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Guia e Manual do Cultivador/I/II-VII

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CAPITULO VII.

Culturas especiaes.

735.º Os principios e noções geraes de cultura até aqui expendidos podem dirigir e esclarecer o cultivador em muitas das operações agricolas. Elles podem tiral-o de bastantes difficuldades e incertezas; e devem imprimir aos seus trabalhos uma direcção racional, rectificar muitos prejuizos, e acabar com muitas usanças e rotinas erroneas.

736.º A luz da sciencia esclarece e aperfeiçoa quasi sempre os processos praticos, porque descobre e analisa a sua razão philosofica. Os agricultores que conhecerem a organisação e vida das plantas, as leis porque se regula a acção dos agentes da vegetação, e as condições de que depende a energia productiva do solo, poderão marchar mais seguros nas suas emprezas - e sem desprezar os methodos consagrados pelo tempo poderão modifical-os e aperfeiçoal-os discreta e convenientemente.

737.º A sua instrucção póde especialmente aproveitar-lhes nas culturas especiaes de que vamos occupar-nos, e que são submettidas a grandes modificações, segundo a diversidade das circumstancias locaes.

738.º Como nem todos os solos convem a todas as plantas, e como nem todas as plantas podem vegetar nos mesmos climas, é claro que deve haver tanto na escolha do solo e situação botanica, como na diversidade dos amanhos proprios de cada clima uma grande selecção; porque se violentarmos a natureza e a quizermos submetter aos caprichos da nossa ignorancia pouco poderemos alcançar della, e falhará o fim que o agricultor deve propôr-se, isto é - o de obter o maximo lucro com a menor despeza e trabalho possivel.

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739.º E' principalmente neste objecto das culturas especiaes, que se devem respeitar os usos e methodos de longo tempo estabelecidos, que não forem evidentemente contrarios aos principios e indicações da sciencia. - Esta regra é muito importante. A experiencia é neste ponto o grande mestre; e as tradições e usos locaes a melhor e mais segura authoridade - e além disto o mais acertado correctivo que póde applicar-se á imperfeição da arte. Cada planta ou cada especie tem até certo ponto um solo, um clima, e uma exposição que lhe é propria - e tem além disto uma cultura que tambem lhe é especial, e que não póde ser determinada a priori pelos principios agronomicos: e então só a observação e a pratica nos podem revellar estas tendencias especificas, e o modo particular de as dirigir.

740.º Nós não trataremos por esta occasião senão da cultivação das plantas que fazem propriamente o objecto da grande lavoura: e reservaremos para o segundo volume desta nossa obra o tratar da cultivação daquellas que são privativas da horticultura e da arboricultura (*).

(*) Na distribuição que tinhamos feito das materias, que devem ser tratadas no Guia e Manual do Cultivador haviamos reservado para o 2.º volume as ultimas tres partes desta obra, a saber - Principios de economia rural - Elementos de veterinaria - Preceitos e maximas do cultivador; mas a extensão que involuntariamente démos á primeira e principalmente á segunda parte da obra, ou aos Elementos de agricultura, nos obrigou a alterar aquella distribuição, deixando para o 2.º volume a horticultura e arboricultura, que já não podião entrar no primeiro sem lhe dar demasiada extensão.

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741.º As plantas que fazem o objecto especial da grande lavoura podem distribuir-se em quatro divisões, que são - cereaes - plantas pratenses - leguminosas de sementes farinaceas - e plantas de raizes carnosas. Trataremos de cada uma destas divisões em separado.

Cultura dos cereaes.

742.º Os cereaes são plantas de sementes farinaceas, que pertencem a essa grande e utilissima familia das gramineas, que acompanha para toda a parte o homem, porque é como elle cosmopolita; e porque lhe ministra a principal base da sua sustentação em quasi todos os pontos da terra. Esta preciosa familia debaixo da apparencia modesta das fórmas possue ricos productos, e paga annualmente ao homem e aos animaes herbivoros, de quem se fez tributaria, um avultado imposto - o pão ou o sustento de cada dia. O grande legislador do reino vegetal, Linneo caracterisou-a e teceu-lhe o merecido elogio nas seguintes palavras, em que ha mais de uma allusão philosofica e picante. «As gramineas (disse elle) constituem uma familia de plebeus, camponezes, pobres, que se cobrem com o colmo, communs, simplices, vivazes, que formão a força e a potencia do reino vegetal, e que se multiplicão prodigiosamente apezar de maltratados e calcados aos pés.» São o povo do reino vegetal sempre fecundo e prestadio, posto que despojado e opprimido!

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743.º Comprehende-se debaixo da palavra cereaes um grande numero de plantas, como são, o trigo, o centeio, a cevada, a aveia, o arroz, o milho grosso, o milho miudo, e o milho sorgo. Diremos algumas cousas sobre a cultura de cada uma dellas.

744.º Cultura do trigo. O trigo (triticum) além dos caracteres geraes da familia das gramineas a que pertence, tem os seguintes caracteres genericos, ovario piloso, eixo da espiga dentado, locustas trifloras olhando para o eixo pelos seus lados.

745.º As diversas especies de trigos cultivados podem ser divididas em dois grupos principaes, a saber, trigos de grão livre ou nu, que se separa facilmente do casulo, e trigos de grão adherente ao casulo. No primeiro grupo podem-se admittir as quatro seguintes especies: 1.ª trigo ordinario (triticum sativum, Lam.) 2.ª trigo grosso (triticum turgidum, Linn.) 3.ª trigo tremez (triticum aestivum, Brot.) 4.ª trigo polaco (triticum polonicum, Linn.) No segundo grupo comprehendem-se as tres especies seguintes: 1.ª trigo espelta (triticum espelta, Linn.) 2.ª triticum amyleum, Ser. 3.ª triticum monococum, Linn.

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746.º Entre nós as especies que mais se cultivam são as do trigo tremez (titricum aestivum, Brot.) do trigo mourisco maior (titricum compositum, Brot.) e do trigo de inverno (titricum hybernum, Brot.) do qual ha diversas variedades conhecidas pelos nomes de trigo branco ou candeal, de trigo preto, gallego, mourisco, e durasio. Tem-se ultimamente recommendado o trigo italiano de primavera, e o trigo da siberia como muito produtivo.

747.º A cultura é para as plantas o que a domesticidade é para os animaes; tanto uma como outra transformam variadissimamente o typo das especies produzindo um numero espantoso de variedades.

748.º As diversas especies cultivadas de trigo tem sido por tal modo influenciadas pela cultura e pela diversidade do clima que se contam hoje centenas de variedades tão pouco fixas que se modificam ou desapparecem quasi de uma para outra cultura. Fôra por tanto desnecessario além de muito longo indicar aqui as numerosas variedades desta planta cujas modificações são tão fugazes, e ás vezes quasi inapreciaveis.

749.º Depois de fabricadas as terras com os lavores de preparação e de divisão que indicamos no artigo lavouras procede-se á sementeira do trigo. A epoca e o numero daquelles lavores são pelo que respeita á cultura do trigo, centeio, &c. mais ou menos diversos nas diversas provincias do reino, e segundo é ou não adoptado o systema dos pousios. No Alemtejo, onde este systema é por desgraça muito commum, começam-se ordinariamente os alqueives nos principios de Janeiro, se o tempo o permitte: este primeiro ferro é conhecido pelo nome de lavra dos alqueives. Muitas vezes prefere-se a esta epoca o mez de Setembro ou o de Agosto logo depois das ceifas, e isto no caso de se preferir antes enterrar os restolhos do que aproveital-os com o gado. Nos principios de Abril, se o estado das terras o consente, dá-se o segundo ferro a que se dá o nome de atalho ou deslavra; e com estas duas lavouras de preparação, cuja epoca varia muito em varios pontos do reino, deixam-se em descanço as terras destinadas á cultura do trigo até aos principios de Outubro; epoca em que lhe dão o terceiro ferro que se denomina abrição ou revolta dos alqueives; depois do qual se procede á sementeira. Algumas vezes em logar destes tres ferros, que se conhecem tambem pelos nomes de alqueivar ou lavrar, deslavrar, e terçar, não se dão mais do que dois sendo o ultimo substituido pela ácção da grade que faz em certos terrenos optimo fabrico. Se em vez do systema dos pousios se adoptar o systema dos afolhamentos, então como as terras andam muito revolvidas pelos diversos amanhos reclamados pela rotação das culturas, e como por outro lado temos pouco tempo á nossa disposição, apenas se dão dois unicos lavores.

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750.º A primeira cousa que o agricultor tem a fazer antes de semear o seu trigo é a escolha e a preparação da semente. O grão que confiar á terra deve ser bem maduro e perfeitamente desenvolvido. Deve ser limpo e extreme de qualquer outra semente como joio, ervilhaca, nigella, &c. - deve produzir quando mastigado uma pasta adocicada e inodora, a sua pelle deve ser liza e fina, a figura proximamente oval e com um sulco longitudinal profundo - deve ser graudo e pesado, e o melhor será sempre o que vai mais longe quando se limpa, ou lança contra o vento. O grão deve ser de uma unica especie - da que mais convier ao terreno e ao clima - porque a mistura dos grãos de diversas especies produzem fecundações hybridas, e a consequente degeneração das plantas. Alguns agricultores costumam mandar escolher grão a grão o trigo para a sementeira nos dias em que não ha outros trabalhos a fazer; este costume é louvavel; mas inda convem mais mandar mulheres ou rapazes adiante dos ceifeiros apanhar as melhores espigas com tanto que sejam todas da mesma especie. Nós julgamos ainda preferivel o methodo de semear em separado e amanhar com esmero a melhor porção do campo para lhe recolher a novidade á parte, a fim de ser destinada á sementeira do anno seguinte.

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751.º Depois de escolhida convem preparar a semente: se o trigo estiver são não precisa de preparação alguma, porque fôra isso tão inutil como dar remedios por prevenção a quem tem optima saude; mas se tiver começo de caria, de ferrugem ou de alforra deve ser preparado uma vez que não queiramos perder uma parte da seara. Neste caso antes de lançar a semente á terra convem lixivial-a, isto é, deital-a por algum tempo de molho em uma lixivia ou cenrada a fim de exterminar os germes daquellas plantas parasitas ou quaesquer outros contagiosos, que estejam apegados ao grão. Uma lixivia composta de cem canadas d'agoa, e 25 arrateis de cinza, a qual se lance logo depois da ebullição 15 arrateis de cal virgem, é bastante para 40 alqueires de semente.

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752.º Faz-se uso desta lixivia ou barrella quando tem perdido a maior força do calor; mergulhando por vezes nella um cesto de duas azas onde se deve ter lançado o trigo depois de lavado, mexendo-o muito bem para que seja todo sufficientemente banhado e detergido pela cenrada. Depois disto secca-se e semea-se.

753.º O celebre Thouin aconselha o uso simples da cal fazendo-a fundir em uma quantidade de agoa quente sufficiente para que apresente a consistencia siroposa; devendo o grão lançar-se e remexer-se nesta mistura que pela sua causticidade destroe os germes de que fallamos.

754.º Varios outros alvitres tem sido aconselhados que não são certamente tão efficazes como os que temos indicado, e que não tem por isso sobrevivido aos elogios de seus inventores e a uma voga passageira.

755.º A epoca da sementeira do trigo varia segundo um grande numero de circumstancias locaes. Assim a diversidade do clima, as variações das estações, e a particular natureza e situação das terras tornam impossivel a fixação daquella epoca, de uma maneira geral e precisa. Em França semeam-se os trigos do outono desde os principios de Setembro até ás proximidades de Janeiro. Entre nós a epoca mais geral é a que decorre desde os principios de Outubro até meados de Novembro. E esta epoca é na verdade a que nos parece preferivel não só porque é a da germinação espontanea da semente desta planta no nosso paiz, mas mesmo porque, como já dissemos, os maiores inconvenientes andam ordinariamente annexos ás sementeiras ou muito temporans ou muito serodias; posto que seja indubitavel que segundo a marcha das estações e as circumstancias do anno assim póde tirar-se uma maior ou menor vantagem de antecipar ou retardar esta operação. O mais prudente por tanto é adoptar o tempo medio, quando a isso não obstarem inconvenientes attendiveis, e quando delle nos affastarmos seja antes para antecipar do que para pospor a sementeira.

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756.º Posto que uma longa e attenta observação haja demonstrado que os cereaes do outono quando semeados no tarde produzem mais grão e menos palha do que os semeados no cedo, todavia póde acontecer, e algumas vezes acontece, que as sementeiras temporans deem tão bons productos, e ás vezes melhores do que as sementeiras serodias. O celebre Oliveiro de Serres dava uma decidida preferencia ás primeiras, e costumava dizer quem quer encelleirar deve cedo semear - entre tanto desta pratica proveem tambem em alguns casos, posto que muito mais raros, graves embaraços, e consideraveis transtornos.

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757.º Como no nosso paiz ha dois climas muito distinctos, um nas provincias do norte e outro nas do sul, não deve perder-se de vista esta circumstancia com respeito ás sementeiras de cereaes e principalmente do trigo; cumprindo que as do norte se antecipem uns quinze dias pelo menos sobre as do sul, visto que esta planta vegeta e cresce muito mais rapidamente nos paizes quentes do que nos frios. Nos ferteis arredores de Lisboa e nos campos temperados do Alemtejo semeão-se muitos trigos em dezembro e mesmo em janeiro, que alcanção em pouco tempo os semeados em outubro e novembro, em quanto que nas provincias do norte os semeados na mesma epocha deixão de prosperar na maior parte dos annos.

758.º O trigo tremez ou de primavera semea-se ordinariamente desde os meados de março até meados de abril. As sementeiras precoces desta estação são sempre as mais vantajosas, porque os trigos tendo pouco tempo para se desenvolver convem que se lancem á terra o mais cedo possivel, para que os calores os não apanhem muito tenros. Desgraçadamente nem sempre é praticavel executar este preceito, por isso que o terreno acha-se frequentes vezes tão humido que não é possivel deixar de espaçar a sementeira durante algum tempo, e esperar pela sasão com grave prejuizo desta cultura.

759.º O trigo póde, como os outros cereaes, ser semeado a lanço, e em regos ou linhas: o primeiro processo é o mais commum, e na generalidade dos casos o unico praticavel: o segundo póde e deve preferir-se nas circumstancias especiaes que já forão indicadas. Semea-se em linhas ou á mão, ou com o sementeiro - á mão nas culturas pouco extensas, como são as das hortas, dos ferrejeaes, &c., com o sementeiro nas grandes lavouras, como as dos casaes, das herdades, &c.

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760.º O methodo de semear em regos é menos expedito e mais dispendioso, mas dá em resultado uma muito maior copia de productos. Esta maior producção é principalmente devida á uniformidade com que a semente é espalhada no terreno, ao desafogo com que as plantas se desenvolvem, e á maior perfeição e proveito dos amanhos da sacha; e isto quer estes amanhos sejão feitos á mão, quer por meio da enchada de cavallo, cujo trabalho é tão expedito como conveniente.

761.º Os trigos quando semeados a rego e sachados são incomparavelmente mais productivos do que quando semeados a lanço e não beneficiados pela sacha. Nas sementeiras a rego poupa-se além disto uma grande quantidade de semente, de maneira que este methodo merece ser ensaiado em toda a parte onde fôr praticavel. Demanda porém grande copia de braços, que nem sempre estão á disposição do agricultor, e maiores despezas de grangeio; e é por estes motivos que não se tem generalisado; entretanto está demonstrado que o excesso da despeza feita com a sementeira e com a sacha é compensado pela economia proveniente da differença na quantidade da semente empregada; ficando por tanto liquido todo o acrescimo differencial da producção.

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762.º Apenas o trigo fôr lançado á terra deve ser immediatamente coberto; e basta que o seja com uma camada de terra da espessura de duas pollegadas pouco mais ou menos. Cobre-se o trigo por meio do arado, ou por meio da grade quando o terreno é solto, e quando anda bem fabricado; ou finalmente por meio do extirpador quando o terreno é assente e anda bem limpo. Este ultimo methodo é summamente economico e proveitoso, e acha-se muito generalisado em França e em outros paizes agricolas, e começa a praticar-se na borda d'agoa, onde foi ha pouco introduzido pelo Sr. Holbeche, um dos agricultores mais entendidos daquelles sitios. O extirpador espalha e cobre a semente com tanta egualdade e expedição, que merece ser geralmente adoptado nesta operação.

