Guia e Manual do Cultivador/II/III-XII
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CAPITULO XII.
MANIPULAÇÃO DOS PRINCIPAES PRODUCTOS AGRICOLAS TANTO DE ORIGEM ANIMAL COMO VEGETAL.
Lacticinios.
2085. Leite. O leite que se obtem das vaccas, das ovelhas, ou das cabras póde ser utilizado em especie, ou manipulado, e reduzido a manteiga e queijo. Segundo a natureza dos pastos e dos animaes que o produzem, assim póde o leite ser mais ou menos soroso, caseoso, e manteigoso. A sua qualidade mais ou menos substanciosa póde conhecer-se por meio de um instrumento chamado lactometro. O leite só deve manipular-se quando o não pudermos consumir em especie. A sua venda é objecto de subida importancia nas grandes povoações; por ser uma das bases principaes da nossa alimentação.
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2086. Fabricação da manteiga. Ordenhado o leite com o maior aceio, e trazido para a leitaria, lança-se em vazilhas de barro chatas e de fundo largo, e ahi se deixa em repouso por espaço de 24 a 48 horas. Durante este espaço de tempo vai-se pouco e pouco separando e ajuntando a nata á superficie do leite, e quando se acha formada recolhe-se para vazos de louça. Se a nata ou a substancia manteigosa não é sufficiente para se trabalhar convenientemente, vai-se juntando durante quatro a seis dias toda a que se fôr formando para se manipular no fim deste tempo. Esta manipulação consiste no seguinte: lança-se a nata na barata (instrumento de fórma variada, destinado á confecção da manteiga), e agita-se, e bate-se ahi muito bem até que a substancia gorda e oleosa que a fórma, se incorpore constituindo uma especie de massa; e como durante esta operação se separa sempre uma porção de soro, tira-se este liquido da barata, e em seu logar verte-se sobre a massa uma certa porção de agoa fria, continuando sempre a bater a nata; passado algum tempo muda-se ainda a agoa uma e mais vezes, e continua-se sempre com a mesma operação até que a manteiga se apresente inteiramente incorporada e obrada, e as agoas saiam claras. Algumas vezes acontece, apezar de todas as precauções, que a manteiga não quer incorporar-se, e neste caso ajunta-se-lhe uma pequena porção de sal ou de alumen.
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2087. Tirada que seja a manteiga da barata, deve deitar-se em uma grande vazilha cheia de agoa, e comprimir-se ahi muito bem até que fique completamente privada de todo o soro ou leite que possa achar-se entreposto dentro da mesma manteiga.
2088. As condições mais essenciaes para o bom successo desta operação são uma casa fresca, interior, e bem arejada, vazilhas e todos os mais utensilios lavados e limpos com o maior escrupulo, tanto antes, como depois do processo - e uma boa qualidade de leite colhido de boas vaccas, e bem alimentadas. Entre as forragens mais proprias para a producção da manteiga, temos a citar o centeio, o milho, o alcacer, o azevem, o trevo, e as forragens dos pastos naturaes. O centeio e o milho são, segundo a nossa propria experiencia, as forragens que melhor manteiga produzem.
2089. Para se conservar a manteiga durante longo tempo, é preciso salgar-se, e metter-se em barrís, ou pias de marmore: por cada quinze a vinte arrateis de manteiga, deve empregar-se um de sal moido, ou refinado, amassando-a muito bem, e calcando-a nas vazilhas. O leite, depois de desnatado, ou é empregado na confecção de queijos de inferior qualidade; ou vendido, tendo a precaução de lhe deixar alguma porção de nata; ou finalmente consumido no sustento dos porcos, das gallinhas, e de outros animaes domesticos.
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2090. Fabricação do queijo. O queijo é proveniente da coagulação do leite, em virtude da qual se separa a parte sorosa da parte coagulavel. Esta, a que se dá o nome de coalhada, póde ser composta ou sómente da parte caseosa do leite, ou tambem da sua parte manteigosa. Se o leite foi previamente desnatado, entra só a parte caseosa na composição do queijo, que é neste caso de inferior qualidade; mas se pelo contrario conserva toda ou parte da sua nata, entra tambem a parte manteigosa, que torna o queijo muito saboroso e gordo. Segundo a diversidade dos leites e dos processos, assim diversificam as qualidades dos queijos.
