História da Mitologia/VI

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Capítulo VI[editar]

Midas[editar]

Baco
pintura de Caravaggio (1571-1610)

Baco, em certa ocaisão, encontrou com seu antigo mestre e pai de criação, Sileno, que estava perdido. O velhinho andava bebendo, e nesse estado ficou vagueando, quando foi encontrado por alguns aldeões, que o conduziram até seu rei, Midas. Midas o reconheceu, e o tratou com hospitalidade, divertindo-o durante dez dias e noites com festas regadas de alegria. No décimo primeiro dia ele decidiu devolver Sileno a Baco, a cujos braços foi entregue com segurança. Diante das circunstâncias, Baco ofereceu a Midas que ele optasse por uma recompensa, qualquer uma que desejasse. Midas então, pediu para que tudo que ele tocasse se transformasse em ouro. Baco concordou, embora lamentasse que ele não tivesse feito uma escolha melhor.

A filha de Midas se transforma em ouro
ao ser tocada por ele
ilustração de Walter Crane (1845-1915)

Midas seguiu seu caminho, regozijando-se com o poder recém adquirido, que fez questão de colocar em prática imediatamente. Mal pode acreditar em seus olhos quando ele encontrou um galho de carvalho, do qual ele havia arrancado, e que se transformara em ouro ao toque de suas mãos. Ele pegou uma pedra; e esta se transformou em ouro. Tocou num punhado de terra; e aconteceu o mesmo. Tocou numa maçã que estava no pé; e você poderia acreditar que ele a havia roubado do jardim das Hespérides. A sua felicidade não admitia limites, e assim que ele chegou em casa, ele ordenou que os seus criados lhe pusessem um esplêndido jantar na mesa. Então, ele ficou desesperado pois quando ele tocou o pão, este endureceu imediatamente em suas mãos; ou quando colocava algum pedaço em sua boca, era um desafio para os seus dentes. Tomou de um cálice de vinho, mas este escorria pela garganta como se fosse ouro derretido.

Consternado diante de uma aflição sem precedentes, esforçava-se por ver-se livre de tal poder; odiava o dom que ultimamente havia cobiçado tanto. Mas de nada adiantava; a fome parecia convidá-lo. Ele levantou os braços, todo reluzente de ouro, e suplicou em preces a Baco, para que este o libertasse daquela fulgurante destruição. Baco, que era divindade misericordiosa, o ouviu e o atendeu. "Vai até o Rio Pactolo," disse o deus, percorre todo o fluxo do rio até a sua nascente, e mergulha tua cabeça e teu corpo em suas águas, e te verás livre do erro e do castigo." E assim o fez, e mal ele havia tocado as águas, quando notou que o poder de transformar tudo em ouro havia sido transferido para o rio, e as suas areias ficaram cobertas de ouro, e assim permanecem até o dia de hoje.

Daí em diante Midas, começou a odiar a riqueza e o esplendor, passou a viver no campo, e se tornou adorador de , o deus dos bosques.

Em certa ocasião, Pã teve a ousadia de comparar a sua música com a de Apolo, chegando a desafiar o deus da lira para uma competição de habilidades. O desafio foi aceito, e Tmolo, o deus das montanhas, foi nomeado árbitro. O velhinho tomou um assento, e removeu as árvores de seus ouvidos para ouvir melhor. Quando o sinal foi dado, Pã soprou sua flauta, e com sua rústica melodia causou grande satisfação a si mesmo, bem como a seu fiel seguidor, o rei Midas, que por acaso estava presente. Então, Tmolo virou a sua cabeça em direção ao deus sol, e todas as suas árvores fizeram o mesmo.

Apolo se levantou, tendo a cabeça adornada pelo loureiro parnasiano, enquanto que seu manto de púrpura tíria chegava até o chão. Com sua mão esquerda segurava a lira, e com a mão direita tocava as cordas. Encantado pela harmonia, Tmolo imediatamente concedeu a vitória ao deus da lira, e todos, com exceção de Midas, concordaram com o julgamento. Ele discordou, e questionou com relação à justiça da recompensa. Apolo não poderia permitir que um par de orelhas tão viciado tivesse a honra de se apresentar sob a forma humana, e fez com que elas aumentassem em tamanho, ficassem cabeludas, por dentro e por fora, e se movimentassem em suas raízes; resumindo, tornaram-se um modelo perfeito como aquelas de um asno.