763.º As plantas submettidas á cultura devem merecer-nos cuidados tão incessantes como os animaes que desejamos educar. Depois das sementeiras temos uma nova ordem de amanhos sempre uteis e quasi sempre necessarios á prosperidade de todos os cereaes e principalmente do trigo. Estes amanhos consistem na acção e emprego do rolo, na monda, na acção e emprego da grade ou gradadura, e na sacha.

764.º O emprego do rolo só é conveniente em certos casos - 1.º quando o solo se acha gretado e sublevado pela acção dos gelos, que revirando as plantas põe as raizes a descuberto e em contacto com o ar exterior e com a luz que as mata e desorganisa; esta operação póde nestas circumstancias salvar os cereaes de uma quasi completa destruição - 2.º quando é necessario comprimir o terreno sobre a semente, a fim de facilitar a sua germinação.

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765.º A monda é uma operação de maior importancia, e convem que seja praticada na grande generalidade dos casos. Consiste em arrancar as plantas ruins que podem prejudicar o desenvolvimento e fructificação das que se cultivão.

766.º Umas vezes a falta de braços, outras a negligencia de certos cultivadores fazem com que a monda se suprima ou despreze em algumas localidades; mas os que levados da idéa de uma enganosa economia se evadem á despeza desta operação commettem um erro manifesto, principalmente se as suas cearas são ameaçadas de serem suplantadas pelas más hervas, porque está demonstrado que o acrescimo da producção cobre muitas vezes tanto neste como nos demais casos o acrescimo da despeza da monda.

767.º Deve escolher-se para as mondas o tempo e a epoca favoravel - é preciso que a terra nem esteja demasiadamente humida para que os mandadores a não calquem com prejuizo das cearas, nem demasiadamente secca para que a planta se não lacere acima do collo da raiz e não rebente depois com mais força. Tem-se recommendado como a melhor epoca das mondas aquella em que o trigo não tem ainda espigado, mas tanto para esta como para quasi todas as operações agricolas não ha epocas fixas; e as mondas deverão antecipar-se mais ou menos segundo o maior ou menor desenvolvimento das plantas nocivas, e a maior ou menor precocidade da sua florescencia. Todavia o mez de Março e principios d'Abril são a epoca mais ordinaria desta operação. Ha ainda uma outra monda que só se pratica em casos raros, e é a que se faz pouco antes da ceifa com o fim de obter o trigo limpo de todas as sementes estranhas.

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768.º A gradadura é uma operação muito util e ás vezes necessaria: é uma especie de sacha economica que costuma ordinariamente dar-se quando os trigos estão ainda muito recentes e tenros. Os nossos agricultores convencidos da efficacia da gradadura como meio proprio a preparar as terras, e a cobrir as sementes, não reconhecem com tudo os excellentes resultados desta operação como meio de entretenimento das searas de trigo, com quanto ella seja da maior vantagem empregada neste intuito.

769.º A acção da grade revolvendo e cortando o terreno destroe na verdade muitas plantas; mas as restantes adquirem por esta operação uma tal energia de desenvolvimento que torna incontestaveis as suas vantagens, uma vez que se proceda com as precauções necessarias. Quando depois da gradadura, diz o celebre Thaer, o campo apresentar a apparencia de haver sido recentemente semeado de maneira que apenas nelle se perceba aqui ou alli alguma folha verde, será então que a operação produzirá todas as suas vantagens; e com effeito depois de oito ou dez dias, conforme a temperatura, vêr-se-hão as plantas rebentar de novo, e em pouco tempo o campo se apresentará mais guarnecido dellas do que qualquer outro circumvizinho que não tenha soffrido esta operação: nos paizes onde ella é geralmente usada e conhecida perdoa-se ao cultivador antes qualquer outra negligencia do que a ommissão da gradadura no momento favoravel e no tempo proprio.

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770.º A sacha é de uma efficacia incontestavel e praticamente demonstrada, mas nos trigos semeados a lanço é uma operação muito longa, difficil e dispendiosa, porque tem de ser feita á mão e no meio de grandes embaraços; entre tanto mesmo neste caso o acrescimo que ella traz á colheita paga largamente as despezas que occasiona, além de deixar o solo mais bem preparado para as culturas seguintes. Mas se esta operação é de uma vantagem contestada nas trigadas semeadas a lanço, é pelo contrario de um reconhecido e evidente proveito nos trigos cultivados em linha, porque neste caso podemos servir-nos da enchada de cavallo que sachará diariamente para cima de uma geira de terra: e eis aqui porque dissemos que o uso do sementeiro estava ligado ao daquelle instrumento. Nós temos alguns factos de experiencia propria que nos demonstram o espantoso acrescimo de producção, que resulta da cultura do trigo em linha e sachado; cultura que em alguns concelhos da provincia do Além-Téjo é conhecida pelo nome de trigo de sacho. Aquelle augmento de producção é tão grande que nós chegamos a obter mediante esta cultura mais de cincoenta sementes de um farregeal de que nunca obtivemos mais de dez, empregando a cultura ordinaria.

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771.º A sacha feita á mão deve ser mais serodea do que a praticada com a enchada de cavallo. Como não se sacha ordinariamente mais do que uma vez é conveniente retardar esta operação até ao momento em que o trigo cobre toda a superficie da terra por ser essa a epoca em que póde ser mais proveitosa.

772.º Depois de todas estas operações entrega o agricultor os seus campos aos cuidados e influencias da natureza, e espera pela epoca da colheita. Esta deve ser feita em bom tempo, quando o grão se achar em perfeito estado de maturação, o que se conhece desde logo pelo amarello da palha e pelo aloirado da espiga. Não se deve porém differir a ceifa do trigo para quando o grão estiver completamente rijo e secco, porque neste caso desprende-se facilmente das espigas e perde-se uma grande parte delle. Alguns agricultores para evitar este inconveniente costumam cortar o trigo de manhã cedo, mas isto só se póde praticar quando não ha grandes colheitas a fazer.

773.º Ceifado o trigo, ou por meio do foucinho, ou por meio de gadanha armada de pequenas varas (o que é mais economico mas menos usual), formam-se as paveas ou molhos, que se conservam por algum tempo na terra para que o calor do dia dissipe a humidade das espigas, dispõem-se depois em pequenas medas pelo campo; para se conduzirem em seguida para a eira ou para o sitio onde se fazem as grandes medas, e onde ficam melhor acondicionadas e vigiadas.

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774.º As medas que se costumam collocar junto das eiras são construidas do seguinte modo. Crava-se no chão uma vara de maneira que fique bem aprumada, e vão-se deitando em torno della as paveas ou molhos com as espigas para o centro. Ao passo que a meda se vai elevando, vai-se progressivamente augmentando a sua circumferencia até aos dois terços da sua altura; e dahi por diante vai-se diminuindo a mesma circumferencia até terminar em ponta quasi aguda que se cobre de colmo. A meda vem deste modo, a apresentar a fórma de um pião invertido. Quando as medas se constroem desta maneira os trigos ficam defendidos das chuvas, dos passaros e de outros animaes daninhos.

775.º E' na eira que ordinariamente se separa o grão da palha, e isto por meio da malha ou por meio da debulha. Nos paizes meridionaes procede-se a esta operação logo depois das ceifas, é convem que se proceda a ella sem perda de tempo, a fim de evitar os estragos certos ou eventuaes, que pódem sobrevir e embaraçar o recolhimento do grão. Nos paizes do norte, obstando muitas vezes o clima a que a debulha se faça nos campos convenientemente, conduzem-se os pães para casa, e vai-se fazendo pouco a pouco esta operação, quasi sempre durante a estação das chuvas e das neves, quando o agricultor não póde empregar-se em outros trabalhos ruraes.

776.º A malha é praticada por meio de manguaes, com os quaes os trabalhadores batem alternadamente as paveas estendidas na eira, a fim de separar o grão das espigas: segundo as experiencias de Rozier esta operação é mais economica, mas menos expedita do que a debulha: todavia a malha não é entre nós ordinariamente applicada aos calcadouros de trigo, mas sómente aos de centeio. Como a palha de trigo para ser aproveitada pelos animaes é preciso que seja muito bem quebrada e estroçoada, e como este resultado se não obtem pelo processo da malha, é principalmente por esta razão que se prefere a debulha.

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777.º Esta operação é executada, ou por um cordão de bestas que se fazem trotar em torno do calcadouro, ou por meio do trilho; o primeiro methodo tem suas vantagens e seus inconvenientes; e é o mais usado na Italia, na Hespanha, e em Portugal: entre as suas vantagens devemos contar a da expedição e a maior perfeição do trabalho com relação ao mangoal, entre os inconvenientes a perda de uma grande quantidade de grão comido pelos animaes, e a falta destes em numero sufficiente para que a operação seja expedita e completa: o segundo methodo ou o do trilho é na verdade preferivel nas lavouras de grande extensão, e merece ser generalisado entre nós, onde estas lavouras são muito frequentes, particularmente nas nossas provincias do sul. Quando quizermos empregar o trilho é mister que façamos uma boa escolha deste instrumento. Aquelle que atraz descrevemos parece-nos o mais vantajoso, não só pela grande expedição, como pela maior perfeição do seu trabalho.

778.º Acabada a debulha ajunta-se o grão que se encontra por baixo da palha, padeja-se ao vento, alimpa-se, e conduz-se para o celleiro.

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779.º O grão depois de encelleirado deve ser beneficiado nos celleiros, a fim de que se não deteriore. Como todas as sementes vegetaes o trigo depois de chegado á sua perfeita maturação tende a decompôr-se, e é absolutamente preciso que a industria do agricultor obste a esta decomposição por todos os meios possiveis.

780.º O augmento da temperatura é o primeiro simptoma da fermentação dos trigos; e a fermentação é já um começo de decomposição. E' preciso por tanto prevenil-a, e para isso convem que arejemos e padejemos o grão frequentes vezes.

781.º O gorgulho e a traça são outras enfermidades que costumão atacal-o, e contra as quaes já atraz expuzemos os convenientes remedios. Devemos tambem prevenir-nos por todos os meios que estiverem á nossa disposição contra os animaes que devorão o trigo, causando grandes perdas ao agricultor.

782.º Cultura do centeio. O centeio (secale cereale) é depois do trigo um dos mais preciosos cereaes que se conhecem. Elle ajunta aos seus numerosos usos economicos a propriedade de prosperar em terrenos onde a cultura do trigo se torna impossivel. A farinha resultante do seu grão, que é pouco menos pezado que o do trigo, é menos alva, menos feculenta e menos nutriente do que a deste ultimo cereal; mas produz apezar disso um pão gostoso e sadio, que é um recurso precioso para a população pobre de muitos paizes da Europa, e para algumas das nossas provincias; como são, Tras-os-montes, uma parte da Estremadura, da Beira-baixa, &c.

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783.º Não se conhece senão uma especie de centeio, mas esta especie apresenta algumas variedades. As mais geralmente cultivadas são duas, a saber, o centeio do outono (secale cereale hybernum) e o centeio da primavera (secale cereale vernum). A variedade que se semea no fim de Junho e que é por esta razão conhecida pelo nome de centeio de S. João, posto que seja muito recommendada por Vilmorin e outros agronomos, é todavia muito impropria para o nosso clima, e por isso quasi desconhecida no reino. Esta variedade parece não differir da primeira senão accidentalmente. Antes de semear-se o trigo póde e deve semear-se o centeio; e é ordinariamente por elle que começão as sementeiras dos cereaes do outono. O mez de outubro marca a epoca mais geral e mais propria para a sementeira desta graminea; mas quando pretendemos utilisal-a como forragem, ou enterral-a como estrume verde com o fim de adubar o terreno, convem então semeal-a mais cedo e logo ao cahir das primeiras agoas. Os nossos agricultores julgão que a anticipação da sementeira do centeio do outono é em todos os casos uma condição essencial á boa colheita desta granifera. Razões deduzidas do modo de vegetação e da epoca da floração desta planta confirmão aquella observação pratica.

784.º O centeio da primavera ou tremez é muito menos cultivado que o do outono; por ser muito menos productiva e mais aventurosa a sua cultura. Entretanto no systema dos afolhamentos recorre-se algumas vezes áquella variedade, que dá logar a uma ou duas culturas durante o outono e inverno antecedentes; e se o anno corre bem, a sua producção, posto que sempre inferior em palha, eguala talvez em grão a do centeio outonal.

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785.º E' principalmente nos terrenos ligeiros e soltos, isto é, nos calcarios e siliciosos que se deve cultivar o centeio. Estes terrenos devem receber dois ou tres ferros antes de lhes confiarmos a semente, e raras vezes se sachão ou beneficião com amanhos posteriores.

786.º O centeio é ainda um precioso recurso para a alimentação dos gados por ser uma forragem muito temporã e nutriente: esta graminea é geralmente considerada como um excellente meio para cevar os carneiros, os bois e as vacas, cujo leite augmenta e bonifica consideravelmente; o seu colmo fornece além disto optimas camas ao gado, tornando-se por esta razão um rico elemento de estrume vegeto-animal: serve finalmente para cobrir as habitações ruraes, para fabricar chapeos e para outros misteres domesticos.

787.º A semente desta graminea é atacada de uma molestia conhecida pelo nome de esporão ou cravagem. E' uma degeneração fungosa que acommette o ovario e que se manifesta sob a fórma de um esporão de galo: é branca e cotanilhosa interiormente, e exteriormente de um arroxado escuro. Esta fungosidade communica ao centeio propriedades muito nocivas e origina uma terrivel molestia que acommette especialmente as articulações.

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788.º Cultura da cevada. A cevada (hordeum) é uma graminea que tem usos tão numerosos como importantes. O seu grão posto que contenha menor quantidade de farinha do que o do centeio e trigo, produz todavia um pão nutriente e são com quanto pezado, e inferior: misturado porém com a farinha destas ultimas colmiferas adquire consideravel melhora na sua qualidade.

789.º Este cereal depois de mondado e descascado é um bom alimento geralmente utilisado nos paizes do norte. O seu uso na fabricação da cerveja é muito conhecido. Elle subministra aos gados uma excellente forragem que nutrindo-os e refrescando-os ao mesmo tempo se converte no mais sadio e higienico de todos os alimentos. E' preciso porém não o dar apenas ceifado e quando está com todo o seu viço, mas sim deixa-lo murchar alguma cousa para que os gazes da vegetação, e particularmente o gaz acido carbonico, tenhão tempo de se evaporar. Esta advertencia é importante, e applicavel a todas as forragens verdes, a fim de evitar a meteorisação dos gados, molestia de que trataremos adiante.

790.º Cultivão-se muitas especies de cevada; mas as principaes são: 1.º a cevada commum (hordeum vulgare) que apresenta as seguintes variedades - 1.ª cevada de inverno (hordeum vulgare hybernum), 2.ª cevada de primavera (hordeum vulgare aestivum), 3.ª sevada celeste (hordeum coeleste) sem fallar de outras menos importantes: 2.º a cevada hexastica ou cavallar de seis ordens (hordeum hexasticum): 3.º a cevada sancta ou distica de duas ordens (hordeum distichum).

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791.º Destas especies as mais cultivadas entre nós são a cevada cavallar, a sancta, e a primeira variedade da commum.

792.º A epoca da sementeira da cevada é muito variavel segundo os climas e os usos a que a destinamos. Neste objecto como em muitos outros respectivos a cultura das terras é muito difficil, e ás vezes prejudicial, apresentar regras geraes.

793.º O momento da sementeira das coloniferas é regulado por considerações muito variadas. Nos paizes quentes como o nosso devem principalmente temer-se as séccas da primavera e do verão, e por isso devemos preferir as sementeiras outonaes ás vernaes; e então o mez de setembro e outubro são os mais proprios para esta operação. Nos paizes frios pelo contrario as neves e os gelos do outono e do inverno são os inconvenientes que se devem particularmente recear, e por tanto poderão em certos casos preferir-se as sementeiras da primavera, que devem ter logar por todo o mez de março.

794.º A cevada de inverno demanda terra boa e substancial, mas não muito tenaz e argilosa - a sancta contenta-se com um terreno menos fertil e chega a dar-se bem nos terrenos delgados. A celeste quer terra pingue, mas produz grandes colmos, e um grão superior. Deve-se porém não perder de vista que todas as especies de cevada disfructão muito a terra, e são consideradas como plantas esgotantes do solo.