2091. No leite que destinamos á confecção do queijo, depois de ligeiramente aquecido, lançaremos uma porção de coalho para obtermos a separação do soro, e da coalhada. Servem-nos ordinariamente para coalho as flores de varias especies de cardos, ou um pedaço do quarto estomago do bezerro ou do cordeirinho mortos antes de desmamados. Feita a separação, decanta-se o soro que sobrenada, e mette-se a coalhada em formas ou cinchos, onde se comprime fortemente para expremer qualquer resto de soro, que ainda possa conservar. Salgam-se então os queijos depois de tirados das formas, e repete-se esta operação até que vinte arrateis de queijo tenham absorvido um de sal - collocam-se em prateleiras, e vão-se revirando todos os dias, tendo o cuidado de os fazer arejar. Ultimamente esfregam-se frequentes vezes, e untam-se de azeite para se conservarem por longo tempo.
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2092. Muitas vezes coalha-se o leite sem se aquecer, e apenas aquecem uma pequena porção em que se lança o coalho, a qual é vertida na vazilha que contém o leite recentemente mugido. Fazem-se queijos de varias misturas de leite, a que dão o nome de mistiços; estes queijos são muitas vezes de excellente qualidade e sabor. O queijo londrino e parmesão tem uma côr artificial. Nós deveriamos dar côr aos nossos queijos, e algumas dessas fórmas exteriores mais procuradas no commercio, em vez das fórmas desengraçadas que lhes damos desde tempos immemoriaes.
2093. Manipulação do mél e da cêra. Depois de crestadas as colmeas, e de limpos os favos de todos os corpos estranhos, submettel-os-hemos a uma forte expressão que nos fornecerá o mél, o qual, depois de coado por um passador, é, assim depurado, introduzido em vazilhas proprias. Os mesmos favos, depois do processo de expressão, fornecem a cêra, submettendo-os á acção da agoa fervente. A cêra fundida pelo calôr vem ao cimo d'agoa, donde se vai recolhendo com uma espumadeira. Deixa-se depois arrefecer para a submettermos a um brando calôr, a fim de lhe darmos a fórma de pães, que se guardam em logar fresco, ou para serem assim vendidos, ou para se branquearem. O processo do branqueamento é tão simples e economico, que póde ser tentado pelo cultivador: este processo consiste em dividir os pães em laminas delgadas, que se expõem durante alguns dias á acção combinada do sol e da agoa, com a qual se borrifam frequentes vezes até se conseguir o desejado effeito.
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2094. Fabricação do vinho. Para fazermos uma idéa da composição e fermentação do vinho, é mister que conheçamos as principaes substancias que entram na composição das uvas: estas substancias são o assucar que dá o gosto doce á uva, a agoa em que o assucar está dissolvido, e o gluten que acidificando-se se transforma em fermento. Além destas substancias, ainda se encontram, mas mais accidentalmente na uva, uma materia colorante, que dá a côr ao vinho, uma porção de tartaro, e um acido volatil, ou principio aromatico que produz o perfume dos vinhos e da uva. São estas as substancias que figuram principalmente na composição chimica do fructo da videira.
2095. É hoje uma verdade demonstrada, que o vinho é uma consequencia da fermentação das uvas, e que esta fermentação resulta da acção reciproca do assucar, e do fermento, ou do gluten acidificado, postos em contacto com a atmosphera á temperatura de 12 gráus do thermometro de Reaumur. A formação de um liquido transparente que é conhecido, segundo a sua maior ou menor concentração, pelos nomes de alcool e aguardente, é o resultado immediato desta fermentação; este liquido misturado com a agoa, com o gluten, e com o assucar produz a maior parte dos vinhos brancos; e com a materia colorante constitue os vinhos tintos. Além destes principios ainda existem outros, que entram menos geralmente na composição dos vinhos, como são o principio aromatico nos vinhos aromaticos, o tartaro, &c.
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2096. Pizadas as uvas obtem-se o mosto, que podemos conservar sem fermentação, concentrando-o por meio da evaporação ao fogo: esta substancia que tem então o nome de arrobe de uvas, é um doce excellente, que póde ser usado em todo o decurso do anno, como substancia muito nutriente, visto que em cada 100 partes de mosto se contém 24 a 30 de assucar. O mosto não fermentado póde ainda servir para fortificar os vinhos fracos dos annos seguintes, misturando-o com elles no acto da fermentação.
2097. O mosto, porém, que destinamos á fermentação, é lançado em cubas ou talhas para ahi fermentar. A fermentação manifesta-se passados alguns dias pelo desenvolvimento de grande numero de bolhas de gaz acido carbonico, que evolvendo-se produzem no liquido uma especie de fervura; este gaz tem a propriedade de asphyxiar os animaes, e deve evitar-se cuidadosamente a sua accumulação nas habitações destes seres vivos. A fermentação, que então tem logar, recebe o nome de tumultuosa para se distinguir da outra fermentação lenta e insensivel, que se verifica depois do vinho envazilhado, e que produz uma combinação mais íntima dos seus principios componentes.
