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Grammatica Analytica da Lingua Portugueza/I/3

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Chamão-se vogaes as letras a, e, i, o, u, y, porque representão sons proferidos por hum impulso da voz, sem o concurso da acção da lingua, dos beiços ou dos dentes.

A. Quando o a tem hum som forte e prolongado, escreve-se á com o accento agudo. Os antigos que não usavâo de accentos, escrevião aa ou ha. O a tem o mesmo som, longo e forte, em muitas palavras em que não leva accento, e nas quaes as regras da prosodia bastão para determinar o seu valor.

O á ou â indica muitas vezes suppressão de letras : Ex. amá-la ou amâ-la, por amar a ella.

à corresponde a an ou am, e representa o som nasal ou palatal da letra. Digo palatal, porque basta dirigir a voz contra o céo da boca para pronunciar o que se chamão sons nasaes, e não he necessario que o ar saia pelas ventas.

Moraes quer que se use do accento grave para indicar o som surdo do a, do e, e do o em certas palavras, como : lama, ama, sanha, tema, ema, somno, sonho, etc.; mas isto he redundancia. Nestas e outras palavras a vogal seguida de m, nn, nh, adquire hum leve som palatal ou nasal, como em amo, Anna, ema, fêmea, como, quando a palavra tem duas syllabas das quaes a ultima he surda.

E, com o accento agudo é, sôa forte e breve. Os antigos escrevião he : ê he doce e longo : e sem accento toma ás vezes o som de é, como em pelle, veste ; outras o de ê como em modelo, zelo, e outras o do e surdo e quasi mudo, ou que sôa apenas : representava o som palatal do e antigamente ; hoje escrevemos em. Ex. bem, tem.

I tem sempre o mesmo som, ora longo, ora breve ; nunca he mudo ou surdo. Ex. he longo em temido, breve em acido; em tímido o primeiro i he longo e o segundo breve. Os antigos escrevião ii para o fazer longo. Nós escrevemos í ou î, para indicar, em casos duvidosos, que esta vogal he longa : î he preferivel, por melhor se reconhecer na escripta e nos caracteres typographicos, e tambem porque muitas vezes serve de indicar suppressão de letra que torna longa a vogal ; por exemplo : ouvî-la por ouvir a ella. Os antigos escrevião ĩ para figurar o som palatal desta vogal ; hoje escrevemos sempre im. Ex. fim, impaciente, vim, etc.

O, com o accento agudo ó, representa o som forte e breve ; com o circumflexo ô som d’esta vogal brando e longo. Exemplos : , , avó ; avô. O o sem accento corresponde ora a ó, como em mola, bola, e na primeira syllaba de voto, chove, etc. ; ora a ô, como na primeira syllaba de movo, rojo, molho s., etc.; ora a o surdo e quasi soando u, como nas finaes de do, modo, cobrio, desceo, etc.

Õ representa o som palatal d’esta vogal, e equivale a om, on, como em leões, occasiões, trovões. Nos primeiros seculos da monarchia portugueza prevalecia este som de om, on, e assim se escrevia, por ser derivado dos dialectos vulgares do latim nas provincias hispanicas do norte. Pouco depois, adoçando-se a pronuncia, converteo-se o om de coraçom, razom, nom, no diphthongo ão de que logo fallarei, e começou-se a pronunciar e a escrever coração, razão, não, e neste diphthongo se mudárão igualmente as terminações longas e breves em am ou an dos verbos ou dos nomes masculinos : por ex. mão em vez de mam ; andarão, por andaram preterito, e andaram futuro ; razão, em vez de razam ; traição em vez de traiçam ; chão por cham, cão por cam ; e os presentes amão, levão, armão, por amam, levam, armam, etc.