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795.º A cevada de inverno exige as mesmas lavouras preparatorias que o trigo, convem porém que seja semeada por um tempo enxuto para que o grão germine sem apodrecer; o que facilmente lhe acontece quando o solo se acha muito molhado. Deve ser semeada menos basta que a de março, porque tem mais tempo para afilhar e lançar grande numero de colmos na presença do calor vivificante da primavera. A cevada de março demanda menos lavores, e ordinariamente semea-se e cobre-se por intervenção do arado ou do extirpador depois de lavrada e estrumada a terra.

796.º Nos paizes do norte esta variedade é geralmente preferida ás outras pela grande rapidez do seu desenvolvimento, que se completa por via de regra em oito semanas.

797.º A cevada é trilhada, debulhada e limpa como o trigo, e a sua palha fornece como a d'esta graminea um bom alimento aos gados durante o outono e o inverno. No nosso paiz as palhas destas duas colmiferas são um precioso recurso, sem o qual fôra impossivel a sustentação dos gados no systema dos pousios ainda muito geralmente adoptado.

798.º Cultura da aveia. A aveia (avena sativa) não é tão propria para o nutrimento do homem como os precedentes cereaes. A farinha resultante do seu grão produz um pão negro, pezado e amargo, posto que bastante substancial e nutriente. As suas repugnantes qualidades não obstaram porém a que elle fosse o principal mantimento de varios povos da antiguidade, e a que o seja ainda hoje de muitos camponezes do norte da Europa, e principalmente dos que habitam a Bretanha e a Escocia.

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799.º Esta colmifera subministra uma excellente forragem a muitos animaes domesticos e particularmente aos ruminantes. O seu grão é porém quem principalmente a recommenda pelos seus variados e proveitosos usos. Elle nutre, purga e vigorisa os cavallos e outros animaes de trabalho; engorda prodigiosamente os carneiros e torna muito saborosa a sua carne; augmenta a quantidade e o principio manteigoso do leite das vacas e das ovelhas, nutre as aves e acelera a postura dos ovos. E' ainda com este grão submettido á fermentação, que se prepara na Hollanda, na Inglaterra e na Alemanha uma cerveja muito estimada. E' verdade que entre nós não é esta graminea tão geralmente utilisada, mas inda o é bastante para se considerar como uma granifera de primeira importancia.

800.º As especies e variedades da aveia, que mais geralmente se cultivam, são a aveia commum (avena sativa), a aveia de inverno, a aveia da Georgia, recentemente introduzida na Europa e digna por certo de se generalisar, a aveia oriental ou unilateral, e a nua.

801.º Se a cevada se apraz particularmente nas regiões meridionaes da Europa a aveia manifesta uma decidida preferencia pelas septentrionaes; e como ella ama os terrenos e os paizes frescos é nas nossas provincias do norte, que deve principalmente cultivar-se.

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802.º A sua natural rusticidade a torna pouco difficil na escolha do terreno: quasi todos lhe convem com tanto que tenhão alguma humidade. Contenta-se com lavores simplices, de modo que muitos agricultores logo depois do primeiro ferro lanção a semente á terra e cobrem-na com uma segunda lavoura. Esta pratica está porém condemnada pela experiencia, que tem evidentemente demonstrado que a aveia, apezar da sua rusticidade, agradece e recompensa os lavores mais regulares e cuidadosos com um consideravel augmento de producção.

803.º A epoca da sementeira desta planta é muito variavel segundo as especies e os climas, podendo semear-se desde o mez de setembro até ao de março. Alguns agricultores recommendão as sementeiras do outono; mas o mez de fevereiro é a epocha mais geralmente preferida, pois até existe um proverbio, que diz - aveia de fevereiro enche o celeiro.

804.º Esta graminea não deve ser semeada muito basta, porque as suas raizes desenvolvem muitas radiculas e poderiam prejudicar-se bastante se não tivessem o sufficiente espaço para se ramificarem.

805.º Cultura do arroz. O arroz (oryza sativa) é um graminea, que se suppõe originaria da India e da China. E' cultivada em quasi toda a Asia desde tempo immemorial, e póde considerar-se como o pão desta parte do mundo, posto que não seja susceptivel só per si de panificação, como as outras colmiferas de que temos tratado.

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806.º Os usos economicos desta planta são muito variados e importantes: o seu grão depois de cozido é um alimento muito substancial e sadio pela grande quantidade de fecula, que contem: os orientaes comem-no depois de submettido a uma ligeira decocção ou só, ou de mistura com a carne e com o peixe, servindo-se por tanto delle como os europeos se servem do pão; emprega-se na confecção de muitas iguarias; e misturado com a farinha de trigo na proporção de uma sexta parte produz um pão optimo e de uma alvura perfeita. Na China submettem-no á fermentação, e depois á distillação para obterem esse liquido espirituoso chamado arach, que é uma das bebidas mais usuaes do povo.

807.º Na europa poucas nações fazem um uso tão geral do arroz como Portugal, que o tem sempre importado das duas Indias em grande escala. Hoje porém já uma grande parte do arroz, que se consomme no sul do reino, é de producção domestica, distinguindo-se principalmente nesta cultura as margens do Sado e da Ribeira de Sor na provincia do Alemtejo. O nosso arroz não é tão alvo nem tão graudo como o carolino, mas é muito mais saboroso, feculento, e substancial.

808.º O arroz, como quasi todas as plantas cultivadas de longa data, apresenta grande numero de variedades. Na China a variedade conhecida pelo nome de arroz imperial passa por ser a melhor. No Japão cultiva-se principalmente uma outra variedade de grão muito pequeno e branco, que é tida em muita estimação. Nos paizes meridionaes da Europa, unicos em que esta cultura é possivel, e principalmente no Piemonte, cultivão-se tres variedades, que são o grande arroz branco, o arroz vermelho, e o pequeno arroz. Ha porém duas variedades cultivadas na China e no Madagascar, que não são aquaticas, como as já mencionadas, mas sim de sequeiro; se estas variedades conhecidas pelos nomes de arroz seco, redondo e comprido se podessem aclimatar entre nós, fôra isso de grande vantagem, porque a sua cultura não produz, como a das variedades aquaticas, sesões, e outras molestias periodicas que tem feito banir os arrozaes de alguns paizes da Europa.

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809.º Os terrenos destinados á cultura do arroz devem ser quasi horisontaes, ou de um declive suave, para facilitar as irrigações ou inundações, que são uma condição indispensavel á prosperidade dos arrozaes. Estes terrenos devem gozar de uma exposição meridional, e ser quasi impermeaveis ás agoas, para que estas possão alagar as plantas todo o tempo que se desejar. Depois de lavrados, adubados e gradados com esmero dividem-se em espaços ou taboleiros quadrados ou quadrilongos, que se cercão com margens ou banquetas da largura de dois pés, e de altura de pé e meio, a fim de poderem sustentar as agoas, e de darem passagem ao agricultor para poder empregar-se nos trabalhos da cultura. Estes taboleiros devem estar dispostos de sorte, que a agoa se possa conservar nelles como em um tanque sem se vasar por fenda alguma, devendo passar de uns para outros por meio de aberturas que se devem abrir e fechar á vontade.

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810.º Dispostos assim os taboleiros, e depois de ter immergido a semente em agoa por espaço de 24 horas, procede-se á sementeira que deve verificar-se no mez de março ou abril segundo as diversas localidades; e se acaso se preferir o systema de transplantação, terá esta logar no mez de abril ou maio.

811.º No primeiro caso deve semear-se o grão tão basto como o trigo, e deve cobrir-se immediatamente com a grade, deixando-o a duas pollegadas de profundidade. Feita a sementeira introduz-se logo a agoa nos taboleiros até á altura de dois dedos; esta quantidade de liquido deve sempre conservar-se fornecendo o que fôr necessario para substituir o que se perde por infiltração ou evaporação. Passado algum tempo as plantas apparecem vegetando á superficie da agoa, e ás vezes ostentão-se tão bastas e vigorosas, que é preciso prival-as por alguns dias do alimento aquoso. Quando se vê que vão murchando tornão-se a innundar, e então a agoa ha-de subir a maior altura, pois que deve sempre proporcionar-se ao crescimento das plantas. Alguns dias antes da colheita escoão-se as agoas para que tenha logar a maturação do grão.

812.º Este é o methodo seguido no Piemonte e em alguns pontos do nosso paiz, quando se adopta a cultura por innundação; mas se porventura se prefere a cultura por irrigação, que é mais usada em Hespanha, então deve proceder-se do seguinte modo.

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813.º Lança-se ao pôr do sol a agoa para os arrozaes em quantidade tal, que conservando-os innundados durante a noite appareça enxuto o terreno ao romper do dia. Esta operação repete-se diariamente até que a semente comece a amadurecer, epoca em que a presença quasi continua da agoa lhe seria prejudicial. Fazem-se então ainda algumas irrigações, mas mais raras: este systema é sem duvida mais trabalhoso do que o primeiro, e talvez não seja tão productivo, mas tem a grande vantagem de manter a salubridade da atmosphera e de impedir as emanações pantanosas, que são a causa das enfermidades que acommettem as povoações, que se achão proximas ás localidades em que se cultivão os arrozaes. Elle é o adoptado em alguns pontos do Alem-tejo, onde se tem reconhecido as suas vantagens higienicas.

814.º Quando a palha do arroz adquire uma côr amarella carregada (o que acontece ordinariamente cinco mezes depois da sementeira ou por todo o mez de setembro) procede-se á colheita, visto que a espiga chegou a adquirir a sua completa maturação. Os passaros que cahem em bandos sobre os arrozaes logo que presentem maduras as sementes, nos annuncião a epoca da ceifa. Esta faz-se por meio do foucinho, e cortando com grande cuidado e destresa os calmos pelo seu terço superior para que o grão, que se desprende da espiga com grande facilidade, não se espalhe pela terra.

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815.º Procede-se em seguida á debulha e encelleira-se o grão depois de estar muito bem secco. Manda-se depois ao moinho de descascar, que não differe dos moinhos de moer trigo senão em ter a mó inferior coberta por um estrado de cortiça.

816.º As terras em que se cultivão os arrozaes durante alguns annos ficão muito ferteis e proprias para a cultura de quaesquer gramineas. Esta fertilidade provem principalmente da agoa, que innundara o terreno, dos saes que nelle se depuzeram, e que ella tinha em dissolução, da grande multidão de insectos que perecem e fertilisão o solo, e das muitas raizes e hervas espontaneas que nelle apodrecem e se decompõem. Donde se deprehende que os arrozaes juntão á excellencia e riqueza dos seus productos (que ascendem muitas vezes até 100 sementes e quasi nunca descem de 40) a vantagem apreciavel de bonificar os terrenos augmentando-lhes a sua energia productiva; de maneira que se não fôra a circumstancia de ser esta cultura acompanhada de um triste cortejo de enfermidades mereceria ser promovida e generalisada nos paizes meridionaes e principalmente no nosso, onde prospera, admiravelmente.

817.º Cultura do milho grosso ou mais. O milho grosso (zea mais) é uma planta originaria dos dois mundos, e nelles cultivada desde tempo immorial. A sua introducção porém no meio-dia da Europa data da descoberta da America, donde portuguezes e hespanhoes o trouxeram, talvez sem avaliarem devidamente o precioso e rico presente que importavam na sua patria. E na verdade o ouro e a prata que nos vierão daquellas regiões valeriam por ventura as opulentas subsistencias extrahidas desta graminea?

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818.º Ha poucas culturas de um interesse economico e de uma utilidade rural tão grande e tão universal como o milho grosso. Tudo nesta planta preciosa póde aproveitar-se desde a raiz até á semente. As suas partes podem todas utilisar-se, quer na alimentação do homem e dos animaes domesticos, quer em algumas das variadas necessidades das artes agricolas ou industriaes. Com a farinha proveniente do seu grão confecciona-se um pão sadio e nutriente, que chega a ser assaz agradavel, quando se lhe mistura alguma farinha de trigo, de centeio ou de batatas. Haverá cousa de tres seculos, que este pão é o alimento ordinario dos habitantes das nossas provincias do norte, e talvez o de uma boa metade da população do reino. O grão desta graminea é um bom mantimento para todos os animaes domesticos; e submettido á fermentação alcoholica póde substituir a cevada na preparação da cerveja. Os caules, as folhas e as bandeiras desta planta dioica, que contem os seus orgãos sexuaes masculinos, produzem uma excellente forragem propria para a mantença dos bois, dos cavallos e de outros animaes de trabalho, tanto no verão como no inverno. As suas espathas ou os involucros da maçaroca ou espiga, que contem os orgãos sexuaes femininos, servem para fazer chapeos, esteiras e para encher cochins e xergões, e mesmo para sustento do gado. As folhas são ainda aproveitadas na fabricação do papel. N'uma palavra todas as partes desta planta tem usos muito variados e importantes.

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819.º Existem varias especies de maiz, e muitas variedades provenientes destas especies. A especie mais geralmente cultivada tanto entre nós, como em todo o meio-dia da Europa, é o Zea maiz de folhas inteiras (foliis integerrimis) de Lin. Esta especie apresenta um grande numero de variedades, sendo as principaes o milho temporão e o milho serodeo, a que chamão tambem em algumas partes do reino milho cedovem e milho de orelha de mula. As variedades de côr branca, encarnada e amarella, que apresenta a especie acima indicada, são por tal modo fugazes e accidentaes, e transformam-se com tanta facilidade e frequencia, que não merecem ser consideradas na maior parte dos casos senão como variações.

820.º O milho branco reputa-se mais productivo que o encarnado e amarello, e tem a cana alta e a espiga maior; o milho amarello convem mais aos terrenos arenosos; é alguma cousa mais temporão, e prefere-se por isso nas sementeiras de revolta.

821.º O milho da Pensilvania generalisado em França pelos cuidados de Mr. Thouin merece ser cultivado de preferencia em toda a Europa meridional pela sua grande fecundidade; ha pé deste milho que chega a dar 14 e mais espigas ou maçarocas de tamanho mais que regular. O milho de Virginia, introduzido recentemente no continente europeo, é tambem considerado como uma das variedades mais productivas.

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822.º Os terrenos ligeiros e soltos, os calcaro-siliciosos e os silico-argilosos, com tanto que sejão bem adubados, são os que mais convem ao maiz. Todavia esta planta prospéra em todas as terras, uma vez que ellas sejão frescas, fundas, bem amanhadas, e estrumadas. Póde succeder a quasi todas as culturas, e preceder as dos cereaes.

823.º A preparação do terreno deve variar segundo a sua natureza. Como a principal condição desta operação é a de uma divisão completa, devem empregar-se as necessarias lavouras para obter este resultado. Muitas vezes bastam duas, sendo a primeira praticada antes do inverno e a segunda algum tempo antes da sementeira. Grada-se depois a terra para que fique muito bem sarjada e esterroada, e procede-se á sementeira depois de bem escolhida e preparada a semente.

824.º Adoptam-se dois methodos principaes nesta operação. Consiste o primeiro em espalhar a semente a lanço e cobril-a immediatamente com a grade - e o segundo em semeal-a a rego ou em linhas parallelas.

825.º O primeiro destes methodos adoptado entre nós nas grandes culturas deve ser considerado como essencialmente vicioso, não só porque faz desenvolver as plantas em distancias irregulares, acumulando-as muitas vezes em pequenos espaços, o que obsta sobre maneira ao seu natural desenvolvimento, mas tambem porque contraría os amanhos ulteriores, como são, a monda, a sacha e a arrenda; oppondo-se principalmente ao emprego dos instrumentos que simplificão, e aperfeiçoão o trabalho, como o cultivador e enchada de cavallo, &c.

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826.º O segundo methodo muito preferivel ao primeiro é o que entre nós se usa nas pequenas culturas, e o mais geralmente adoptado nas Beiras, na Estremadura e no Minho. Eis-aqui como geralmente se procede. Abrem-se por meio do arado ou do extirpador regos de tres pollegadas de profundidade e de 29 a 30 pollegadas de distancia: dá-se depois uma outra lavra atravessada com as condições da primeira, e semeão-se tres a quatro grãos nos pontos da intercessão dos regos: cobre-se depois a semente por meio da grade. E' preciso que os sulcos em que se depõem os grãos não tenhão mais profundidade do que a indicada, para que estes nasção bem, e não apodreção, o que acontece sobre tudo nas terras compactas e humidas, e quando se semea muito cedo. Tambem se semea a rego seguindo o semeador a charrua e depondo as sementes a distancias eguaes no fundo da pequena raia formada pela juncção do sulco que se vai abrindo e daquelle que o precedera, cobrindo depois a semente com o dorso da grade.