O rei Midas se sentiu humilhado ao extremo com este infortúnio; mas procurava se consolar achando que fosse possível ocultar a sua desgraça, e fez isso usando um enorme turbante ou um adereço para a cabeça. Mas o seu camareiro naturalmente conhecia o seu segredo. Então, ele foi proibido de mencionar o acontecido, e ameaçado com cruéis punições caso tentasse desobedecer. Mas o criado achou que era pedir demais à sua discrição para guardar um segredo tão relevante; então, ele foi até o meio de um pasto, cavou um buraco no chão, inclinou-se, e sussurou tudo o que sabia para dentro do buraco, cobrindo-o de terra imediatamente. Passado muito tempo, uma densa camada de juncos foi sendo criada no meio do pasto, e a medida que crescia em tamanho, a história era ouvida como se fosse um sussurro soprado pelo vento, continuando assimdo mesmo jeito, daqueles tempos até os dias de hoje, e toda vez que a brisa passa por aquele lugar.

A história do rei Midas foi contada por outros autores com algumas variações. Dryden, em seu poema "A história da Mulher se banhando,"[1][2] diz que a esposa de Midas foi quem revelou o segredo:

"Midas sabia disto, e não ousava dizer a ninguém exceto à sua esposa o segredo da sua condição."

Midas era rei de Frígia. Ele era filho de Górdio, pobre camponês, que foi incitado pelo povo a se tornar rei, em obediência à ordem do oráculo, que prognosticava que o futuro rei seria trazido numa carruagem. Quando o povo estava reunido, durante uma discussão pública, Górdio com sua esposa, e acompanhados do filho, chegaram dirigindo uma carruagem na praça pública.

Górdio, assumiu o trono, e dedicou a sua carruagem à divindade do oráculo, amarrando o veículo no local com um nó bem apertado. Este nó ficou conhecido como o nó de Górdio, o qual, nos tempos posteriores se costumava dizer, que aquele que conseguisse desatá-lo se tornaria o senhor de toda a Ásia. Muitos tentaram desamarrá-lo, mas nenhum conseguiu, até que Alexandre, o Grande, em sua vida de conquistas, chegou à Frígia. Ele tentou com toda a sua habilidade, mas não teve sucesso assim como aconteceu com os outros, até que ele ficou impaciente, sacou de sua espada e cortou o nó. Quando então, ele conseguiu submeter à Ásia sob seus domínios, as pessoas começaram a achar que ele havia cumprido literalmente todos os termos do oráculo.

Baucis e Filémon[editar]

Júpiter e Mercúrio na casa de Filémon e Baucis
pintura de Adam Elsheimer (1578-1610)

Numa certa colina da Frígia existe um pé de tília e um carvalho, cercados por uma pequena muralha. Não longe desse lugar ficava um pântano, que antigamente fora uma terra habitável, mas que agora era pontilhada de lagos, um paraíso para os pássaros do brejo e dos cormorões. De certa feita, Júpiter, disfarçado de ser humano, visitou essa região, acompanhado de seu filho Mercúrio (o criador do Caduceu), porém, sem as suas asas. Eles se apresentaram, como viajantes cansados, na porta de alguns moradores, em busca de descanso e refúgio, mas todas as portas estavam fechadas, porque já era noite, e os habitantes inóspitos não queriam se levantar para abrir a porta para recebê-los.