Mas neste particular continuou e continua ainda grande discrepancia e incoherencia na orthographia. Porêm he de advertir que no caracter da nossa prosodia e no da lingua roman e da castelhana, a desinencia an, a que corresponde a nossa am, he uniformemente longa. Ex. Traran, vuelveran, e em portuguez Adam, Ainam, Seringapatam, Balaam, Roboam, tem todos a final longa ; e os antigos escrevião por om as finaes longas e as breves. Ex. matarom, morrerom, farom, futuros, e matarom, morrerom, fezerom, preteritos ; donde se segue que o ão actual deve igualmente servir quando he longo e quando he breve, sendo escusado multiplicar signaes para hum som da mesma natureza, e bastando, em casos de duvida, accentuar a syllaba precedente quando ão he breve. Ex. armárão preterito. Os que escrevem por am a desinencia breve ão, devem, para ser consequentes, escrever soam, terceira pessoa do verbo soar, e suam a do verbo suar, confundindo-se ambas com o vento Suam ou Soam, que assim se acha escripto em muitos autores antigos. Por este systema igualmente se confunde tão comparativo, de tantus, com tam adverbio, cujo significado he bem diverso : tam pouco e tão pouco são expressões inteiramente differentes.

U he longo ou breve, mas não muda de som, senão quando se torna palatal ou nasal. Os antigos escrevião ũ, mas hoje preferimos notar este som por um ou un. Quando pode haver equivocação do significado da palavra, o u longo escreve-se com o accento agudo : Ex. cúmulo s. para o differençar de cumúlo verbo. O accento se supprime quando o sentido ou as regras da prosodia indicão o verdadeiro valor da vogal. Ex. barulho, maculo, etc. Esta vogal, ainda quando he surda, sempre tem som mais agudo que o o surdo ; por isso he mais conforme á recta pronuncia escrever Deos, mingoa, ouvio, deo, leo, que Deus, mingua, ouviu, deu, leu. Em mingoa e outros nomes até tem a vantagem de evitar a equivocação com mingúa, terceira pessoa do verbo. Em agua, lingua, a etymologia he favoravel ao uso do u ; mas como ignoramos a verdadeira pronuncia desta letra pelos Romanos, que a substituião a y em Sulla (Sylla), etc., não ha inconveniente em lhe substituir o o. A palavra Deos que he grega, escreve-se com o (Θεός), que os Romanos conservárão no dativo e ablativo de Deus, Deo, e no genitivo e accusativo do plural, Deorum, Deos. Nas desinencias do preterito dos verbos, o o he preferivel ao u, porque o som he surdissimo, alem de não haver razão alguma tirada da derivação que autorise o uso do u em taes casos. Em todas as palavras terminadas por u precedido de vogal, existe na nossa lingua tendencia a pronunciar o u agudo, ainda quando elle não tem accento, e isto se observa ainda melhor em nomes proprios de outras linguas, v. g. Esau, Feliu, Abiu, Liu-Chu. E quando a pessoa do verbo termina em uio, he ainda mais apparente o valor do u, v. g. em aluiu por aluio ; o primeiro u he breve, e requer hum som ainda mais breve depois do i forte e longo. Alem do que, todas as vozes latinas terminadas por eus, ius, ium, se escrevem em portuguez eo, io. Ex. aereus, aerius, aerio ; æerarius, erario ; otium, ocio ; datum, dado ; itum, ido ; cum, como, etc.

O y he só usado em vozes de origem grega, ou em nomes proprios estrangeiros, e equivale a i. Moraes, por hum singular capricho, quiz introduzî-lo como equivalente a ii em certas palavras, como praia, idêa ou ideia, veia, veio, que elle escreve e pronuncia erradamente pra-ya, ide-ya, ve-ya, ve-yo. Nestas palavras, e em outras em que o i se prolonga mais ou menos, como o rio, eu me rio, rio-se, só differe o som do i em ser elle a vogal predominante ou a subordinada do diphthongo : no primeiro exemplo he menos longa que no segundo, e no terceiro he quasi surda e breve, dominando nesta o o, posto que de sua natureza surdo, mas aqui prolongado.