827.º O sementeiro apresenta uma incontestavel vantagem nesta sementeira, e deve empregar-se em toda a parte, onde o seu uso fôr conhecido. Tambem se prepara a terra á enchada de mão, semeando-se e cobrindo-se a semente por meio deste utensilio: este methodo porém com quanto seja muito usado no reino é sobre maneira dispendioso, e só pode applicar-se convenientemente a culturas limitadas, e em terrenos de regadio ou muito frescos, onde o maiz prospera admiravelmente.

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828.º E' desde o meado de março até aos fins de abril, que se devem fazer as sementeiras desta planta; convindo semear mais cedo nas terras altas do que nas baixas, e nos paizes quentes do que nos frios.

829.º Quando semeamos esta graminea com o fim de a aproveitar como forragem podemos então semear a lanço e muito mais basto; assim como em epochas muito mais variadas desde o começo de março até ao fim de maio para obter productos successivos, e alimentos frescos para os gados.

830.º Quando as plantas tem ganhado algumas pollegadas de altura, ou quando mostram a sua terceira ou quarta folha precisam ser mondadas e sachadas, ou por meio do sacho de mão ou da enchada de cavallo. E' nesta epoca que se resemeam as casas que falharam, empregando para este fim o milho quarenteno ou qualquer outra variedade temporã. Quinze ou vinte dias depois é conveniente dar um segundo amanho, e em muitos paizes executa-se esta operação com a charrua de duas aivecas chamada cultivador. O milho em tendo palmo e meio, ou em começando a emmaçarocar-se quer que o arrendem, ou como se diz em algumas provincias, que o amontoem. Este amanho consiste em aproximar das plantas a terra em pequenos montinhos para lhes proteger e agasalhar as raizes aereas que nascem do nó immediato ao collo da raiz. E' nesta epoca que costumam suprimir-se os renovos que esta planta produz quando é cultivada nos terrenos pingues.

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831.º Algum tempo depois da fecundação cortam-se as paniculas, vulgarmente chamadas bandeiras, com o fim de as dar ao gado. Mas como as flores masculinas existem naquelles orgãos é necessario não as cortar senão depois de se ter espalhado o pó fecundante que dellas se desprende; o qual cahindo sobre as flores femininas que revestem as maçarocas debaixo da fórma de filamentos semelhantes aos cabellos fecundam os ovulos, transformando-os em sementes. Quando aquelles filamentos ou barbas do milho se vão secando e fazendo escuros podemos proceder áquella operação.

832.º Quando se querem utilisar os intervallos que separam as linhas do maiz, é necessario logo depois dos primeiros amanhos semear feijões, batatas, aboboras, couves, e mesmo algumas variedades de milho temporão, que servem de forragem aos gados, e que não embaraçam o desenvolvimento da cultura principal.

833.º Quando as espathas, que revestem as espigas se mostram amarellas e aridas é signal de que o milho está maduro e em circumstancias de ser colhido. Na colheita temos a aproveitar os caules ou o folhado e as espigas da planta. Os primeiros cortam-se proximo do collo da raiz enfeixam-se, e depois de seccos á sombra empalheiram-se para sustento dos gados durante o inverno. As espigas espalham-se na eira onde se separam das espathas. No Além-Téjo faz-se desta operação um divertimento campestre. Os moços e as raparigas das aldéas no meio de danças e folgares dirigem-se á eira, onde n'uma ou mais noites de luar dão conta deste trabalho animados pelas toadas da musica dos campos e pelos prazeres innocentes que ella inspira.

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834.º As espigas deixam-se ainda na eira durante algum tempo para que a acção do ar e do sol as desseque, a fim de se recolherem neste estado para os celleiros, se não se prefere batel-as e debulhal-as alli mesmo por meio do mangoal.

835.º Quando porém se pretende conservar o milho de um anno para outro é melhor guardar as maçarocas, agrupando-as e atando-as por meio das suas camizas, e suspendendo-as depois em celleiros bem arejados e em varas convenientemente collocadas para este fim.

836.º Mas como esta pratica não póde inteiramente seguir-se nas grandes culturas, convem que se applique ao menos áquellas espigas, que pelo seu perfeito desenvolvimento merecerem ser conservadas para semente.

837.º Cultura do milho miudo e painço. O milho miudo (panicum miliaceum Lin.) differe do milho painço (panicum italicum Lin.) em sustentar paniculas ou bandeiras volumosas, longamente ramificadas, e superiormente pendentes em quanto o segundo apresenta as suas flores dispostas em espigas cerradas, cilindricas, e de ramificações curtas que apenas são observaveis na base. Estas duas especies, ainda que botanicamente differentes, reclamam todavia uma cultura similhante. Ellas pódem succeder ao trevo e preceder os cereaes.

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838.º Aprazem-se nos terrenos soltos e ligeiros com tanto que sejam substanciaes e bem preparados. Nos terrenos pobres e aridos dão uma escassa producção tanto de palha como de grão.

839.º Nas nossas provincias do Sul costumam semear-se estas duas especies de milho, e particularmente o milho miudo nos alqueives destinados ás sementeiras do trigo e do centeio. Semeam-se a lanço por todo o mez de Maio, e em alguns annos e em certas localidades no mez d'Abril; e como estas culturas não occasionam outras despezas mais do que as da lavoura destinada a cobrir a semente e da colheita, e como por outro lado beneficiam e preparam as terras para as subsequentes culturas daquellas graniferas não deixam por estas razões de ser bastante proveitosas.

840.º Em alguns paizes semeam o milho miudo em linhas parallelas, e submetem-o á mesma cultura do milho grosso; mas a producção daquella planta sendo muito incerta, e de pouco valôr póde em annos desfavoraveis não cobrir as despezas de um tão laborioso fabrico; sendo por esta razão talvez preferivel a pratica geralmente seguida entre nós, de semear a lanço, e de beneficiar sómente a seara mondando-a das hervas ruins.

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841.º A mudança de côr das paniculas e das espigas, que se tornam amarelladas na epoca da maturação, indica que a colheita está eminente: e então não se deve defferir para que se não dissemine uma parte da semente que facilmente se desprende dos casulos quando estes se acham demasiadamente seccos e aridos.

842.º Os usos destas gramineas não são tão importantes como os das outras de que temos fallado; entre tanto o seu grão produz uma farinha susceptivel de panificação, e é além disto utilisado na nutrição das aves, assim como a sua palha no sustento dos gados, que a comem com grande avidez.

843.º Cultura do milho sorgo. O milho sorgo ou zaburro branco (holcus sorghum Lin.) apresenta as suas flores e sementes dispostas na extremidade do caule em largas paniculas que formam uma especie de pequena vassoura. Semea-se no mez d'Abril e de Maio, e cultiva-se do mesmo modo que o milho grosso. Quer terra de fundo forte e humida. Sendo regado prospera admiravelmente. E' uma planta muito cultivada na Arabia e em diversos pontos da Asia. Nos Açores, em Hespanha, e em Portugal tambem se cultiva em maior ou menor escala. Esgota muito os terrenos, mas fórma um excellente prado artificial que póde dar uns poucos de cortes muito abundantes. O seu grão é de inferior qualidade, mas é excellente para engordar os porcos. Com as ultimas ramificações da sua panicula fazem-se boas escovas, e com as suas canas sebes para cerrar os farregeaes e as hortas.

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Cultura das plantas pratenses.

844.º Ainda que lentamente vão-se todos os dias transformando e aperfeiçoando os processos e praticas agricolas. Nós não cultivamos como cultivavão os nossos avós - e os nossos netos não hão-de cultivar como nós cultivamos. As novas precisões das sociedades modernas, a luz brilhante da civilisação que as guia, os aperfeiçoamentos que as sciencias tem successivamente introduzido nas artes vão transformando e polindo os seus processos, e ampliando a esfera da sua producção.

845.º Na primeira epoca da infancia da agricultura não se conhecia outro methodo de crear e nutrir os gados senão o de os apascentar nessas pastagens, que brotavão espontaneas nos terrenos virgens e incultos. Era a primeira indicação da natureza, e a marcha que inda hoje se observa nas planicies quasi desertas da America do Sul, onde rebanhos numerosissimos de bois e de cavallos, estranhos á domesticidade, vivem associados sem dono nem pastor que os guie.

846.º Esta pratica derivando naturalmente do excesso das terras com relação á população devia ser modificada logo que a mesma população crescesse, e que as terras escaceassem relativamente. E foi isso o que na verdade aconteceu. Alguns prados naturaes foram então submettidos á cultura, e começaram a ser recolhidas e aproveitadas as suas forragens para a mantença dos gados nas estações e nas epocas em que as pastagens dos terrenos incultos fossem insufficientes.

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847.º Continuando porém a população e multiplicar-se, aglomerando-se em certos pontos, e recrescendo todos os dias o numero das suas necessidades, foi indispensavel imaginar novos expedientes; e além das pastagens e prados naturaes foi mister recorrer aos prados artificiaes, que marcão a epoca mais notavel da agricultura europea.

848.º E na verdade um systema racional de cultura conta entre os elementos, que o constituem, os prados artificiaes, a sustentação dos gados nos curraes pelo menos uma boa parte do anno, a rotação das culturas, e um emprego copioso de estrumes. Mas como os prados se transformam em estrumes, e como os animaes no estabulo são os aparelhos desta transformação, é claro que a praticultura e a estabulação são os pontos cardeaes de um bom systema de agricultura.

849.º Vê-se por tanto que houve uma epoca na infancia desta arte em que só eram aproveitadas as pastagens dos terrenos incultos, ou as producções espontaneas destes terrenos; que a esta epoca se seguiu outra em que a estas producções se ajuntaram, na sustentação dos gados, as dos prados naturaes; e a esta ainda outra em que se recorreu ás ricas e variadas producções dos prados artificiaes.

850.º Esta cultura dos prados artificiaes está por desgraça muito pouco generalisada no nosso paiz; é mais geral a cultura tão simples como pouco dispendiosa, mas por certo muito menos productiva dos prados naturaes; e ainda é mais ou menos geral o uso de aproveitar as pastagens dos terrenos incultos e maninhos.

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851.º Nós não ousamos condemnar na actualidade nenhum destes dois ultimos usos, porque sabemos que não se muda n'um dia um systema de agricultura que prende com quasi todos os ramos de economia rural; mas fazemos votos para que a cultura alterna vá successivamente ganhando terreno sobre os outros dois systemas, isto é, que a praticultura, e por consequencia os afolhamentos, vão progressivamente substituindo o systema dos pousios e o pastoril.

852.º Os baldios e os pastos communs são um dos maiores obstaculos á introducção da cultura alterna e dos prados artificiaes. Os terrenos votados ao compascuo, que são ao mesmo tempo de todos e de ninguem nunca podem ser convenientemente aproveitados.

853.º O direito do compascuo é um dos maiores flagellos da nossa agricultura e torna quasi improductiva talvez uma decima parte das terras araveis do sul do reino.

854.º Pouco ou nada se aproveita dos terrenos baldios, porque nada se economisa, porque tudo se devora ou devasta em poucos dias. Os gados e rebanhos de todo o concelho, apenas as folhas se baldeão, entrão nellas de tropel, não para comer e aproveitar as pastagens, mas para destroçar e talar os campos, e para os percorrer uma e muitas vezes em todas as direcções, mettendo tudo debaixo dos pés. Este vandalico systema é a vergonha de um paiz agricola e civilisado. Os concelhos do reino, onde elle se tolera, distinguem-se pela miseria dos seus campos e pela pobreza dos seus habitantes. - Não seria melhor que as camaras do reino, que possuem baldios, os dividissem em sortes e os aforassem aos chefes de familia do concelho? Esta pratica adoptada em alguns municipios do Alem-tejo produzio optimos resultados. - E pelo que respeita aos terrenos de propriedade particular submettidos ao compascuo a lei já os devera ter emancipado deste onus, ampliando o principio da liberdade da terra tão fecundo em grandes resultados.

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855.º A praticultura tem por objecto ensinar os methodos mais convenientes para estabelecer e dirigir os prados, a fim de poder tirar delles o maior proveito possivel. Os melhoramentos que podem introduzir-se no nosso paiz neste ramo de cultura são incalculaveis. E' principalmente neste objecto que os nossos cultivadores devem seguir os exemplos dos seus vizinhos mais entendidos, e adoptar os conselhos dos homens esclarecidos neste genero de cultura, que faz por si só a riqueza de muitos paizes.

856.º Os prados dividem-se em naturaes, cuja herva ou forragem nasce, cresce, ou se reproduz espontaneamente, e em artificiaes cuja forragem resulta da sementeira mais ou menos vezes repetida de varias plantas pratenses. Estes ultimos subdividem-se em prados de rotação, e perennes: os primeiros fazem parte do giro ou da rotação das culturas, que se adoptaram; os segundos são permanentes e duram um numero indeterminado de annos. Estes ultimos vão-se tornando cada vez mais raros, porque está demonstrado que os terrenos onde taes prados permaneceram adquirem uma grande energia productiva, que convem aproveitar consagrando-os a successivas culturas, podendo nova e subsequentemente ser dedicados ás pratenses.

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857.º Para que um prado natural ou artificial seja rendoso é mister que tenha sido estabelecido n'um terreno humoso e fresco; porque a agoa e o humus são os dois mais poderosos elementos da força nutritiva do solo, e indispensaveis á prosperidade da maior parte dos prados. As terras por tanto mais apropriadas á cultura dos prados são os valles humidos e de bom fundo, as bordas das ribeiras e dos rios, e as varzeas expostas a frequentes innundações. - E quantos terrenos desta natureza existem em Portugal inteiramente desprezados, ao passo que se aproveitam logo proximo delles terras fracas e estereis na cultura do centeio e de outras gramineas? Quando se atravessam muitas das nossas provincias faz na verdade pena vêr abandonados tantos terrenos, e perdidas tantas agoas, quando todas, n'um paiz dellas escasso, naturalmente calido e arido, deveriam ser empregadas na irrigação das terras; por maneira que, a ser possivel, as nossas ribeiras e os nossos rios não despejassem nem uma só gota no oceano.

858.º Os nossos agricultores entendem que todos os terrenos que pódem produzir trigo, centeio, ou cevada não devem ser roubados a esta cultura que reputam a mais productiva de todas. Mas é um engano, porque muitos desses terrenos quasi de todo esgotados por uma cultivação continua e identica, seriam duas ou tres vezes mais rendosos se fossem dedicados á praticultura, que os tornaria aliás mais fecundos e muito mais proprios para serem novamente submetidos á cultura daquelles cereaes. Outros pensam que o nosso paiz não se presta senão muito forçadamente ás culturas pratenses; e com quanto seja verdade que os paizes septemtrionaes da Europa são mais azados para a maior parte d'ellas, todavia não deixa de haver nas diversas provincias do reino muitas terras adequadas á praticultura; e até nós acreditamos que quando os terrenos forem frescos ou de regadio apresenta o nosso paiz neste ponto grandes vantagens sobre os do norte, como o provam não só os luzernaes e os lameiros que começam a generalisar-se; como tambem o que acontece em algumas provincias de Hespanha, na Italia, e particularmente na Lombardia onde os prados prosperam admiravelmente.

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859.º Fôra muito conveniente que os nossos agricultores se persuadissem que quem cultiva terras deve crear gados para poder tirar todos os possiveis proveitos da sua profissão. São os gados que fazem a abundancia da casa do lavrador, são elles que lhe fornecem a força de tracção que faz funccionar as suas maquinas, os estrumes para adubar os terrenos, as carnes, os lacticinios, as lãs, e um grande numero de outros objectos uteis. Nos seus spuros é ainda aos gados que o lavrador recorre para obter algum dinheiro, &c. Ora, é preciso cultivar os prados artificiaes para ser creador de gados, ainda que não fosse se não para os alimentar e recolher nos curraes durante a má estação que produz sempre, como se sabe, uma grande mortandade nos rebanhos em consequencia do frio e da fome a que então são condemnados; e isto sem contar o inconveniente do abastardeamento das raças, consequencia infallivel da má alimentação que então experimentam.