Até que um humilde solar decidiu recebê-los, uma pequena cabana coberta de palha, onde Baucis, uma senhora bastante piedosa, e seu marido Filémon, que embora casados ainda jovens, haviam envelhecidos juntos. Não se envergonhavam da pobreza em que viviam, tornando-a suportável em razão dos hábitos moderados e de suas tendências generosas. Não se conseguia saber ali quem era o mestre e quem era o criado; ambos se dedicavam às tarefas domésticas, ora como patrões ora como criados igualmente. Quando os dois visitantes celestiais cruzaram o humilde solar, e tiveram que baixar suas cabeças para passar pela porta que era baixa, o velhinho disponibilizou um assento, sobre o qual Baucis, preocupada e atenciosa, estendeu um pano, e pediu para que eles se sentassem.

Ela então, retirou algumas brasas das cinzas, e acendeu uma pequena fogueira, alimentada por folhas e cascas secas, e soprando vagarosamente criou uma grande chama. De um cantinho retirou algumas madeiras e galhos secos, quebrou-os em pedacinhos, e os colocou debaixo de pequena chaleira. Seu marido coletou alguns potes de ervas no jardim, arrancando-as junto com as raízes e preparando-as dentro de uma panela. Com um pequeno pedaço de pau bifurcado, retirou um pedaço de toucinho que estava pendurado na chaminé, fatiou um pequeno pedaço, e o colocou dentro da panela para ferver junto com as ervas, separando o que sobrou para uma outra ocasião.

Uma tigela de faia foi enchida com água quente, para que seus convidados pudessem se lavar. Enquanto tudo isto era feito, eles preenchiam o tempo conversando. No banco que os convidados estavam sentados, fora colocada uma almofada estufada com algas marinhas; e uma toalha, usada somente em grandes ocasiões, mas antiga e rústica o suficiente, fora colocada por cima.

A velha senhora, usando um avental, e tremendo de emoção arrumou a mesa. Uma perna da mesa era menor que as outras, mas um pedaço de ardósia fora colocado para que a mesa não ficasse desequilibrada. Depois de consertada, ela esfregou e limpou a mesa com algumas ervas de sabor adocicado. Algumas azeitonas da casta Minerva foram também adicionadas, e também algumas bagas de cornizos conservadas em vinagre, além de acrescentar rabanetes e queijos, com ovos levemente cozidos nas brasas. Tudo foi servido em pratos de barro, e um cântaro de barro, com copos feitos de madeira, foram colocados ao redor. Depois que tudo ficou pronto, o cozido, quente e fumegante, foi colocado em cima da mesa. Um pouco de vinho, que não era o mais envelhecido, foi adicionado; e como sobremesa, maçãs e mel selvagem; e melhor do que tudo aquilo que era oferecido, os rostos amáveis e simples eram muito mais que uma recepção calorosa.

Ora, enquanto era feita a refeição, os anfitriões ficaram surpresos porque o vinho, a medida que era servido, era enchido automaticamente dentro do cântaro. Assustados com o fato, Baucis e Filémon reconheceram seus convidados celestiais, e caíram de joelhos, e de mãos súplices imploravam perdão pela pobre recepção. Eles tinham um ganso velho, o qual fazia o papel de guardião da humilde choupana; e eles tiveram a ideia de preparar este sacrifício em homenagem aos convidados. Mas o ganso, que era muito ágil, utilizando-se dos pés e das asas, para fugir de seus anfitriões, enganou seus perseguidores, para enfim buscar refúgio juntos aos próprios deuses.

Eles pediram para que o ganso não fosse sacrificado; e disseram o seguinte: "Nós somos deuses. Esta aldeia inóspita sofrerá o castigo pela sua impiedade; apenas vocês serão poupados de castigos tão cruéis. Deixai vossa casa, e vinde conosco para o topo daquela colina." Os dois obedeceram apressadamente, e, apoiados em seus cajados, colocaram-se a caminho da subida íngreme. Eles haviam chegado a distância de alguns passos do topo, quando seus olhos se voltaram para baixo, e viram que toda a região havia sido inundada e se transformada num lago, apenas a casa deles havia ficado de pé. Enquanto olhavam espantados este quadro tão assustador, lamentavam o destino de seus vizinhos, apenas a casa deles havia se transformado num templo.

