasto fecundo ás tuas sãas raizes
Depois de te sagrar as ultimas canções!