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860.º O cultivador laborioso deve dar aos seus prados todos os cuidados necessarios. Deve destruir as más hervas, deve gradal-os antes da primavera, deve semear os logares vasios, deve estrumal-os quando fôr necessario, e deve finalmente regal-os ou pelo systema da irrigação por infiltração, ou da irrigação por submersão, de que fallaremos em outro logar.

861.º Os prados naturaes pódem ser muito melhorados semeando-se nelles algumas plantas pratenses proprias do terreno; e convem mesmo que de tempos a tempos o prado seja roto e regenerado com aquellas plantas. As mais apropriadas para este fim são aquellas especies de gramineas e trevaceas que espontaneamente nascerem no prado. Destas as que mais se recommendam são as seguintes: 1.ª o feno de cheiro ordinario (anthoxanthum odoratum, L.), 2.ª a junça de cheiro (cyperus longus, L.), 3.ª a junça nutritiva (cyperus esculentus, L.), 4.ª a poa pratense (poa pratensis, L.), 5.ª a festuca ovina (festuca ovina, L.), 6.ª o fromental (avena elatior, L.), 7.ª aveia amarellada (avena flavescens, L.) o azevem ou herva de semente (Lolium perenne, L.), 8.ª o trevo commum (trifolium pratense, L.), 9.ª o meliloto (trifolium melilotus, L.) &c.

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862.º As plantas pratenses pódem dividir-se em tres secções; pratenses leguminosas, pratenses gramineas, e pratenses de familias diversas.

Cultura das pratenses leguminosas.

863.º A cultura destas plantas (que são caracterisadas quasi sempre por flores papilionaceas semelhantes a uma borboleta ao levantar do voo, e por fructos em fórma de vagem) procura ao cultivador as seguintes vantagens:

1.ª A sua forragem é um alimento nutritivo agradavel, e que produz muito leite.

2.ª Melhora consideravelmente os terrenos, porque nutrindo-se principalmente da atmosphera, lhes communica muito acido carbonico.

3.ª Com prados de leguminosas pódem-se prescindir dos prados naturaes, e submetter os gados a estabulacão.

4.ª Finalmente a rica folhagem destas plantas projectando muita sombra impede a evaporação do solo, e o crescimento das más hervas.

864.º As principaes plantas da familia das leguminosas que se cultivam nos prados, são a luzerna, o trevo, o esparceto, e o meliloto.

865.º Cultura da luzerna (medicago sativa, L.). As vantagens desta planta, a mais productiva de todas as que se empregam nos prados artificiaes, são hoje geralmente conhecidas. Ella apraz-se principalmente em terra de fundo pingue bem dividida e estrumada no anno que preceder a sementeira. Não deixa porém de prosperar em qualquer terreno com tanto que seja humido e profundo.

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866.º Os terrenos marnosos e calcareos conveem particularmente á luzerna, mas é indispensavel que sejam preparados com lavouras reiteradas e profundas para ficarem bem esterroados e inteiramente limpos das hervas ruins. Esta planta dá-se perfeitamente nas terras donde foram arrancadas as vinhas, naquellas que foram submettidas ás culturas sachadas, e nas que estiveram algum tempo de pousio, principalmente sendo estrumadas e gessadas. Quer-se em clima temperado, e prospera perfeitamente nos paizes meridionaes da Europa.

867.º Posto que muitos agricultores cultivem já a luzerna com grande proveito em algumas das nossas provincias, e particularmente nos arredores de Lisboa, todavia esta cultura está muito longe de ser entre nós tão geral como conviria que fosse. Ha muitos paizes na Europa como são entre outros os que se acham proximos do Rhim, a Flandres franceza, a Belgica, e a Hollanda que lhe devem em grande parte o seu bem estar; nós tivemos occasião de admirar em alguns destes paizes o viço e a pompa dos seus riquissimos luzernaes.

868.º A sementeira da luzerna deve fazer-se em fins de Setembro ou em meiados de Março; mas a primeira epoca parece-nos preferivel no nosso clima, e principalmente nas nossas provincias do sul, onde os rigores do inverno raras vezes são excessivos. Convem semear esta leguminosa com o centeio, com a cevada, com as ervilhas e com o serraceno que a protegem e abrigam durante a primeira epoca do seu desenvolvimento. Semea-se na razão de quarenta arrateis por geira, e convem empregar tanta mais semente quanto menos favoravel lhe fôr o solo. A boa semente é luzidia, e de uma bella côr amarella: a branca é considerada como não madura, e a escura como velha e deteriorada.

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869.º Nos mezes de Fevereiro é conveniente gradar; e mesmo, em certos casos em que os prados se vão arrelvando de hervas ruins, metter-lhe o extirpador. Esta operação faz prosperar os luzernaes, e assegura-lhes uma mais longa duração. E não nos devemos arrecear de prejudicar as plantas despedaçando-lhe com os dentes da grade o colo das suas raizes, porque as que forem assim mutiladas rebentarão com duplicado vigor.

870.º As raizes da luzerna penetram até á profundidade de muitos pés; donde se collige que a profundidade do solo será uma das principaes condições da prosperidade, da maior duração e do vigor do luzernal. Um prado de luzerna é o melhor, o mais economico, e o mais productivo de todos os prados. Vive de seis a quinze annos; produz quatro a oito cortes de uma forragem abundante e sempre nutritiva, quer se dê em verde, quer no secco. Para a mantença do gado ao estabulo nada póde egualar a excellencia de um bom luzernal que póde começar a ceifar-se quinze dias antes do trevo, dando desde logo temporãos e riquissimos productos. E' necessario porém grande cautela no administrar desta forragem aos gados. Só vinte e quatro horas depois de cortada, e quando já se achar um pouco murcha, deve ser deitada aos animaes; e mesmo neste caso deve dar-se em pequenas quantidades, e misturada com alguma graminea, com palha ou com feno. De contrario póde causar grande damno produzindo a meteorisação vulgarmente chamada torcilhão, que causa em breves horas a morte dos gados quando não é promptamente atalhada.

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871.º Os cortes da luzerna devem fazer-se antes da sua plena florescencia; não só com o fim de obter um maior numero delles, mas mesmo para que os caules se não tornem demasiadamente lenhosos e duros. Quando se poder dar uma rega logo depois dos cortes do estio ou do outono teremos assegurado no nosso paiz abundantes e successivas colheitas. Logo que n'um luzernal começam a apparecer logares vazios é mister romper o campo, o que se faz ou por meio da enxada, ou da charrua de Dombasle. Ordinariamente esta operação executa-se antes do inverno. Nos campos novamente rotos pódem então semear-se trigo, aveia, maiz com grande vantagem, porque a luzerna tem a propriedade de enriquecer prodigiosamente o solo, não só pelas muitas raizes de que o deixa juncado, e que decompondo-se se transformam em terriço; mas tambem porque é uma dessas plantas preciosas que dá á terra mais principios nutritivos do que lhe subtrahe.

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872.º Cultura do trevo (trifolium). O trevo vermelho ou dos prados (trifolium pratense, L.) a que tambem se dá o nome de trevo grande de Hespanha é de todas as trevaceas indigenas do nosso paiz a mais geralmente cultivada, tanto entre nós como no resto da Europa.

873.º A introducção desta planta durante uma parte do ultimo seculo, produziu desde logo uma grande revolução nos methodos agricolas dos paízes do norte. Os elogios que Schoubart, seu principal introductor, lhe prodigalisara fizeram conceber esperanças muito exaggeradas que o tempo foi successivamente reduzindo ás suas justas proporções. Hoje já se não pensa que nos afolhamentos triennaes se possa cultivar o trevo durante um grande numero de rotações; nem se acredita que com elle se possa supprimir de todo o pousio ou prescindir inteiramente de outros prados naturaes ou artificiaes; mas ainda se crê que é uma planta preciosa para alternar com os cereaes e a mais propria para ser cultivada no anno ou annos de descanço das terras, e para produzir uma excellente e abundante forragem.

874.º O trevo ama as terras frescas e profundas, os solos argilosos ou argilo-siliciosos convenientemente corrigidos, e mesmo os terrenos arenosos uma vez que não sejam demasiadamente seccos e calidos.

875.º Esta planta semea-se quasi sempre ou com as aveias e cevadas da primavera, ou sobre as trigadas e centeeiras do outono. No primeiro caso devem lançar-se á terra os cereaes, e depois de cobertos com a grade é que convem semear o trevo para finalmente o enterrar com o dorso da mesma grade, ou com o rolo, mas muito superficialmente por causa da finura e pouca força germinativa do seu grão. No segundo deve lançar-se a semente sobre as cearas em tempo humido e chuvoso sem mesmo curar de a cobrir.

876.º Um excellente meio de cultivar o trevo, assim como a luzerna é o de o semear com a aveia e cevada destinadas a serem ceifadas em verde. Seguindo-se este methodo obtem-se ordinariamente depois de um ou dois cortes destas gramineas, um bello corte de trevo nos fins do estio ou principios do outono. A boa semente desta planta deve apresentar uma côr amarella. A que se vende no commercio tem muitas vezes perdido a sua faculdade germinativa pela dessecação, sendo por isso conveniente ensaial-a antes de a empregar em ponto grande.

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877.º Como o trevo exige uma terra limpa e bem esmiuçada é vantajoso fazel-o succeder ás culturas sachadas. O seu logar nas rotações regulares é logo depois do primeiro cereal que faz parte destas rotações, e não depois do segundo como muitos praticam. Depois do trevo pódem cultivar-se com vantagem quasi todas as plantas porque elle deixa o solo muito melhorado e fertil.

878.º Os adubos que muito convem ao trevo são os estrumes vegeto-animaes, o marne, e a caliça; mas é o gesso que se deve empregar de preferencia como o mais poderoso estimulante desta planta, e de quasi todas as leguminosas. Uma mistura de cal e cinzas é tambem um excellente correctivo.

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879.º O trevo durante os dois annos que costuma ficar no solo produz dois a quatro cortes. Dá-se em feno e em verde, mas neste ultimo caso precisam-se adoptar as mesmas precauções que indicamos com respeito á luzerna. Quando o trevo é pastado pelos gados no proprio prado tambem se deve evitar que seja comido, quando está carregado de orvalho ou de humidade, porque então costuma produzir, como a luzerna a meteorisação.

880.º Além da especie de trevo, de que nos temos occupado, cultivam-se tambem, posto que menos geralmente, outras especies como são o trevo branco ou o pequeno trevo de Hollanda, (trifolium repens L.) que prospera nas terras inferiores onde o trevo vermelho não póde vingar; o trevo encarnado ou do Rossilhão (trifolium incarnatum, L.) que se vai generalisando em França, e que se acommoda com terras magras e climas rudes. O trevo hybrido (trifolium hybridum, L.) cuja duração excede a de todos os mais trevos, tornando-se por isso muito recommendavel. Todas estas especies são muito proprias para melhorar os fenos dos prados naturaes onde se devem lançar frequentes vezes; por isso que com este simples processo sem se fazer mais despeza do que a do custo da semente, augmenta-se e bonifica-se consideravelmente a producção dos mesmos prados.

881.º Cultura do samfeno ou esparceto. O esparceto (hydisarum onobrychis, L.) é uma leguminosa pratense propria para os terrenos calcareos e pobres, que não são propicios nem ao trevo nem á luzerna. A forragem que delle resulta é menos abundante que a destas ultimas plantas, mas é mais sadia e não tem o inconveniente de meteorisar os animaes.

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882.º O solo que se destina a esta planta deve submetter-se á mesma preparação que o da luzerna.

883.º O esparceto semea-se com os cereaes de primavera e outuno, bem como com as forragens verdes. Os ultimos quinze dias de março e a primeira metade do mez de abril são a melhor epoca da sua sementeira.

884.º Um prado de esparceto póde durar em terreno apropriado de dez a quinze annos. Produz um bom córte quando está em plena floração, e em annos favoraveis dois, sendo porém o segundo muito inferior ao primeiro.

885.º Tanto nestes prados como nos de luzerna e trevo deve sempre reservar-se um conveniente espaço para a producção da semente, a fim de ser recolhida e guardada em tempo oportuno.

886.º O esparceto é um grande presente da natureza feito ás terras calcareas e cretaceas de inferior qualidade, onde difficilmente crescerião outras forragens. Esta planta tem a vantagem de melhorar consideravelmente os terrenos, como se tem observado em alguns departamentos de França. Entretanto a cultura desta leguminosa não tem prosperado em muitos pontos do nosso paiz, e nós conhecemos alguns agricultores que foram mal succedidos nos seus ensaios, e que por fim resolveram abandonal-a.

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887.º Ha uma especie de esparceto conhecida pelo nome de esparceto de Hespanha ou sulla, que é muito cultivada neste paiz e em quasi toda a Italia, e que merece ser talvez introduzida na nossa praticultura. A sua cultivação é simples e pouco dispendiosa, e na Calabria, onde se alterna com os trigos, contentão-se com espalha-la entre os restolhos, a que lançam depois fogo sem mais algum outro amanho. A semente coberta pelas cinzas penetra pouco a pouco na terra e nasce em novembro quatro mezes depois de semeada.

888.º A sulla constitue um prado abundante e espesso em consequencia da multidão dos caules, das folhas e das flores que a planta produz. Nós temos frequentes vezes cultivado este prado em terrenos argilo-siliciosos e de regadio, e sempre obtivemos delle um riquissimo córte.

889.º Cultura do meliloto. O meliloto branco da Siberia (melilotus alba, Lam.) tem sido recommendado por alguns agronomos e particularmente por A. Thouin como uma excellente planta pratense. E na verdade os seus caules elevando-se a quasi dois metros de altura e revestindo-se de uma espessa folhagem e de numerosos cachos de flores formam um prado virente e pomposo, que parece exceder em productos a todos os outros prados de que temos fallado. Mas apezar de todas estas apparentes vantagens e da de prosperar em terrenos cretaceos, aridos, e pobres, não se tem generalisado a sua cultura por se tornar muito promptamente lenhoso e por ser regeitado neste estado pelos gados, que apenas lhe comem as suas summidades. Entretanto quando se semea muito basto este inconveniente desapparece quasi inteiramente, principalmente se o ceifarmos logo ao começar da floração.

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Cultura das pratenses gramineas.

890.º A numerosa e interessante familia das gramineas, que fornece aos habitantes de uma parte do mundo o seu principal mantimento, ministra egualmente aos animaes herbivoros a sua mais geral nutrição e fórma uma das primeiras bases dos prados tanto naturaes como artificiaes.

891.º Não sendo possivel tratar aqui de todas as gramineas pratenses, sómente nos occuparemos das especies mais interessantes, quer pela abundancia e qualidade superior dos seus productos, quer pela sua rusticidade, e por essa propriedade preciosa para o agricultor de se acommodarem com terrenos ingratos e pobres, e com localidades pouco favorecidas.

892.º As principaes especies de gramineas, que se cultivão nos prados, são o azevem, a herva de Guiné, o fromental, a festuca, o centeio, a cevada, e o milho.

893.º Cultura do azevem. O azevem, raigraz dos inglezes, ou herva de semente (lolium perenne, L.) cresce espontaneamente em quasi todos os paizes da Europa, e fórma o principal fundo da maior parte dos pastos naturaes. E' a planta empregada nos prados de relva que ornão os jardins inglezes, e que começão a ornar os nossos.

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894.º Na grande cultura os resultados que se obtem desta planta são muito variaveis em razão das differenças de clima, do solo e de outras circumstancias locaes; sendo esta a principal causa da diversidade de opiniões, que com respeito ao seu merecimento como planta forraginosa tem sido emittidas.

895.º Em geral póde asseverar-se que a herva de semente, que tão ricos e tão perennes prados produz em Inglaterra, não apresenta eguaes vantagens nas nossas provincias do sul, principalmente não sendo cultivada em terrenos ou muito humidos ou de regadio. E na verdade quando se cultiva fóra destes terrenos os seus caules endurecem e secão, a ponto de serem recusados pelos gados e a sua forragem é muito pouco espessa e productiva. Entretanto nas nossas provincias do norte, assim como nas Beiras, dá-se muito melhor e é ahi cultivada desde tempos antigos nos prados artificiaes chamados lameiros.