Os antigos caibros foram substituidos por imensas colunas, a palha ficou amarela e surgiu um teto dourado, o piso ficou coberto de mármore, e as portas foram enfeitadas com entalhes e ornamentos de ouro. Então, Júpiter falou com expressões de benevolência: "Meu honorável velhinho, e respeitável senhora digna de tão bondoso marido, falai, expressai vossos desejos; o que gostaríeis de receberdes como recompensa?" Filémon durante alguns minutos consultou a opinião de Baucis para saber o que ela desejava; só então, revelaram aos deuses o pedido que haviam decidido em comum acordo. "Gostaríamos de ser os sacerdotes e guardiães do templo que erigiste em vossa homenagem; e uma vez que passamos toda a nossa vida com amor e harmonia, desejamos que a vida nos seja retirada na mesma hora e no mesmo instante, para que eu não viva para ver a sepultura de minha esposa, nem seja por ela sepultado." A rogativa deles foi atendida.

Eles se tornaram guardiães do templo enquanto viveram. E quando ficaram velhinhos, certo dia, quando se encontravam diante dos degraus do edifício sagrado, e estavam contando a história daquele templo, Baucis viu quando Filémon começou a estender algumas folhas no chão, e o velho Filémon viu quando Baucis passou por idêntica metamorfose. E então, uma coroa de flores cresceu na cabeça de cada um deles, enquanto trocavam palavras de despedidas, e na medida em que conseguiam expressar seus sentimentos. "Adeus, minha querida esposa," "adeus, meu querido marido," disseram ao mesmo tempo, as suas bocas se fecharam como se fossem cascas secas. O pastor de Tiana ainda pode ser visto na forma de duas árvores, postas lado a lado, e criadas a partir de duas pessoas bondosas e amorosas.

A história de Baucis e Filémon foi imitada por Swift, num estilo burlesco, sendo que o papel dos atores é representado por dois santos perambulantes, e a casa transformada em igreja, da qual Filémon se tornou sacerdote. Os versos seguintes traduzem esse sonho:

"Mal haviam começado a falar, quando bem suavemente,

O teto começou a se elevar para o alto;

E cada viga e cada trave também se elevava;

As pesadas paredes subiram pouco depois.

As chaminés se expandiam e subiam cada vez mais alto,

Tornando-se um campanário na torre.

A chaleira fora levantada até o teto.

E ali ficou presa a uma viga,

Mas virada para baixo,

Para mostrar a inclinação, se distanciando lá de baixo;

Tudo inutilmente, porque uma força superior,

Aplicada em sentido contrário, interrompe-lhe o movimento;

Condenando-a a ficar em suspensão para sempre,

Não como uma chaleira, mas agora um sino.

Um suporte de espeto de madeira,

Que há muito não era usado na arte de assar,

Sente-se uma súbita modificação

Aumentado por movimentos circulares internos;

E que exalta ainda mais o maravilhoso.

A apresentação torna mais lento o movimento;

A mosca, pensando que tinha pés de chumbo,

Deu uma volta tão rápida que mal se poderia perceber isso;

Mas que reduziu seus movimentos devido a algum poder secreto,

E que agora mal percorre alguns centímetros numa hora.

O suporte de espeto e a chaminé, quase aliados,

Jamais saindo um do lado do outro:

A chaminé que fora transformada em torre,

Não deixaria o suporte sozinho;

Mas sobe apoiado pela torre,

E torna-se um relógio, preso junto a ela;

E o seu amor pelos afazeres domésticos

Não declara ao meio dia com voz estridente,

Avisando a cozinheira para que não deixe queimar

A carne assada que ela não consegue girar;

A cadeira que range começa a se arrastar,

Como enorme caracol, através da parede;

E ali fica presa diante da visão pública,

E com uma pequena modificação, surge o púlpito.

Uma estrutura de cama, de estilo antigo,

De madeira compacta e que suporta muita carga,

Como usavam os nossos ancestrais,

É transformada em bancos

Que ainda mantém sua natureza anterior

Acolhendo pessoas com disposição para dormir."

Notas e Referências do Tradutor[editar]

  1. História da Mulher se Banhando Wikipedia em inglês
  2. The Wife of Bath's Tale