História das Psicoterapias e da Psicanálise/V/III

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1) Emoções e instintos:

Diante de um perigo, nossas funções autodefensivas, (os reflexos incondicionados, primeiro, e os condicionados, depois), chamadas instinto de auto-conservação, reagem antes mesmo que o psiquismo consciente se aperceba. O coração se acelera, a pressão sangüínea sobe instantaneamente, o baço se contrai, o sangue aflui das vísceras para os músculos e vice-versa, a taxa de açúcar aumenta, as pupilas se dilatam e todo o organismo se prepara para a luta ou para a fuga. De onde os sentimentos de cólera e de medo (instinto agressivo-defensivo) nada mais são que a Expressão subjetiva dessas modificações adaptativas que tem sua base mais profunda nas glândulas endócrinas. Na verdade, os chamados atos instintivos processam-se dentro dos estados fisiológicos, carregados de uma dose variável de afetividade que corresponde às alterações, mais ou menos súbitas, do meio físico e social e repercutem no organismo, sob a forma de emoção. Desta forma a EMOçãO, enquanto vivência afetiva, viria a ser como que a "face psíquica" do instinto fisiológico inconsciente. Isto não exclui a teoria intelectualista, que vê, na "representação", idéia-imagem, o ponto de partida das reações emocionais. De fato, a idéia-imagem imediata ou a imagem-lembrança, age como estímulo secundário (o estímulo primário é o que produz a imagem-percepção), e como motor que, através da hipófise, põe em movimento todo o mecanismo endócrino-emocional, dependendo a sua intensidade do grau de afetividade com que venha envolvida essa imagem. A afetividade representa, portanto, a faísca elétrica provocadora da tormenta que é a EMOçãO.

2) A Etiologia das Neuroses:

Como já sabemos, Freud, à revelia de todos os seus discípulos e colegas de pesquisas, ligou a raiz etiológica de todas as neuroses ao problema sexual. De início, afirmou que "uma lembrança recalcada de um ato sexual, havido na infância", era a responsável pela futura neurose. Mais tarde, pensou que "um desejo imaginativo e fantasioso" de um ato sexual a ser realizado, física ou moralmente impossibilitado, poderia ser também a causa de futuras neuroses. Finalmente, chegou à conclusão de que a verdadeira causa da neurose deveria ser encontrada "na libido reprimida" ou não descarregada. Daí a sua famosa teoria libidinosa ou pansexualista.

Ora, falando da libido, Freud parece emprestar-lhe os caracteres de uma verdadeira energia física. Fala dela inclusive em termos quantitativos: "Um quantum de energia, um quantum
de excitação, um quantum de prazer, etc." "Algo que existe
nas funções psíquicas, que tem todas as propriedades de uma quantidade, susceptível de aumento, de diminuição, de deslocação e de descarga ..."

Neste caso, parece imaginar o corpo humano como uma "pilha" elétrica, capaz de carregar-se de energia, por diversas excitações, precisando ser descarregada de vez em quando, a fim de evitar-se a neurose...

Mas a maior debilidade desta teoria reside no fato de que as meticulosas e bem sucedidas pesquisas na área da energética humana nunca encontraram outra classe de energia que as vinculadas à energia biomagnética ou bioelétrica e as secreções das glândulas endócrinas, na área fisiológica, e à força da afetividade-emoção, na área psico-emotiva. Ora uma energia física, especificamente sexual ou libidinosa, somente a vamos encontrar nas secreções das glândulas gonodais, masculinas e femininas, e isto, só após o início da puberdade, e nunca anteriormente.

3) Teoria da afetividade recalcada:

Como a imensa maioria dos psicólogos e das escolas psicanalistas não-ortodoxas, somos contrários a essa interpretação freudiana dos fatos.

Achamos errônea e desnecessária a teoria da energia-libido reprimida ou recalcada, em sistema de "represamento" ou "acumulada em pilha", aumentando sempre a tensão e criando a necessidade de ser descarregada, ou provocando a neurose em caso contrário. Nós preferimos a teoria psíquico-emotiva da afetividade contrariada, em sistema de "DíNAMO", pondo em movimento todo o sistema emotivo-glandular (teoria reflexológica), tantas vezes quantas ela mesma é dinamizada e reativada sob a ação de uma imagem-idéia-lembrança, que lhe serve de impulso (teoria representativa ou ideológica), e que, em caso de insatisfação ou de frustração permanente ou prolongada, poderá criar a situação neurótica subseqüente.