896.º Ha porém uma outra especie de azevem, que merece os elogios que lhe tem sido feitos, e que deve considerar-se como uma rica acquisição feita pela praticultura: é o azevem ou o raigraz de Italia (lolium Italicum) cultivado neste paiz e na Suissa com grande successo, propagado muito geralmente na França, e começado a introduzir entre nós com muita felicidade.

897.º Esta planta que uns consideram como uma variedade do raigraz dos inglezes, e outros como uma nova especie (o que nos parece muito mais natural, attenta a particular disposição dos seus caules e a fórma das suas folhas) quer-se em terrenos humidos e muito melhor sendo de regadio. Póde semear-se no outono ou na primavera, tendo-se dado ao terreno egual preparação á dos trigos e cevadas.

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898.º A sua duração não excede ordinariamente dois annos, mas se o terreno e outras circumstancias a favorecem dura muito mais tempo. Costuma dar pelo menos tres córtes; mas em terras humidas dá muitos mais, e no Milanez, onde se cultiva em ponto grande, chega a dar oito. A sua forragem é excellente, e não tem o perigo de produzir a meteorisação. Nós convidamos os nossos agricultores, que tiverem terrenos propicios a esta graminea, a que a ensaem, porque acreditamos que se hão-de dar muito bem.

899.º Cultura da herva de Guiné. A herva de Guiné (panicum altissimum) tendo adquirido na America uma grande e bem merecida reputação, depois que os inglezes alli a introduziram trazendo-a da Africa, foi ensaiada em varios pontos da França e noutros paizes do continente europeo com variado successo. Originaria dos paizes quentes esta planta dá-se melhor no sul do que no norte da Europa. Cresce com muita rapidez e póde dar dois e mais córtes annuaes; é no seu segundo anno que se apresenta com toda a sua força, e muitas vezes tão pomposa que chega a adquirir vara e meia de altura.

900.º Nos terrenos e paizes que lhe são propicios basta que se semee a primeira vez, porque por si mesma continua a propagar. A sua semente não é toda fecunda; e mesmo deixa inteiramente de o ser quando não se cultiva n'uma favoravel exposição. Deve semear-se em linhas parallelas a distancia de dois palmos umas das outras, em terreno bem preparado e adubado. Póde proceder-se a esta operação nas duas primaveras, mas a do outono é muito preferivel. Propaga-se tambem como quasi todas as plantas multicaules por touças, podendo cada pé subministrar um grande numero dellas. E' planta de grande rusticidade e resiste, segundo as nossas proprias observações, aos maiores rigores do inverno do nosso paiz.

901.º Nós temos cultivado no jardim botanico d'Ajuda, cuja direcção nos foi confiada, esta graminea, e podemos asseverar aos nossos agricultores, que ella prospera admiravelmente nos terrenos humidos, e nas exposições meridionaes.

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902.º Produz uma boa e abundante forragem que o gado come com avidez, uma vez que seja cortada ainda tenra e logo ao despontar da floração: tem porém o inconveniente de não poder utilisar-se o seu feno, porque os seus caules endurecem e secão-se consideravelmente, de maneira que neste estado são regeitados pelo gado.

903.º Cultura do fromental. O fromental (avena elatior, L.) a que alguns dão, com impropriedade, o nome de Raigraz de França, é uma graminea vivaz, que se eleva a mais de um metro de altura, e que apresenta caules guarnecidos de largas folhas e uma longa panicula com espiguetas de duas flores.

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904.º Apraz-se nos terrenos elevados e pouco humidos; teme mais a excessiva humidade do que a secura, tornando-se muito apropriada para os prados das terras altas e medias do nosso paiz. Semea-se nas epocas e pelo modo por que se semeia a aveia.

905.º Esta graminea, quando o terreno lhe é propicio, dá productos de uma notavel abundancia. O seu feno posto que de boa qualidade é um pouco tenaz e fibroso; seca-se muito promptamente sobre a planta, o que deve induzir-nos a ceifar cedo, a semear basto, e a associal-a com algumas leguminosas, como o esparceto, o trigo, &c. Adoptada que seja esta pratica o fromental fórma prados proprios para serem ceifados, muito preferiveis por certo aos de quasi todas as especies da sua familia.

906.º Cultura da festuca. Cultivão-se tres especies de festucas: e são a festuca dos prados (festuca pratensis, L.) a festuca gigante (festuca elatior) e a festuca das ovelhas (festuca ovina, L.). A primeira destas especies recommenda-se pela abundancia e excellente qualidade dos seus productos. E' uma planta vivaz e indigena do nosso Portugal, muito propria para ser semeada nos prados baixos e humidos, onde vem um pouco tardia.

907.º A segunda tem muitas semelhanças com a precedente com quem ha sido confundida por muitos botanicos, alguns dos quaes a tem reputado como uma variedade - é tambem vivaz, mas as suas folhas são mais largas e mais numerosas, as suas paniculas mais amplas, e os seus caules mais elevados; é mais tardia, mais abundante e mais duravel. A sua forragem posto que um pouco dura é todavia de excellente qualidade.

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908.º A terceira ou a festuca ovina tem as vantagens de se estabelecer natural e vigorosamente nas terras aridas, quer sejão siliciosas, quer calcarias, de ministrar um pasto muito agradavel ás ovelhas, e um bom alimento durante o inverno - qualidades que a tornam na verdade muito recommendavel.

909.º A epoca da sementeira das festucas é nos principios do outono, e a preparação do terreno em que pertendemos semeal-as é a mesma que para a maior parte dos cereaes. Todas estas tres especies de gramineas podem ser utilisadas em melhorar os prados naturaes, onde crescem espontaneamente.

910.º A cultura do centeio como forragem é importantissima, principalmente no nosso paiz; não só porque esta planta vem no começo do inverno, quando são muito raras outras forragens verdes, mas mesmo porque a sua producção é muito interessante e faz uma transição opportuna do nutrimento seco para o verde, concorrendo muito para o bem estar e para o vigor dos animaes a quem se administra.

911.º O centeio para forragem semea-se no outono um pouco antes do centeio para grão, e emprega-se um terço mais de semente do que quando se destina para este ultimo fim. Misturado e semeado com a ervilhaca de inverno augmenta e melhora consideravelmente o seu producto. Uma das vantagens desta cultura é deixar a terra desembaraçada para uma nova sementeira de primavera, como as batatas a betarraba, &c.

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912.º O centeio multicaule torna-se muito recommendavel, porque sendo semeado no mez de agosto póde dar ainda um corte no outono, e deixar a terra livre para outra cultura. Esta planta é preciosa para os terrenos montanhosos e póde cultivar-se no meio das matas se não forem muito espessas: merecendo por isso ser ensaiada nas nossas herdades do Alem-tejo.

913.º A cultura da cevada como forragem apenas differe da que convem a este cereal para grão, na epoca da sementeira e na quantidade da semente, que deve ser um pouco mais abundante. Esta graminea offerece um recurso precioso para o nutrimento dos animaes herbivoros no começo da primavera, servindo-lhes não só de um alimento agradavel e sadio, mas ainda de um depurante, que umas vezes previne e outras cura muitas molestias.

914.º Deve ceifar-se cedo para que o terreno possa ser utilisado em outras culturas, e principalmente na das batatas, que prosperam muito bem depois desta colmifera.

915.º A cevada nampto, oriunda da Asia, e importada ha pouco tempo na Europa, excede todas as demais especies conhecidas não só pela natureza e quantidade do seu grão, como por sua rica e copiosa forragem; o que nos induz a recommendal-a aos nossos agricultores. Semea-se nos meados de março, e amadurece ao cabo de dez ou onze semanas. Havendo meios de adubar os terrenos podem-se repetir as sementeiras no mesmo campo segunda e terceira vez; visto que para esta forragem ser cortada em verde basta que decorrão 35 a 40 dias pouco mais ou menos.

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916.º A cultura do milho grosso como forragem não demanda tanto esmero como a cultura desta planta quando nos propomos utilisar-lhe o grão. O terreno deve submetter-se á mesma preparação; mas os amanhos de entretenimento esses são escusados. A sementeira póde fazer-se a lanço, posto que os cultivadores mais cuidadosos a façam a rego. Precisa-se empregar quasi o dobro da semente que empregamos quando queremos obter espigas. Convem que os terrenos se semeem por pequenas divisões de 15 em 15 dias, desde Março até Junho, preparando deste modo durante tres a quatro mezes uma ampla colheita de uma das melhores forragens verdes conhecidas que póde offerecer-se ás vaccas de leite, aos bois de trabalho e a todos os animaes herbivoros. Elles a devoram com insaciavel avidez, porque além de os nutrir e regalar com o seu sabor assucarado, refresca-os e mantem-os ageis e alegres durante os calores do estio. E' preciso porém não lhes dar á discripção um tão saboroso alimento para evitar os accidentes funestos que costumam sobrevir, principalmente quando se dá viçoso e humido. Os prados de milho quando regados pódem produzir dois ou tres cortes, sem que por isso a terra seja grandemente depauperada, porque está demonstrado que toda a planta annual, que se corta antes da floração, não esterilisa consideravelmente os terrenos.

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917.º Alguns cultivadores expõem o folhado a uma especie de maceração lançando-lhe agoa quente, umas vezes pura, outras vezes salgada. Este expediente além de melhorar as qualidades nutritivas desta forragem secca, torna-a mais agradavel ao gado, e de muito mais facil commutação.

918.º Os prados de milho sorgo são muito productivos nos terrenos de fundo que gozam de bastante humidade. São muito communs nas nossas ilhas da Madeira e dos Açores, e merecem generalisar-se no continente do reino. Os terrenos porém, que se dedicaram a estes prados, ficão muito esgotados, e carecem de consideraveis adubos para serem submettidos a novas culturas.

Cultura das plantas pratenses e forraginosas de familias diversas.

919.º Nesta divisão entram um grande numero de plantas; nós só nos occuparemos das principaes, e dessas mesmas fallaremos muito succintamente.

920.º A esparguta (spergula arvensis) da familia das caryophyladas produz uma forragem muito apetecida das vaccas, e que lhe faz crear muito leite. Dá-se nos terrenos sablo-argilosos substanciaes e frescos. Desenvolve-se com grande rapidez, de maneira que oito semanas depois de semeada já está susceptivel de se cortar. Em terrenos propicios chega a produzir dois cortes. Semea-se sobre os restolhos no principio de Setembro e demanda pouca cultura.

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921.º A couve cavalleiro (do genero das brassicas e da familia das cruciferas) merece ser cultivada como planta forraginosa por causa da elevação dos seus caules, da amplidão das suas folhas, e da grande facilidade com que estes orgãos rebentam e se multiplicam. Esta planta subministra um bom nutrimento ao gado durante o inverno. Cultiva-se em quasi todas as nossas provincias, e particularmente nas do norte, onde serve de alimento a populações inteiras.

922.º A pimpinella (poterium sanguisorba, L.) da familia das rozaceas tem o grande merecimento de fornecer excellentes pastagens nas terras arenosas, calcareas e pobres, de resistir aos extremos de seccura e frio, e de fornecer um recurso muito precioso no inverno para a mantença dos rebanhos, principalmente de ovelhas. A epoca ordinaria da sua sementeira é em Setembro ou Março. Póde empregar-se com vantagem no melhoramente dos prados naturaes.

923.º A sarradella (ornithopus sativus) cultiva-se hoje em muitos pontos do reino com grande vantagem. E' uma planta forraginosa indigena do paiz, e que ama as terras magras, onde cresce naturalmente. Produz uma excellente forragem muito apetecida dos gados: e é uma planta para melhorar os prados naturaes.

924.º O trigo sarraceno (polygonum fagopyrum, L.) póde ser cultivado com tres fins, a saber: para ser enterrado com o estrume verde, logo que a flor desponta - para recolher o seu grão que é diversamente utilisado, já no sustento das aves, já no do proprio homem nos paizes menos favorecidos da providencia - e para forragem verde no verão; forragem que é muito apetecida das vaccas, e que produz muita copia de bom leite. A epoca da sua sementeira é no mez de Maio - e no de Junho já se póde recolher; tanta é a rapidez do seu desenvolvimento! Quer terrenos arenosos, e uma preparação ligeira e superficial. Ha uma outra especie de trigo serraceno conhecido pelo nome systematico de poligonum tartaricum, que para forragem é preferivel á primeira.

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925.º Além destas plantas existem muitas outras, que constituem excellentes forragens, mas que tendo outros usos economicos devem ser tratadas em outro logar, como são a betarraba, o nabo, a cinoura, &c.

926.º Os pastos arboreos merecem muita consideração no nosso paiz, e com muita razão os recommenda o nosso celebre naturalista José Bonifacio de Andrade na sua erudita memoria sobre a necessidade do plantio de novos bosques em Portugal. As arvores e arbustos mais interessantes debaixo deste ponto de vista são o ulmeiro (ulmus campestris, L.) o freixo (fraxinus excelsior, L.) a acacia bastarda (robinia pseudoacacia, Wild.) o sovereiro (quereus suber, L.) o carrasqueiro (quercus coccifera) a azinheira (quercus ilex, L.) a videira (vitis vinifera, L.) a luzerna arborea (medigage arborea, L.) &c. Os limites, que circunscrevem o nosso trabalho não nos permittem tratar da cultura destas plantas debaixo do ponto de vista indicado.

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Cultura das leguminosas de sementes farinaceas.

927.º As leguminosas de sementes farinaceas querem terrenos calcareos, calcaro-argilosos, humidos, bem fabricados e adubados. Estas plantas são de muito interesse tanto na grande como na pequena cultura, tanto para o agricultor como para o horticultor. Dão-se melhor nos paizes temperados do que nos frios, e por isso são mais geralmente cultivadas no meio-dia do que no norte da Europa, onde soffrem muito com os gelos e com as neves do inverno. Como se nutrem principalmente das substancias aeriformes absorvidas pelas suas numerosas folhas esgotam muito menos os terrenos do que as gramineas, com as quaes devem alternar n'um bom systema de afolhamentos. Apresentam as vantagens de todas as culturas sachadas mantendo o solo n'um estado de permanente divisão, o que o melhora consideravelmente. Em consequencia da sombra que a sua espessa folhagem projecta no terreno concorrem para a conservação da sua humidade e para a extirpação das hervas ruins, uma grande parte das quaes vem a perecer por falta de luz. Produzem pela maior parte uma forragem mais substancial do que a dos cereaes, e subministram com as suas sementes um excellente nutrimento ao homem.

928.º Temos a tratar neste logar da cultura das seguintes leguminosas - das favas, dos grãos de bico, das lentilhas, das ervilhas, e dos feijões.

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929.º Cultura das favas. A fava ou faveira (vicia faba, L.) é uma leguminosa que nos apresenta tres variedades, que se cultivam ha muito tempo entre nós: estas variedades são a fava ordinaria (faba maior), a fava de Mazagão (faba mediocris) e a fava de Hollanda ou faverola (faba minor seu equina). A primeira é a mais geralmente cultivada no reino; a segunda cultiva-se principalmente nas provincias do sul, e a terceira é a menos generalisada, posto que seja muito productiva, e subministre um excellente penso para os cavallos e outros animaes, circumstancia que tem propagado singularmente a sua cultura em Inglaterra, e em algumas das nossas ilhas.

930.º A fava é um legume que se cultiva tanto nas hortas como nas terras lavradias. A sua cultura mereceu sempre grande attenção aos nossos agricultores, porque lhes subministra um alimento abundante e sadio tanto para os seus creados como para os seus gados. Esta leguminosa apraz-se nos terrenos frescos e substanciaes. Quer amanhos repetidos e adubos abundantes. Semea-se nas nossas provincias do sul nos mezes de Outubro e Novembro; e nos sitios e annos frios nos fins de Janeiro e principios de Fevereiro, e ás vezes ainda mais tarde conforme o correr da estação, a natureza do terreno e a qualidade da semente.

931.º Quando cultivamos este legume em grande, e em terras lavradias devemos primeiramente fabrical-as com a charrua e com a grade, e abrindo depois pequenos sulcos a distancias de um pé uns dos outros deitaremos ahi a semente com intervallos de oito a nove pollegadas; cobrindo-a depois ou com o arado ou com a grade. Alguns agricultores costumam semeal-a a lanço, mas este methodo não merece ser adoptado: quando a cultivamos porém nas hortas e nos cercados, costuma-se preparar a terra á enchada, e dispondo-a em regos ou taboleiros nelles se faz a sementeira pelo methodo indicado.