2098. Se o mosto apresentar um excesso de principio sacharino sobre o glutinoso, ou sobre o fermento, póde a fermentação deixar de completar-se, e não se formar o vinho, ou ficar doce; se pelo contrario predominar o gluten, póde tornar-se vinagre, porque o excesso de fermento actuando sobre o alcool o transforma em acido acetico, que é o vinagre muito concentrado. Vê-se por tanto, que poderemos obstar a estes dois excessos, juntando ao mosto, no primeiro caso, uma certa porção de gluten, e no segundo de assucar.
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2099. Estabelecidos estes principios, facilmente comprehenderemos a natureza do processo da vinificação que vamos succintamente expôr.
2100. Feita a vindima com as precauções que indicamos, privados os cachos maduros dos bagos verdes ou podres, e escolhida muito bem a uva, conduz-se para o logar onde se lança ou na lagariça, ou nos balseiros. Piza-se então muito bem, e ou se expreme logo todo o bagaço, e se verte o mosto nas cubas, ou nas talhas para fermentar só por si, ou se deixa fermentar tudo junto, mosto, folhelho, e grainha, e ás vezes mesmo o engaço, conforme os usos locaes, e a qualidade da uva e do vinho que se deseja. Em alguns pontos do reino, pizada a uva no lagar, ahi se deixa começar a fermentação pelo tempo de 72 horas a tres dias, recolhendo-se depois o mosto nas vazilhas proprias. Em qualquer dos casos as cubas não devem ficar cheias para que não se extravaze o mosto durante a fermentação, nem muito bem tapadas para que os gazes possam sahir, e o ar penetrar livremente.
2101. O bagaço depois de submettido a uma forte expressão pelos variados mechanismos, que são conhecidos, ainda póde submetter-se segunda e terceira vez ao mesmo processo, depois de molhado com agoa, a fim de obtermos ou um vinho mais fraco, ou o que se chama agoa-pé. Os bagaços que se extrahem das cubas quando o vinho se trasfega, podem lançar-se novamente no balseiro misturados com uma certa porção de agoa, para serem ahi submettidos a uma nova fermentação que produz vinagre. O folhelho e a grainha, que se obtem por esta mesma occasião, podem dar-se, o primeiro aos gados, e a segunda aos porcos, e ás aves que a comem muito bem.
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2102. A fermentação a que os mostos são submettidos, é mais activa nas adegas quentes do que nas frescas, e nos paizes temperados do que nos frios. Quanto maior fôr a quantidade do fermento, tanto mais activa e rapida será tambem a fermentação, e quanto maior fôr a quantidade de assucar, tanto mais longa será esta operação, e mais espirituoso será o vinho. Quando os mostos forem muito assucarados, convirá por tanto fazel-os fermentar com o folhelho, e com a grainha, que contém muito gluten, ou fermento; mas no caso contrario seria, como é claro, muito inconveniente esta mistura.
2103. Concluida a fermentação apparente, deve o vinho trasfegar-se para outras vazilhas onde ha-de ainda soffrer aquella fermentação, que chamamos insensivel, a qual é bastante longa, principalmente nos vinhos que contém muito assucar. Estas vazilhas, ou são pipas e toneis, que devem ser de madeira propria, ou são talhas de barro bem empezgadas: estas ultimas são muito inferiores ás primeiras, com quanto sejam muito usadas nas provincias do sul do reino. Antes de trasfegarmos o vinho devemos encher a capacidade da vazilha de vapores de enxofre, queimando ahi algumas mechas; e alguns dias depois de trasfegado clarifical-o-hemos, lançando-lhe uma onça de colla dissolvida por cada cincoenta canadas de vinho; agitando-o com uma vara para se deporem as impuridades de mistura com a colla no fundo da vazilha. Em algumas localidades ainda procedem a uma segunda trasfega, que em geral póde ser dispensada.
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2104. Depois destas operações ha-de deixar-se o vinho em repouso dentro das vazilhas muito bem tapadas; e se quizermos conserval-o por longo tempo, devemos agoardental-o, e engarrafal-o com as precauções geralmente conhecidas, collocando as garrafas, depois de rolhadas e lacradas, em logar frio.
