História das Psicoterapias e da Psicanálise/I/IV
Como se depreende do estudo anterior:
1) Em tempos atrás, todas as doenças eram consideradas como produzidas pelos espíritos maus, inimigos do homem, ou como meros efeitos dos pecados humanos. Estes eram considerados como causas morais geradoras de efeitos físicos, que eram as doenças corporais, interpretação espiritualista baseada no primeiro capítulo da Bíblia, onde se atribui ao primeiro pecado a situação humana atual com todas as suas imperfeições e deficiências. Quando Jesus curou o cego de nascimento junto à piscina de Betsaida, os fariseus e escribas lhe perguntaram: "quem pecou, ele ou seus pais?", aludindo claramente à causa da sua cegueira. E esta é ainda a opinião de muitos espiritualistas, tanto das religiões ocidentais como, principalmente, os seguidores da filosofia oriental que crêem na reencarnação. O homem sofre doenças e provações físicas e morais para purgar seus pecados e progredir espiritualmente, etc.
Especialmente certas doenças ou distúrbios eram interpretados espiritualmente, como a epilepsia, tida no Egito antigo como "mal sagrado" ou possessão divina, e na Judéia e outras regiões como possessão diabólica. As antigas trepanações egípcias, assegura-se que eram feitas com o intuito de abrir uma saída aos espíritos malignos, apossados do doente e causadores daquele mal.
De igual modo eram considerados por muitos os distúrbios histéricos, os neuróticos e o próprio sonambulismo, cuja verdadeira natureza lhes era desconhecida.
2) Pelo contrário, em vez de atribuir esses distúrbios a forças "sobrenaturais", a Psiquiatria moderna, ramo da medicina materialista dos séculos XVIII e XIX, atribuía-os a "uma possível ação" de fatores químicos e físicos ou da lesão de algum órgão enfermo, de preferência neuronal. Em oposição ao conceito do "possesso" e "endemoniado" que foi usual até fins do século XVIII, a medicina do século XIX passou a considerar os distúrbios mentais mais avançados como notoriamente "loucos", substituindo os "exorcismos" e as práticas "mágicas" pela terapia medicamentosa, sendo confinados os pacientes destes distúrbios a um internamento sem fim, em locais mais parecidos com cárceres e masmorras do que com sanatórios e hospitais.
Os outros transtornos mentais menos graves, denominados genericamente com o nome de "histeria" (os chamados hoje de transtornos "neuróticos"), ou não se admitiam como doenças independentes ou eram tidos como distúrbios provocados por alterações orgânicas cerebrais. Em conseqüência, sua única terapia consistia em medicamentos, regimes dietéticos, hidroterapia, repouso, etc., que em realidade pouco ou nada lhes adiantava.
3) De fator "psicológico" nem se pensava nos setores médicos oficiais, sendo ridicularizado ou tido como coisa de "filósofos e de curandeiros", muito tendo a perder os médicos que o invocavam. Contudo, como temos visto, este conceito psíquico aos poucos foi surgindo e acabou impondo-se, a partir principalmente das práticas "hipnóticas", a seguir de Mesmer e o mesmerismo e tomando ares mais científicos após o hipnotismo de Braid e seus discípulos. De fato, magnetizando pessoas sadias, Mesmer e seus discípulos conseguiram produzir nelas um estado passageiro "em tudo semelhante ao das pessoas histéricas" em suas crises mais agudas; e magnetizando pessoas histéricas e revivendo seus traumas e estados patológicos "ficavam do mesmo inteiramente curados". Logo a seguir, sem necessidade de "magnetizar" e por métodos diferentes, o italiano José Bálsamo, marquês de Puyssegur e, em Paris, o Abade Faria, passaram a obter os mesmos resultados. E, mais tarde, um médico inglês chamado Braid, que também explorava este método de cura em pacientes epiléticos, histéricos e neuróticos, comparando os estados e os comportamentos dos "magnetizados" com os sonâmbulos, batizou este procedimento com o nome de sonambulismo artificial, ou mais simplesmente de "hipnotismo", nome que foi adotado nos meios científicos e médicos a partir de 1843. Empiricamente e sem muitas pretensões científicas, sua prática resultava num compêndio de "hipnoterapia" psicoterápica.
4) Com intervalos de máximo fascínio das multidões não— médicas e de desprestígio de mero charlatanismo de rua, a partir da segunda metade do século XIX, o hipnotismo, sem embargo, foi penetrando nos consultórios médicos em labor mais silencioso e científico. Em 1860, o médico francês Liébault passou a utilizar o sono hipnótico não só como terapia, mas também como meio de estudo e investigação científica, marcando uma etapa decisiva na história da Medicina e da Psicologia. Estabelecido em Nancy na França e associado com seu discípulo Bernheim estudaram ambos um grande número de histéricos e neuróticos (mais de dez mil) e, mediante o uso da hipnose, estruturaram as bases da nova Psicoterapia, marcando um novo caminho para o tratamento das neuroses.
Quase pela mesma época, em seu Serviço Hospitalar da Salpêtriere de Paris, Charcot fez também grande uso da hipnose em experiências científicas de maior significação médica e psicológica, tendo como discípulos grandes eminências médicas, entre eles, o grande Dr. Janet e o próprio Freud.
Movimentos esses, que auxiliados por Bechterew na Rússia e por Ferel na Alemanha, já tinham obrigado a Psiquiatria tradicional organicista e acadêmica a admitir, pela casa dos 1880 (antes de Freud portanto) as seguintes conclusões elaboradas fundamentalmente nas práticas hipnóticas:
1ª)Os fenômenos hipnóticos possuem uma inegável analogia com alguns distúrbios neuróticos.
2ª)Certas alterações orgânicas parecem ser o resultado de influências psíquicas não-conscientes.
3ª)Ao que parece, existem processos comportamentais e inconscientes.
5) A psiquiatria organocista de um lado e as práticas hipnóticas de outro, aliadas aos avanços da escola psicologista, constituem, portanto, os precedentes históricos mais próximos do movimento psicoterápico, aperfeiçoado por Freud e que viria adotar o nome de Psicanálise. Como deixamos exposto, tudo isto já acontecia e era ensinado por volta de 1880, quando Freud cursava os últimos anos de sua formação médica na Universidade de Viena. A partir daí e de outros fatos mais concretos haveria nascer a psicanálise, como veremos.