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932.º Quando as plantas tem algumas pollegadas de altura devem sachar-se e amontoar-se, o que augmenta consideravelmente a sua producção.

933.º As favas de Hollanda, que em alguns paizes são objecto de uma cultura consideravel, prosperam nas terras francas de pão: semeam-se em Novembro e ás vezes em Março a lanço ou em linhas nos terrenos bem preparados: no primeiro caso convem gradal-as quando tem duas pollegadas pouco mais ou menos, e no segundo podem sachar-se por meio da enchada de cavallo. A producção desta planta é consideravel, e o seu grão é um bom alimento para cavallos e bois.

934.º As favas tambem se semeam frequentes vezes com o fim de as enterrar antes da floração na qualidade de adubos verdes. Estes adubos beneficiam consideravelmente o solo, e são um dos recursos de que devemos lançar mão quando houver escassez (e raras vezes deixa de havel-a) de estrumes vegeto-animaes.

935.º Cultura do grão de bico. O grão de bico ou ervanço (cicer arietinum, L.) é uma leguminosa muito generalisada na Asia e na Africa, cuja cultura se tem dilatado consideravelmente no meio dia da Europa e principalmente na Italia, em Portugal, e na Hespanha onde existem provincias inteiras que fazem deste legume o seu principal alimento.

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936.º Os terrenos mais proprios para esta cultura são os calcaro-argilosos, com tanto que sejam bem fabricados e conservem alguma humidade. Nas provincias meridionaes de Hespanha e Portugal preferem semear os grãos no mez de Março e ainda nos primeiros dias do mez de Abril: e semeam-nos geralmente nos restolhos do trigo e cevada do anno anterior depois de os terem preparado com dois ou tres ferros. Ha porém localidades onde se prefere semeal-os no outomno, nos fins de Outubro e Novembro.

937.º Semeam-nos geralmente a rego e a distancia de meio palmo uns dos outros - passam-lhes depois a grade de maneira que fiquem enterrados a quatro dedos de profundidade. Quando tiverem cinco a seis pollegadas de altura devem sachar-se e amontoar-se sem o que é muito escassa a sua producção. Póde tambem empregar-se nesta operação a enchada de cavallo, uma vez que a sementeira tenha sido feita no intuito de aproveitar a acção deste excellente instrumento.

938.º Quando esta planta é destinada para forragem, o que é pouco commum entre nós, deve semear-se basto e a lanço. Neste caso deve cortar-se antes da floração para se poder obter um outro corte no decurso do verão. Esta leguminosa quando se ceifa verde melhora muito os terrenos, disfructa-os porém, e esterilisa-os consideravelmente quando a destinamos á producção da semente.

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939.º Cultura das lentilhas. A lentilha (ervum lens L.) apresenta duas variedades, ambas bastantemente cultivadas, tanto no nosso como n'outros paizes meridionaes. Estas variedades são a lentilha grande (ervum lens maior) e a lentilha pequena (ervum lens minor). A primeira é mais productiva do que a segunda, e é tambem a mais generalisada na Peninsula: apresenta sementes maiores, muito comprimidas e de uma côr amarella escura. A segunda tem as sementes de uma côr avermelhada, mais achatadas e mais saborosas, sendo por esta razão cultivada de preferencia nas hortas. Ambas produzem porém um legume muito nutritivo e agradavel.

940.º Além da especie, cujas duas variedades acabamos de mencionar, ainda se cultiva no reino, e principalmente na provincia de Traz-os-Montes uma outra que alli conhecem pelo nome improprio de ervilhaca parda, ou parda dos transmontanos (ervum monanthos) que é muito mais forraginosa, posto que um pouco inferior na qualidade de sua semente.

941.º As lentilhas querem terrenos sem grande preparação, arenosos e pobres: contentam-se com lavouras superficiaes, por isso que as suas raizes profundam muito pouco no solo. E' no mez de Fevereiro e Março, mas principalmente nesta ultima epoca, que devem semear-se. Costumam lançal-as nos restolhos de centeio, e cevada, depois de convenientemente fabricados.

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942.º Esta planta precisa colher-se antes que a sua vagem esteja completamente madura para se não perder uma porção de semente que se espalha com grande facilidade pela terra. Bate-se, debulha-se e limpa-se na eira como o trigo ou qualquer outra granifera.

943.º Cultura das ervilhas. A ervilha ou ervilheira ordinaria (Pisum sativum), como todas as plantas desde longo tempo cultivadas, apresenta um grande numero de variedades e raças que se distinguem umas das outras por mais temporãs, ou por mais serodias, pelos seus caules mais ou menos longos ou anões, pelos seus legumes mais ou menos curtos, mais ou menos tenros revestidos ou não de uma pelicula em fórma de pergaminho; assim como pela grandeza, pela fórma, e pela côr das suas sementes.

944.º As variedades mais geralmente cultivadas entre nós são a genoveza, a torta, a anã, a de olho preto, e a de quebrar.

945.º As ervilhas cultivam-se em grande nas terras lavradias, já para o nutrimento dos homens, já para o dos animaes domesticos; aquelles comem-nas verdes ou seccas, e de ambas as maneiras lhes subministram um excellente e saboroso mantimento - os segundos debaixo da fórma de forragem tambem verde ou secca. Cultivam-se egualmente nas hortas e nos cercados, mas só com o primeiro fim, o de lhe aproveitar os legumes e as sementes.

946.º Os terrenos mais propicios ás ervilhas são os argilo-calcareos e os silico-calcareos. O marne e a cal são duas substancias que ministram a esta leguminosa os elementos nutritivos mais do seu gosto: esta planta tem uma pronunciada repugnancia pelos terrenos muitos tenazes, frios, e permanentemente humidos.

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947.º As terras que consagramos á cultura em grande das ervilhas não demandam tanta preparação como as que se destinam a algumas outras leguminosas, ao feijão por exemplo. Basta-lhes um lavor profundo antes do inverno, e um outro mais superficial antes da sementeira. Esta planta é porém mais exigente pelo que respeita aos lavores de entretenimento como são a monda, a sacha, e a arrenda que se devem applicar com a possivel prodigalidade. O horticultor porém deve ser mais esmerado e cuidadoso nos amanhos de preparação deste legume; e depois de ter cavado e fabricado muito bem a terra deve distribuil-a em pequenos taboleiros de nove a dez palmos cada um, separados por largas margens, onde depositará a semente a distancias eguaes - sachando e arrendando depois uma e mais vezes segundo a necessidade; e ampando e regando as plantas para que o seu desenvolvimento possa ser completo, e a sua fructificação abundante.

948.º As epocas da sementeira desta leguminosa são as mesmas que as da faveira; com a differença de que quando quizermos utilisar-lhe os legumes verdes deveremos semeal-a de 15 em 15 dias, desde Novembro até Março, para obstermos successivas novidades. A sementeira deve fazer-se em linhas paralellas para se tornarem mais faceis os amanhos da sacha e da arrenda. Para este fim poremos uma mulher ou um rapaz atraz do arado para ir lançando a semente no meio do rego, que cobriremos finalmente com a grade.

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949.º Em um terreno propicio as ervilhas pódem succeder a quasi todas as colheitas, e particularmente aos cereaes e ás batatas. Não devem porém succeder-se a si mesmas, e não convem semeal-as no mesmo logar senão depois de decorridos cinco ou seis annos.

950.º Impede-se que as ervilhas colhidas seccas sejam destruidas pelas larvas do Bruchus, que atacam com grande voracidade a sua parte farinhosa, deitando as sementes logo depois de colhidas em agoa fervendo, e immediatamente depois em agoa fria acelerando depois a sua dessecação.

951.º Cultura dos feijões. A especie de feijoeiro conhecido pelo nome botanico de phaseolus vulgaris tem dado origem á maior parte das variedades de feijões, que se cultivam no reino, taes como as dos feijões brancos, rajados, carrapatos, &c., que apresentam ainda um grande numero de subvariedades, que fôra longo e inutil referir. Além desta especie ainda são mui geralmente cultivadas a especie conhecida nas provincias pelo nome de feijoeiro branco das searas (phaseolus nanus) e a que denominam feijão fradinho (dolichos monachalis) que uns botanicos introduzem no genero phaseolus, e outros no genero dolichos, ambos muito proximos e parecidos entre si.

952.º O feijoeiro tem logo depois do trigo um dos primeiros logares entre todas as plantas de sementes farinaceas pelos seus variados e importantes usos economicos: e assim vemos cada vez mais generalisada a sua cultura em todos aquelles paizes, em que o clima lhe é propicio.

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953.º Como planta originaria dos paizes mais temperados da India e da America, esta leguminosa só prospera no meio dia da Europa, e particularmente em Portugal, Hespanha, Italia, e provincias meridionaes da França.

954.º O feijoeiro cultiva-se umas vezes nos campos e outras nas hortas; mas nós não nos occuparemos aqui senão da primeira destas culturas.

955.º Um solo ligeiro mas substancial e fresco, é o que mais convem a esta rica leguminosa. A sua cultura não é sómente difficil, é tambem pouco productiva nas terras argilosas e tenazes: mas nas silico-calcareas e calcaro-siliciosas é summamente proveitosa uma vez que ellas conservem a sufficiente humidade; ou porque o terreno seja humido de seu natural, ou porque seja abundantemente regado.

956.º A cultura campestre dos feijões demanda profundos e reiterados amanhos. Duas, ou antes tres lavras de preparação, uma pelos Santos, outra em Fevereiro, e a terceira por occasião da sementeira são necessarias na generalidade dos casos.

957.º Os estrumes quasi sempre indispensaveis nesta cultura poderão lançar-se á terra na segunda ou na terceira lavra, segundo estiverem mais ou menos curtidos.

958.º E' na primavera, quando já se não receiam as geadas, que os feijões devem ser semeados, e então segundo as exposições os abrigos e a maior ou menor inclemencia do clima, assim devemos antecipar ou retardar a sementeira.

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959.º Os feijoaes semeam-se em regos ou em linhas parallelas na distancia pouco mais ou menos de um pé para se poderem sachar e amontoar convenientemente nas epocas proprias. Se as especies cultivadas forem de trepar é mister pôr-lhes ramos ou esteios quando começam a bracejar; ou semeal-as juntamente com o milho grosso, que lhes serve de arrimo. Se as especies pelo contrario forem anãas então convem semear mais junto, e pódem dispensar-se os esteios.

960.º A cultura dos feijões póde reputar-se como preparatoria á dos cereaes, e a destas plantas como muito proveitosa áquelles legumes. Os nossos lavradores costumam semear nas varseas e logares baixos e humidos os feijões carrapatos e fradinhos com grande proveito. Estas culturas são muito geraes em todo o reino, mas principalmente nas provincias do sul.

961.º Rozier dá aos proprietarios que não querem fazer por si esta cultura, um conselho excellente e merecedor de ser adoptado pelos nossos agricultores. Este sabio agronomo recommenda aos donos de terrenos extensos que, no anno de descanço, depois de os haverem dividido em pequenas sortes os deem aos caseiros ou jornaleiros pobres para os semearem com a simples condição de os lavrarem e estercarem bem. Deste modo vão os proprietarios melhorando as suas terras e obtendo simultaneamente excellentes cearas de trigo e centeio. Seria certamente de grande utilidade que este methodo se adoptasse geralmente, porque o jornaleiro encontraria nelle um precioso recurso para suavisar a dureza da sua sorte, e o proprietario o interesse de adubar e bonificar consideravelmente os seus terrenos.

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962.º Além destas leguminosas tambem se cultivam entre nós os tremoços (Lupinus albus, L.) e a ervilhaca (vicca sativa, L.), já com o fim de lhes aproveitar as sementes, já com outros fins diversos. Os tremoços costumam semear-se para se enterrarem com o estrume verde; e a ervilhaca com o fim de a aproveitar como forragem.

Cultura das plantas de raizes carnosas.

963.º Os vegetaes que se cultivam nos campos por suas raizes, ministram grandes recursos e vantagens á economia rural. Elles constituem as culturas sachadas por excellencia, que formam a principal base do systema dos afolhamentos - elles dividem, limpam, e muitas vezes fecundam o terreno preparando-o para culturas successivas - elles substituem vantajosamente o pousio, e supprimem o anno de descanço das terras - elles fornecem uma quantidade consideravel de um excellente mantimento, tanto ao homem como aos animaes domesticos; e são um dos meios indispensaveis ao estabelecimento do systema da estabulação - elles facilitam a multiplicação dos gados, e asseguram essa copia de estrumes indispensavel á maior parte das culturas, e principalmente ás mais productivas - elles subministram materias primas a muitas artes agricolas e industriaes; e variando e augmentando a massa das subsistencias previnem as fomes que eram tão frequentes entre os povos quasi exclusivamente dedicados á cultura das colmiferas.

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964.º Na cultivação das raizes o agricultor deve attender á natureza do seu solo, sendo inconveniente o argiloso e tenaz; aos estrumes de que póde dispor, porque as culturas sachadas demandam, ou terra humosa, ou bem estrumada; ás necessidades economicas da sua granja, porque se os seus prados e as suas forragens forem escassos em relação aos seus gados deve dar maior latitude a esta cultura; ás exigencias do mercado, para que possa sempre extrahir o sobrecellente dos seus productos.

965.º As plantas mais geralmente cultivadas por suas raizes na lavoura campestre, unica de que nos occupamos neste logar, são as batatas da India, as batatas do Brazil, as betarrabas, os nabos, e as cinouras. Trataremos succintamente de cada uma dellas.

966.º Cultura das batatas da India. A batata da India (solanum tuberosum, L.) é uma planta da familia das solaneas eminentemente util, originaria da America meridional, e introduzida ha pouco mais de dois seculos na Europa onde se tem naturalisado admiravelmente.

967.º Esta preciosa producção do Peru e do Mexico trouxe ás nações europeas uma muito maior massa de riquezas do que as carregações de ouro e prata que lhes vieram destes dois paizes. Foi em 1585 que Dracke importara este tuberculo na Inglaterra e Hollanda; e foi um pouco mais tarde, em 1623, que elle foi trazido da Virginia para a Irlanda pelo almirante Raleigh. Estes dois homens foram por este facto dois grandes bemfeitores da humanidade; os seus nomes nunca serão esquecidos, e a sua memoria será sempre abençoada por milhões de europeos, a quem vieram matar a fome no correr dos tempos. O valor desta planta foi principalmente reconhecido durante as fomes que afligiram quasi toda a Europa em 1770 e 1771, e mesmo durante a escassez do anno de 1817. São immensos os usos dos tuberculos deste vegetal. Cozidos dão um excellente alimento: misturados com a farinha de trigo tornam o pão muito saboroso e substancial. As suas qualidades nutritivas na alimentação do gado são hoje geralmente reconhecidas. Os porcos, os cavallos, as vaccas, as galinhas, geralmente quasi todos os animaes, encontram neste famoso tuberculo um mantimento tão agradavel como substancial. Delle se extrahe a fecula: com elle se faz uma especie de cerveja, e delle se tiram um grande numero de outras substancias utilisadas pelas artes.

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968.º Haverá cem annos que a cultura das batatas era ordenada debaixo de penas severas, e como que imposta pela força por alguns governos. Houve então alguns camponezes, que preferiram a prizão á cultura obrigatoria de uma planta, que elles consideravam como detestavel. Hoje porém quantos existirão que prefeririam antes deixar-se encarcerar do que renunciar á cultura deste pão subterraneo! - Que grande lição para os agricultores! (diz um agronomo alemão) aqui verão elles que em vez de se obstinarem na continuação das velhas rotinas, que em vez de regeitarem systematicamente todas as praticas modernas, devem examinal-as com diligencia, verifical-as com imparcialidade; e não hesitar em adoptal-as, desde que as suas vantagens forem reconhecidas!