2105. Os vinhos quando tem um excesso de fermento, ou se azedam, ou apresentam grande tendencia para se azedar, e neste caso poderemos evitar este vicio: 1.º não misturando o folhelho, e a grainha com o mosto, ou separando estas substancias, no caso de as haver misturado, antes ou logo depois de estar concluida a primeira fermentação; 2.º deitando na uva antes de pizal-a alguns punhados de greda; 3.º trasfegando o vinho quanto antes para o separar das suas fezes; 4.º augmentando-lhe o principio sacharino, ou lançando-lhe mosto cozido e concentrado, ou passas de uva bem seccas, ou finalmente algum assucar mascavado.
2106. Se pelo contrario o fermento escassear, e o assucar fôr em excesso deve fazer-se fermentar o vinho com o folhelho, e em adegas quentes, e lançar no mosto algum gluten de trigo na quantidade de uma libra por cada 100 canadas de liquido.
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2107. A fabricação dos nossos vinhos na maior parte dos districtos do reino é muito imperfeita; e os nossos viticultores deviam procurar aperfeiçoal-a para poderem affrontar a concurrencia dos vinhos estrangeiros nos diversos mercados europeos. Nenhuma nação poderia talvez competir comnosco, nem na variedade dos vinhos, nem na sua primorosa qualidade, se adoptassemos os melhores processos da vinificação.
2108. Fabricação do vinagre. O vinagre póde fazer-se de varias substancias vegetaes que contenham assucar e gluten, mas o melhor e o mais usual é feito do vinho, ou das suas borras. O vinho converte-se em vinagre, em consequencia de uma particular fermentação que experimenta o alcool, ou a agoardente contida no mesmo vinho. Já indicámos como se póde aproveitar o bagaço para fazer vinagre com elle; mas para o obter do vinho bastará lançal-o em vazilhas de bocca larga, e deixal-o ahi em contacto com o ar. Ha, porém, um processo muito usual e economico que convem preferir; e consiste em conservar sempre na vinagreira uma porção de bom vinagre que se augmenta de tempos a tempos com a addição successiva de algum vinho, o qual logo se converte em excellente vinagre, que se póde engarrafar para o uso ordinario.
2109. Fabricação da agoardente. A agoardente extrahe-se de um grande numero de productos agricolas - de todos aquelles que são susceptiveis da fermentação vinosa. Assim podemos extrahil-a dos pecegos, das peras, das maçãs, dos medronhos, dos figos, da cana de assucar, e até dos cereaes. Entre nós, porém, extrahe-se geralmente do vinho, ou das suas borras por meio da destillação, que volatilisando o alcool, e separando-o da agoa e dos outros principios com que está combinado, e fazendo depois condensar na cabeça do alambique os vapores alcoolicos pela acção do frio, nos fornece aquelle licor espirituoso, em maior ou menor estado de concentração e pureza, segundo a qualidade do vinho e do processo adoptado. Hoje a fabricação da agoardente, pelos novos methodos e apparelhos de destillação contínua tão aperfeiçoados pela chymica moderna, constitue um ramo particular de industria de que não podemos occupar-nos aqui, e que os nossos leitores poderão estudar nos tratados especiaes.
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2110. A uva passada é objecto de grande importancia, porque não só serve para a nossa alimentação, mas tambem para fazer com ella vinhos muito generosos, e para melhorar os que tem pouco assucar. As passas de uva fabricam-se de tres modos - ou seccando ao sol a uva madura e sã - ou passando-a por um forno tepido, submettendo-a depois á insolação - ou finalmente preparando uma forte lexivia de cinzas e cal, e passando os cachos por ella quando se achar em ebulição, estendendo-os depois ao sol. Do mesmo modo se passam as cerejas, e varios outros fructos.
Fabricação de varias bebidas fermentadas.
2111. Todos os fructos que contém assucar e gluten são susceptiveis de fermentar, e de se converter em bebidas mais ou menos espirituosas. A cidra é uma bebida muito agradavel, proveniente da fermentação das maçãs, e muito usada nos paizes que se acham ao norte da região da videira. A polpa das maçãs, depois de muito bem pizada, é submettida á expressão, ou sob a vara de lagar, ou sob outra prensa qualquer: o summo resultante desta expressão é recolhido em cubas de madeira, aonde se deixa fermentar. A fermentação manifesta-se com grande força e promptidão, e vai lançando fóra da cuba uma grande quantidade de espuma, e algumas impurezas. Concluida a fermentação tumultuosa trasfega-se a cidra para pequenos barrís, ou engarrafa-se para se consumir pelo decurso do anno. A pasta ou o pé, que fica da primeira expressão ainda é submettido a uma segunda, misturando-o com agoa. A cidra que resulta desta operação é, porém, de inferior qualidade.
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2112. As peras mais summarentas que as maçãs produzem, tratadas pelo mesmo processo, uma bebida que alguns acham mais agradavel do que a cidra, e a que se dá o nome de perada, ou vinho de peras.
