História da Província de Santa Cruz/Prologo ao lector
A causa principal que me obrigou a lançar mão da presente historia, e sair com ella a luz, foi por não haver atégora pessoa quea emprendesse, havendo já setenta e tantos annos que esta Provincia he descoberta. A qual historia creio que mais esteve sepultada em tanto silencio, pelo pouco caso que os portuguezes fizerão sempre da mesma provincia, que por faltarem na terra pessoas de engenho, e curiosas que per melhor estillo, e mais copiosamente que eu a escrevessem. Porêm já que os estrangeiros a tem noutra estima, e sabem suas particularidades melhor e mais de raiz que nós (aos quaes lançárão já os portuguezes fóra della à força darmas per muitas vezes) parece cousa decente e necessaria terem tambem os nossos naturaes a mesma noticia, especialmente pera que todos aquelles que nestes Reinos vivem em pobreza nam duvidem escolhe-la para seu emparo: porque a mesma terra he tal, e tam favoravel aos que a vão buscar, que a todos agazalha e onvida com remedio por pobres e desemparados que sejão. E tambem ha nella cousas dignas de grande admiraçam e tam notaveis que parecêra descuido e pouca curiosidade nossa, nam fazer mençam dellas em allgum discurso, e da-las à perpetua memoria, como costumavão os antigos: aos quaes nam escapava cousa alguma que por extenso nam reduzissem a história, e fizessem mençam em suas escrituras de cousas menores que estas, as quaes hoje em dia vivem entre nós como sabemos, e viverão eternamente. E se os antigos portuguezes, e ainda os modernos nam foram tam pouco affeiçoados à escritura como sam; nam se perdêrão tantas antiguidades entre nós, de que agora carecemos, nem houvera tam profundo esquecimento de muitas cousas, em cu jo estudo têm muitos homens doutos cansado, e revolvido grande copia de livros sem as poderem descobrir nem recuperar da maneira que passárão. Daqui vinha aos Gregos e Romanos haverem todas as outras nações por barbaras, e na verdade com rezão lhes podião dar este nome, pois erão tam pouco solicitos, e cubiçosos de honra que por sua mesma culpa deixavão morrer aquellas cousas que lhes podião dar nome, e faze-los immortaes. Como pois a escritura seja vida da memoria, e a memoria huma semelhança da immortalidade a que todos devemos aspirar, pela parte que della nos cabe, quiz movido destas razões, fazer esta breve historia, pera cujo ornamento nam busquei epitetos exquisitos, nem outra fermosura de vocabulos de que os eloquentes Oradores costumão usar pera com artificio de palavras engrandecerem suas obras. Somente procurei escrever esta na verdade per hum estillo facil, e chão, como meu fraco engenho me ajudou, desejoso de agradar a todos os que della quizerem ter noticia. Pelo que devo ser desulpado das faltas que aqui me pódem notar: digo dos discretos, que com sam zelo o costumão fazer que dos idiotas e mal dizentes bem sei que nam hei de escapar, pois está certo nam perdoarem a ninguem.