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969.º Esta planta apresenta muitas variedades que se discriminam pela côr, fórma, grossura, e precocidade dos tuberculos. Parmentier que á custa de perseverantes e incansaveis esforços conseguira a generalisação desta planta em França, conta um grande numero de variedades e subvariedades, entre as quaes se distinguem as batatas brancas, as amarellas, as vermelhas, as cinzentas, as violaceas, as compridas, e as redondas. Além destas tambem se distinguem variedades temporans e serodias, que poderão preferir-se umas ás outras, segundo o clima e outras circumstancias agronomicas. Entre as variedades mais productivas contam-se as batatas inglezas e hollandezas para os gados, que são principalmente preferidas pela grandeza dos seus tuberculos na sustentação dos animaes.

970.º Uma nomenclatura mais minuciosa das variedades desta planta seria aqui sem interesse pratico, porque as qualidades que tornam preferiveis estas ou aquellas variedades em um paiz desapparecem nos outros: sendo por isso conveniente que os agricultores se decidam nesta escolha ou pelas proprias observações, ou pelas dos seus vizinhos.

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971.º A cultura das batatas acha-se felizmente muito espalhadada pelo nosso paiz, e caminha n'um augmento sempre progressivo. Já não é necessario insinuar aos nossos agricultores as vantagens desta planta preciosa, porque todos elles as conhecem por experiencia propria; mas ainda é preciso persuadil-os a que a cultivem em grande não só para seu sustento, mas tambem para o dos seus gados. - A população dos paizes onde se cultiva uma grande quantidade de batatas para uso dos gados, encontra nesta cultura um recurso seguro contra a fome nos annos escassos de cereaes; e ainda quando este tuberculo não tivesse outra vantagem além desta, bastaria só esta circumstancia para o tornar de um valor inestimavel.

972.º A cultura campestre das batatas só poderá adquirir uma grande extensão, quando os amanhos de entretenimento poderem executar-se por meio dos instrumentos agricolas modernos, e principalmente por meio da enchada de cavallo e do extirpader.

973.º Todos os terrenos, á excepção dos puramente argilosos, pódem ser empregados com vantagem na cultura das batatas. As terras leves, e particularmente as terras francas de pão, são as mais apropriadas a esta cultura; tanto pela maior quantidade, como pela melhor qualidade de tuberculos, que produzem. As batatas não regeitam especie alguma de estrumes, mas os das ovelhas, e os que não estiverem completamente curtidos costumam communicar-lhes um gosto desagradavel. O emprego dos estrumes deve porém ser parco na cultura desta planta, porque está demonstrado que os adubos demasiados desenvolvendo energicamente a sua rama, tornam acanhado o desenvolvimento dos tuberculos.

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974.º Na cultura campestre deste vegetal, unica de que aqui tratamos, os terrenos devem submetter-se a dois lavores de preparação, e depois de bem gradados, devem por meio da charrua abrir-se regos com intervallos de 22 a 24 pollegadas. Os tuberculos serão então lançados nestes regos á distancia de 8 a 16 pollegadas, segundo forem mais ou menos ramosas as variedades que cultivarmos: cobrem-se depois ou por meio de uma outra charrua que vai seguindo a primeira, ou por esta mesma depois de concluida a plantação do campo. Pelo methodo irlandez, que se reputa ser um dos mais apurados, depois das culturas preparatorias que indicamos, fazem-se regos na terra de um pé de profundidade, e de dois de largura distantes entre si obra de tres pés; estes regos abertos ordinariamente á enchada recebem uma sufficiente quantidade de estrume bem curtido, e em seguida as batatas, que são logo cubertas com uma porção da terra cavada. A' medida que as plantas vão crescendo vai-se-lhes lançando e amontoando nova terra, e repete-se este processo duas ou tres vezes. Por este modo se obtem muitas vezes quarenta e mais batatas de uma unica batateira.

975.º Na pequena cultura deste tuberculo é a terra preparada á enchada, e são feitos á mão todos os ulteriores lavores de divisão.

976.º As batatas plantam-se em diversas epocas no nosso paiz; já no mez de dezembro nos terrenos seccos e calidos, já nos meados de fevereiro nos terrenos frios. As plantações feitas nos fins do outono quando os invernos são benignos dão excellentes resultados; mas se a estação corre aspera e desabrida soffrem muito com as geadas que são um grande inimigo dos batataes. Se a plantação porém é feita nos fins da primavera então tambem se corre o risco, quando a estação é muito secca, de não se chegar a obter o completo desenvolvimento da planta: em vista disto o mais seguro será plantar por todo o mez de fevereiro se o clima não fôr demasiadamente frio.

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977.º As batatas muito grossas pódem dividir-se em duas metades para se plantarem, e raras vezes em tres; porque quanto maior fôr a divisão tanto mais debil será a planta, e mais apoucada a sua producção. As batatas de mediana grandeza não devem porém dividir-se; e as muito pequenas, essas não devem semear-se.

978.º Os campos semeados de batatas devem ser gradados quando estas plantas começam de apparecer sobre o solo. Convem depois sachal-as, quando tiverem meio palmo de altura: e amontoal-as quando tiverem mais de palmo. Estas operações pódem fazer-se ou por meio do sacho e enchada de mão, ou por meio da enchada de cavallo. A producção desta planta está sempre na razão do numero e da perfeição destes amanhos.

979.º As batatas devem de quando em quando renovar-se pela sementeira. Alguns agricultores acreditam que este processo não só regenera a planta dando-lhe um novo vigor e uma maior rusticidade, mas tambem a defende contra a terrivel enfermidade que ultimamente a atacara, produzindo uma verdadeira calamidade publica na Irlanda, e em outros pontos da Europa, em que este tuberculo é o principal mantimento do povo.

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980.º Depois de colhidas as batatas devem conservar-se, ou armazenando-se em casas arejadas e enxutas ou em siros que se abrem na superficie da terra em logares seccos. Estes siros de meio metro de profundidade, e de um metro quadrado de base depois de revestidos e cobertos de colmo são muito apropriados para a conservação dos tuberculos desta planta.

981.º A batata doce (convolvulus batatas, L.) é uma planta da familia das convolvulaceas muito diversa das solaneas, mas que produz raizes tuberculosas egualmente estimaveis pelas suas qualidades nutritivas e pelo seu sabor agradavel e sucarino. Esta planta indigena das regiões mais quentes da India e America só póde prosperar nos paizes meridionaes da Europa, e dá-se perfeitamente nas nossas ilhas da Madeira e Açores, e tambem nas provincias do sul do reino, uma vez que seja cultivada com esmero. Nós cultivamos ha annos esta planta no jardim botanico da Ajuda obtendo sempre uma produção mais que regular. Eis aqui o methodo desta cultura.

982.º As hasteas numerosas e quasi herbaceas da batata doce cortadas em Novembro são plantadas por pedaços de dois a tres palmos n'um pequeno canteiro de encosta muito bem estrumado, exposto ao meio dia, defendido dos ventos norte e nordeste, e abrigado das geadas e dos frios ou por meio de esteirões ou de caixilhos envidraçados. As hasteas da planta deixam-se permanecer ahi até aos principios de Abril: epoca em que se transplantam para o terreno, que destinamos á sua cultura, e que deve ter sido muito bem fabricado.

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983.º A plantação faz-se em margens distanciadas umas das outras, obra de meia vara, e ahi se vão dispondo as hasteas em espaços distantes de dois palmos entre si.

984.º Quando as plantas começam a bracejar sacham-se e algum tempo depois amontoam-se regando-se parcamente durante o verão e o outomno. Em Novembro recolhem-se as batatas e os caules da planta para se plantarem de novo no canteiro a fim de serem ulteriormente transplantadas no seguinte mez de Abril. Costumam-se tambem deixar no canteiro algumas plantas que dão de uns annos para outros boas estacas para a transplantação do anno seguinte.

985.º Cultura das batatas do Brazil. As batatas do Brazil ou topinambas, a que tambem se dá o nome de girasol batateiro (helianthus tuberosus, L.) é uma planta vivaz de raizes tuberosas e cujos caules carregados de folhas ascendem á altura de 6 a 8 pés. Os seus tuberculos são um bom alimento, tanto para o homem como para os animaes, e as suas folhas e caules são tambem uma boa forragem quando se não deixam endurecer demasiado.

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986.º Esta planta acomoda-se com terrenos mediocres seccos e calcareos; é pouco exigente e de uma grande rusticidade; e póde cultivar-se nas montanhas e nas terras pobres pouco susceptiveis de outras culturas, o que na verdade a torna bastantemente apreciavel.

987.º A sua cultura é simples e facil - é em geral a das batatas, mas com menos lavores de preparação e de divisão: pois lhe basta apenas um ferro e em tempo opportuno uma sacha, quando a terra se cobre de más hervas, e uma forte gradagem quando a planta começa a despontar no terreno. E' verdade que se a favorecermos com mais alguns amanhos não deixará de agradecel-os, com um bom acrescimo de producção.

988.º E' ordinariamente no mez de Outubro que se lhe cortam os caules, os quaes misturados com outras forragens são muito apetecidos dos gados. Esta planta póde ficar na terra durante muitos annos seguidos: e em vez de depauperar o terreno torna-o pelo contrario muito proprio para a cultura dos cereaes.

989.º Cultura da betarraba. A betarraba (beta vulgaris, L.) é uma planta da familia das chenopodeas, de raiz afusada, e de uma immensa importancia economica. É muito cultivada nos paizes septentrionaes da Europa não só como planta forraginosa mas tambem como industrial. O assucar que se extrahe em França da sua raiz excede já as duas terças partes do consummo deste paiz. A nós só nos interessa por ora este vegetal como planta forraginosa, mas debaixo deste ponto de vista excede todas as outras de raizes fusiformes. As betarrabas prosperam admiravelmente no nosso clima em todas as terras francas, soltas, e fundaveis mesmo quando não disfructam grande humidade. Esta circumstancia torna esta forraginosa altamente recommendavel n'um paiz, onde a escassez das agoas se faz tão duramente sentir. A sua producção é além disto tão abundante, que n'uma só geira de terra chegamos a obter muitas vezes 1500 arrobas de raizes, que correspondem a mais de 500 arrobas de feno. Todos os gados, mas principalmente os carneiros, as vaccas e os porcos comem com uma avidez e proveito espantoso as raizes desta planta.

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990.º As variedades da betarraba que mais geralmente se cultivam são a betarraba campestre (beta vulgaris campestris, C. V.) geralmente chamada raiz da abundancia, de tamanho monstruoso, e consideravelmente productiva como forragem - a betarraba branca de Silesia (beta alba) e a sua subvariedade de pel rosada e carne branca, ambas preferiveis pelo muito assucar que contém - a betarraba amarella (beta lutea major) cultivada com grande vantagem por Baily - e a amarella branca (de pel amarella e carne branca) de Dombasle muito recommendada por este agricultor.

991.º De todas estas variedades as mais geralmente acreditadas, e as que nos parecem preferiveis no nosso paiz, são as duas primeiras.

992.º No norte da Europa é nos mezes de março e abril, que se semea ou planta a beterraba; no nosso paiz porém ha uma grande vantagem em a semear nas agoas novas ou nos primeiros dias de setembro, por isso que antecipando assim a sementeira, obtemos raizes de um tamanho consideravel. Todavia nas proximidades de Lisboa e na Extremadura tambem muitos agricultores semeão em março.

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993.º As betarrabas podem ser semeadas em viveiro para depois serem transplantadas para os campos quando tiverem a espessura de uma pena - ou ser semeadas desde logo no terreno, onde tem de crear-se; qualquer destes processos é bom, mas o segundo parece preferivel por mais seguro e economico.

994.º A terra que consagrarmos a esta cultura deve ser fabricada profundamente e com o maior esmero, assim como deve ser muito bem adubada, mas com estrumes inteiramente curtidos.

995.º A sementeira feita a lanço tem tantos inconvenientes, e tão poucas vantagens, que tem sido abandonada pelos agricultores mais entendidos. Estes semeão em linhas ou raias parallelas traçadas no terreno na distancia umas das outras de pé e meio a dois pés e meio; estas linhas não devem ter para mais de duas pollegadas de profundidade. O instrumento que as traça (que póde ser uma grade, cujos dentes guardem entre si as distancias indicadas) é seguido por mulheres, que vão lançando 3 a 4 sementes nas raias em pontos distantes uns dos outros obra de um pé. O emprego do sementeiro de Dombasle seria de grande vantagem nesta cultura. Apenas o campo estiver semeado enterra-se a semente com o dorso da grade.

996.º O penhor mais seguro da prosperidade desta cultura está nas mondas e nas sachas frequentes. O seu numero é difficil de determinar, porque depende do maior ou menor desenvolvimento das más hervas, e da maior ou menor dureza, ou tenacidade da terra.

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997.º Nos pontos em que a semente tiver falhado plantam-se alguns dos pés que tiverem nascido de mais no mesmo logar; arrancando-se por esta occasião aquelles que forem sobejos e estiverem acumulados no mesmo local.

Quando as betarrabas tem adquirido todo o seu desenvolvimento póde-se proceder á colheita das folhas mais exteriores para as dar ao gado. Depois colhem-se as raizes, e armazenam-se em siros ou tulhas escuras e seccas.

Os pés que se destinam para fructificar deixam-se porém ficar no terreno para serem colhidos no anno seguinte depois de obtida a semente que se deseja.

998.º Cultura dos nabos. Os nabos (brasica napus, L.) os turnepos ou rapas (brasica rapa, L.) e as rutabagas (nabos de Suecia) são as principaes especies ou variedades desta crucifera cultivadas nos campos. Esta planta figura em importancia ao lado do trevo e da luzerna na rotação das culturas. Ella prepara e predispõe admiravelmente o solo para receber as sementes dos cereaes, e é por esta razão que se tem tornado em Inglaterra a planta de predilecção; que occupa neste paiz talvez uma oitava parte das terras araveis.

999.º Ninguem ignora que esta planta fornece um excellente alimento não só ao homem mas aos animaes domesticos. A circumstancia de vir no inverno, epoca em que as forragens são escassas, torna-a certamente muito recommendavel principalmente no nosso paiz.

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1000.º A sua cultura é facil e pouco dispendiosa. Depois de ceifados os trigos e de aproveitados os restolhos dá-se um ferro ao terreno e logo ás primeiras agoas ou antes dellas semea-se o nabo, e cobre-se com a grade. Apenas a planta começa a despontar dá-se-lhe uma outra gradagem, e este simples fabrico é sufficiente para se obter uma boa producção. Tambem semeamos os nabos no anno do pousio: e então os seus amanhos podem ser mais regulares, e a sua producção mais lucrativa: neste caso costumam semear-se em regos com o intervallo entre si de vinte e quatro a vinte sete polegadas para se lhe poderem subministrar os necessarios lavores por meio de enchada de cavallo.

1001.º Os nabos tambem se cultivam nas hortas, mas não nos podemos occupar aqui desta casta de cultura.

1002.º Cultura da cenoura (Daucus carota, L.) Esta planta além de fornecer um soffrivel alimento ao homem é uma das forragens mais sãs e nutrientes que se podem dar a toda a especie de gado: sendo por esta razão cultivada em grande escala na Alemanha na França e em outros paizes. A sua producção é muito abundante e superior de um terço á das batatas.

1003.º Os terrenos arenosos e ligeiros e os de consistencia media, mas profundos, são os que mais convem a esta planta. Um lavor da profundidade de oito a dez pollegadas é necessario á prosperidade desta cultura; os seguintes porém podem ser mais superficiaes. O estrume não é inteiramente indispensavel ás cenouras, mas ellas não deixam de agradecel-o uma uma vez que seja bem curtido.

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1004.º O solo na occasião da sementeira deve estar perfeitamente desterroado. As epocas desta operação são as mesmas que as da betarraba. Semea-se a lanço ou em regos, sendo esta ultima pratica preferivel principalmente por deminuir muito as despezas da sacha. De qualquer maneira que se semee deve sempre esfregar-se a semente entre as mãos a fim de a desembaraçar de todas as suas arestas: mistura-se depois com a serradura e lança-se á terra.

1005.º Nas nossas provincias do sul faz-se muito uso da cenoura rouxa do Algarve, variedade que adquire uma grande corpulencia, e é ao mesmo tempo muito assucarada e muito saborosa, até para usos culinarios. Costumam geralmente semeal-a nos fins de Agosto ou principios de Setembro. Nas hortas cultiva-se commummente a variedade de flores brancas conhecida pelo nome de cenoura hortense.

FIM DO PRIMEIRO VOLUME.