2113. As sorvas, as cerejas, os medronhos, os figos, e varios outros fructos, tambem nos fornecem bebidas fermentadas, posto que mais inferiores, e menos usadas que as primeiras.
Fabricação do azeite.
2114. O azeite, ou oleo da oliveira, é extrahido do precioso fructo desta arvore, dentro do qual existe em pequenas vesiculas, que importa lacerar e comprimir fortemente para que nol-o subministrem.
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2115. O azeite da azeitona é geralmente extrahido moendo este fructo, e submettendo-o á expressão. As azeitonas para darem um bom oleo é indispensavel que estejam maduras e limpas de todos os corpos extranhos, e que não tenham experimentado a menor fermentação. A moagem faz-se ordinariamente pelo meio muito conhecido das galgas, posto que hajam outros mechanismos mais perfeitos que não podem descrever-se aqui.
2116. Usa-se em algumas partes da Italia separar a polpa do caroço para obter duas qualidades de azeite, uma mais fina e melhor do que a outra; mas este processo não se tem vulgarisado por ser dispendioso, e menos proficuo do que á primeira vista parece; visto que o oleo da amendoa contida no caroço é quasi tão fino como o da polpa da azeitona, e apenas o da parte lenhosa ou do endocarpo é mais inferior.
2117. Tem-se introduzido ultimamente em Hespanha, e principalmente na provincia de Toledo, um methodo caseiro muito proprio para a pequena cultura, pelo qual se obtem, sem grande custo, um azeite de superior qualidade. Este methodo é o seguinte: N'uma pequena lagariça de cantaria, ou de ardesia se collocam um ou mais saccos, em cada um dos quaes se tem previamente lançado obra de dois alqueires de azeitona, que se piza em secco até começar a desfazer-se; lança-se então, quando se reconhece que está neste estado, agoa fervente dentro do sacco uma e mais vezes, continuando sempre a piza até que a agoa sáia pura e sem olhos alguns de azeite. Este liquido de envolta com a agoa passa da lagariça para uma tarefa, e como, decorrido pouco tempo, se junta e sobrenada á superficie, é então recolhido e guardado em vazilhas proprias.
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2118. Na fabricação em grande, depois de muito bem moída e triturada a azeitona, introduz-se a pasta resultante da moagem nas ceiras, tendo a precaução de a distribuir ahi com egualdade. Estas collocam-se umas sobre as outras, e submettem-se á expressão. As machinas de que nos servimos para esta operação são a prensa de vara, a prensa hydraulica, e a de parafuzo. A primeira passa por ser a peior de todas, com quanto seja a mais usada; a segunda seria preferivel senão fosse tão cara, a terceira por tanto é a que, pela sua barateza e bom serviço, merece ser geralmente adoptada.
2119. Depois da primeira expressão, que nos fornece o azeite mais primoroso que se chama azeite virgem, e que deve por isso recolher-se n'uma tarefa propria, escaldam-se as ceiras e a pasta com agoa fervente, extrahida da grande caldeira do lagar, repetindo-se esta operação por duas ou mais vezes, para obter novas e successivas quantidades de azeite, que por ser egualmente bom, é recebido n'uma mesma tarefa, mas distincta da primeira.
2120. Alguns industriaes ainda submettem a pasta extrahida das ceiras a uma nova trituração e expressão para obterem uma maior ou menor porção de azeite, que por inferior não deve de modo algum misturar-se com o da primeira qualidade. Entre nós é, porém, raro que o bagaço seja submettido a esta ultima expressão por preferirem dal-o aos porcos, que os alimenta e ceva optimamente.
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2121. Concluida a elaboração do azeite deve proceder-se com uma cenrada pouco concentrada á lavagem das ceiras, das tarefas, do moinho, das galgas, e de todos os mais utensilios do lagar, para que não adquiram ranço, que se communicaria infallivelmente ao azeite que houvesse de se manipular no anno seguinte.
2122. Os nossos azeites, que são objecto de muita exportação, e de um immenso consumo no reino, ganhariam grande valor e reputação se fossem manipulados com mais perfeição, e guardados em garrafas e outras vazilhas proprias. Alguns proprietarios começam a adoptar na sua fabricação melhores methodos, com grande vantagem sua e do paiz.
2123. O oleo de linhaça, tão procurado para diversos usos industriaes e medicos, obtem-se moendo a semente de linho, e introduzindo a farinha resultante desta operação n'um sedaço ou sacco, que se expõe ao vapor da agoa fervente, e depois se submette á expressão n'uma prensa qualquer.