Eis o esquema da GêNESE DE UM ATO que pode explicar onde atua o recalque que pode desencadear a neurose:

Um estímulo, interno ou externo (uma dor interna ou choque externo, uma visão atual ou uma lembrança do passado), produz uma reação fisiológica, que é transmitida por uma corrente bioelétrica ou reação nervosa ao centro cerebral correspondente, resultando daí uma sensação-percepção; uma outra reação, agora psíquica tem por resultado a elaboração de uma imagem-idéia-pensamento (ou sua lembrança), operação mental acompanhada de um sentimento .

Subseqüentemente este SENTIMENTO provoca uma outra reação psíquica, isto é, provoca um desejo, mais ou menos intenso de agir ou de não agir, carregado de um " quantum" de afetividade positiva ou negativa, que estimula a hipófise e produz uma ou várias emoções determinantes de uma necessidade de agir ou não agir, positiva ou negativamente, para a devida descarga de ENERGIA emotiva produzida. Se a esta altura não houver barreiras repressivas ou inibitórias, que impeçam o desejo provocado, essa energia emotiva produzida será levada por uma corrente eletronervosa ou hormônio-nervosa, que determinará o impulso motor-fisiológico causa imediata do ATO, e este fará descarregar a tensão energética ocasionada. Um "quantum" de energia, como dizia Freud; mas de energia afetiva, que é emotiva e hormonal (provavelmente adrenalínica) e não libidinosa.

4) Se porém, surgirem barreiras inibitórias ou repressivas que impeçam a execução do DESEJO, duas situações diferentes poderão surgir:

a) Que a repressão seja recebida coincidentemente e seja aceita construtivamente pelo indivíduo, em cujo caso, o impulso motor de agir será substituído pelo de não-agir e a energia emocional será dissolvida automaticamente, sem causar nenhum traumatismo frustrativo e angustiante, que possa causar a situação neurótica.

b) Que as barreiras repressivas e inibitórias não sejam recebidas conscientemente ou não sejam aceitas construtivamente e sejam convertidas em recalques inconscientes: neste caso a energia emocional não terá saída nem descarga, a tensão será aumentada com a repressão, produzirá maior carga de afetividade negativa, e agravará mais indelevelmente a imagem-idéia-pensamento ou lembrança, que produziram o desejo insatisfeito, cujo sentimento ficará sempre gravado no inconsciente e sempre dinâmico e capaz de produzir os mesmos efeitos, sempre que dinamizado novamente por uma lembrança associativa, carregada da mesma afetividade.

é justamente neste caso que as repetidas frustrações do desejo insatisfeito (desejo sexual fantasioso, talvez, que queria Freud), de acordo com a sua intensidade, provocarão, como é óbvio, um estado de tensão permanente, de angústia e de ansiedade progressiva capaz de ocasionar, finalmente, a NEUROSE.

Nossa tese, portanto, é a seguinte:

"Toda neurose é provocada por uma carência intolerável de afetividade positiva (de amor, prazer e seus derivados); ou pela presença de uma quantidade intolerável de afetividade negativa (medo, ira e seus semelhantes), que sejam capazes de provocar as situações frustrativas, ansiedade e angústia, determinantes do estado neurótico."

Desta forma, a prática ou o desejo de executar um ato sexual (como qualquer outro ato), por frustrativo que seja, somente poderá ser causa de NEUROSE, quando acompanhados de uma grande dose de afetividade negativa, e nunca ao contrário, se acompanhada de afetividade positiva, ou se a repressão for conscientemente ACEITA.

5) Para maior compreensão do exposto, juntamos um esquema de como se geram e desenvolvem as diversas modalidades da afetividade negativa e como podem criar as diversas situações, possíveis causadoras das neuroses, não referindo-nos às da afetividade positiva (amor, etc.) porque estas nunca são causas determinantes das doenças psíquicas-mentais.

Um determinado estímulo, interno ou externo, provoca uma determinada excitação à qual se segue uma sensação de desprazer, desconforto ou de dor, que cria no indivíduo uma determinada irritabilidade, e desta, duas situações diferentes podem surgir, segundo a constituição somática e psíquica, de índole e de caráter do indivíduo; um sentimento de mágoa ou um sentimento de raiva. No primeiro caso, poderá desencadear um ou vários dos estados de inibição ou de introversão, se o indivíduo é introvertido, com toda a corte de emoções e sentimentos característicos. E no segundo caso, poderá produzir, no indivíduo extrovertido, algum dos diferentes efeitos da agressividade, e todas as emoções e sentimentos que a caracterizam, não esquecendo que os estados, os sentimentos e as emoções acima enumeradas são reversíveis. Quando os efeitos da agressividade resultarem frustrados, poderão converter-se em estados de inibição deprimente e neurotizante, e os estados inibitórios, quando excessivamente angustiantes, poderão estourar em nocivos efeitos de terrível agressividade.